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HOMOFOBIA: relatório da senadora Fátima ao PLC 122/06


Projeto não pune opinião desfavorável à homossexualidade, garante relatório de Fátima
Uma das críticas ao PLC 122/06, especialmente divulgadas em Rondônia, é a de que a matéria fere a Constituição, suprimindo a liberdade de expressão por parte de agentes religiosos que não aceitam a homossexualidade. O relatório apresentado pela senadora Fátima Cleide, relatora da matéria, desmonta esta versão.
“O projeto não criminaliza a crença pessoal desfavorável à homossexualidade, mas ações que conduzam à imposição dessa crença a outros individuos, de modo a suprimir a liberdade de uns pelo arbítrio de outros”, diz trecho do documento, lembrando a seguir que as normas propostas no projeto buscam proteger a vida, não apenas no sentido biológico, mas nas “relações sociais indispensáveis a seu desenvolvimento”.
A senadora Fátima, convicta do mérito de cada dispositivo previsto na proposta, argumenta que todas as condutas descritas se referem a comportamentos dolosos, ou seja, com intenção explicita de vitimar o outro, motivada por preconceito contra individuos ou grupos.
Ao apresentar dados que amparam a discriminação homofóbica no Brasil, a senadora Fátima cita, dentre outras fontes, artigo do ministro Marco Aurélio Melo, presidente do Tribunal Superior Eleitoral, denominado a ”Igualdade é colorida”.
Favorável ao PLC 122, o texto do ministro, publicado no jornal “Folha de São Paulo” em agosto deste ano, afirma: “Em se tratando de homofobia, o Brasil ocupa o primeiro lugar, com mais de cem homicídios anuais, cujas vítimas foram trucidadas apenas por serem homossexuais”. Adiante, ele corrobora o que a senadora tem constatado diariamente nos contatos e debates que se envolve: “Números tão significativos acabam ignorados, porque a sociedade brasileira não reconhece as relações homoafetivas como geradoras de direito”.
Inicialmente, o relatório da senadora faz uma análise dos direitos sexuais, a partir da conceituação de cidadania, rememorando direitos inicialmente garantidos com a revolução francesa no seculo XVIII, e posteriormente no século XIX, quando direitos civis, políticos e sociais se alargaram e foram consolidados.
Os avanços continuaram, aponta o relatório, consagrando os direitos sexuais como direitos humanos a partir de conferencias internacionais já no seculo XX. “O conjunto da legislação firmada em âmbito internacional considera que a sexualidade integra a personalidade de todo ser humano, relaciona-se a necessidades humanas básicas e desenvolve interação entre os individuos e as estruturas sociais”, diz trecho do documento.
O termo homofobia é a seguir descrito, significando a intolerância e o desprezo por quem demonstre preferências e identidades diferentes da heterossexual, que se “realiza como aversão, ódio, medo, preconceito ou dsicriminação contra homens e mulheres homossexuais, lésbicas, gays, bissexuais, transgêneros e transexuais.



PARECER N.º , DE 2007

Da Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa, sobre o Projeto de Lei da Câmara n.º 122, de 2006 (PL n.º 5.003, de 2001, na Casa de origem), que altera a Lei n.º 7.716, de 5 de janeiro de 1989, o Decreto-Lei n.º 2.848, de 7 de dezembro de 1940, e o Decreto-Lei 5.452, de 1.º de maio de 1943, para coibir a discriminação de gênero, sexo, orientação sexual e identidade de gênero.


Relatora: Senadora Fátima Cleide

I – RELATÓRIO

O Projeto de Lei da Câmara n.º 122, de 2006, do Senado Federal, é originário do Projeto de Lei n.º 5.003, de 2001, de autoria da ex-Deputada Federal Iara Bernardi, aprovado na Câmara dos Deputados em 23 de novembro de 2006.
A proposição tem por objeto a alteração da Lei n.º 7.716, de 5 de janeiro de 1989, cuja ementa proclama: “Define os crimes resultantes de preconceito de raça ou de cor.”
Embora a ementa se refira apenas a duas hipóteses de motivação discriminatória passíveis de tipificação penal, o artigo 1.º da mencionada Lei, com base na alteração efetuada pela Lei n.º 9.459, de 15 de maio de 1997, estabelece que “Serão punidos, na forma desta Lei, os crimes resultantes de discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional”.
O PLC n.º 122, de 2006, amplia novamente a abrangência dessa norma, acrescentando à ementa e ao artigo 1.º da Lei em vigor as motivações de “gênero, sexo, orientação sexual e identidade de gênero”.
Além das alterações propostas na ementa e no artigo 1.º, ampliando o objeto da proteção antidiscriminatória da Lei n.º 7.716, de 1989, o projeto em exame altera os demais artigos da referida Lei para que, em todos os tipos penais ali previstos, seja também considerada a motivação da discriminação ou preconceito de “gênero, sexo, orientação sexual e identidade de gênero”.
No artigo 4.º da Lei vigente, referente à discriminação no âmbito do trabalho, cuja redação tipifica como crime “Negar ou obstar emprego em empresa privada”, o PLC n.º 122, de 2006, acrescenta o artigo 4.ºA, que tipifica como conduta criminosa a de motivação preconceituosa que resulte em “Praticar, o empregador ou seu preposto, atos de dispensa direta ou indireta”.
O artigo 5.º passa a ter sua redação alterada, de “Recusar ou impedir acesso a estabelecimento comercial, negando-se a servir, atender ou receber cliente ou comprador”, para “Impedir, recusar ou proibir o ingresso ou a permanência em qualquer ambiente ou estabelecimento, público ou privado, aberto ao público”.
No artigo 6.º, voltado à discriminação no âmbito educacional, a alteração é a seguinte: o texto vigente – “Recusar, negar ou impedir a inscrição ou ingresso de aluno em estabelecimento de ensino público ou privado de qualquer grau” – é substituído por: “Recusar, negar, impedir, preterir, prejudicar, retardar ou excluir, em qualquer sistema de seleção educacional, recrutamento ou promoção funcional ou profissional”.
O artigo 7.º propõe substituir a redação vigente – “Impedir o acesso ou recusar hospedagem em hotel, pensão, estalagem ou qualquer estabelecimento similar” – por: “Sobretaxar, recusar, preterir ou impedir a hospedagem em hotéis, motéis, pensões ou similares”. Ademais, acrescenta um dispositivo referente às relações de locação e compra de imóveis, com o novo artigo 7.º-A proposto: “Sobretaxar, recusar, preterir ou impedir a locação, a compra, a aquisição, o arrendamento ou o empréstimo de bens móveis ou imóveis de qualquer finalidade”.
No artigo 8.º, a proposição sob análise não altera o texto vigente – “Impedir o acesso ou recusar atendimento em restaurantes, bares, confeitarias ou locais semelhantes abertos ao público”. Mas oferece dois novos artigos: O artigo 8.º-A – “Impedir ou restringir a expressão e a manifestação de afetividade em locais públicos ou privados abertos ao público, em virtude das características previstas no artigo 1.º desta Lei” –;
e o artigo 8.º-B – “Proibir a livre expressão e manifestação de afetividade do cidadão homossexual, bissexual ou transgênero, sendo estas expressões e manifestações permitidas aos demais cidadãos ou cidadãs”.
O PLC n.º 122, de 2006, amplia a redação do artigo 16 da Lei vigente – “perda do cargo ou função pública, para o servidor público, e a suspensão do funcionamento do estabelecimento particular por prazo não superior a três meses” –, acrescentando-lhe os seguintes termos: “inabilitação para contratos com órgãos da administração pública direta, indireta ou fundacional; proibição de acesso a créditos concedidos pelo poder público e suas instituições financeiras ou a programas de incentivo ao desenvolvimento por estes instituídos ou mantidos; vedação de isenções, remissões, anistias ou quaisquer benefícios de natureza tributária; e multa de até 10.000 (dez mil) UFIR, podendo ser multiplicada em até 10 (dez) vezes em caso de reincidência, levando-se em conta a capacidade financeira do infrator”.
A nova redação do artigo 16 ora proposta prevê ainda a destinação dos recursos provenientes das multas estabelecidas por esta Lei a campanhas educativas contra a discriminação.
Assim como, na hipótese de o ato ilícito ser praticado por contratado, concessionário ou permissionário da administração pública, além das responsabilidades individuais, acrescenta a pena de rescisão do instrumento contratual, do convênio ou da permissão, sendo que, em qualquer caso, o prazo de inabilitação será de 12 (doze) meses contados da data da aplicação da sanção. Ainda fica previsto neste artigo que “As informações cadastrais e as referências invocadas como justificadoras da discriminação serão sempre acessíveis a todos aqueles que se sujeitarem a processo seletivo, no que se refere à sua participação”.
No artigo 20 da Lei n.º 7.716, o projeto em exame propõe acréscimo no caput – “Praticar, induzir ou incitar a discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional” –, estendendo a proteção prevista contra a discriminação ou o preconceito de “gênero, sexo, orientação sexual e identidade de gênero”.
Ainda no artigo 20, o PLC n.º 122, de 2006, acrescenta-lhe o parágrafo 5.º, definindo “O disposto neste artigo envolve a prática de qualquer tipo de ação violenta, constrangedora, intimidatória ou vexatória, de ordem moral, ética, filosófica ou psicológica”.
Ademais, acrescenta dois novos artigos: o artigo 20-A, que prevê procedimento para a apuração dos atos discriminatórios a que se refere a presente norma; e o artigo 20-B, que dispõe sobre a interpretação dos dispositivos desta Lei no momento de sua aplicação.
As duas últimas proposições no PLC n.º 122 referem-se ao Código Penal e à CLT. Ao Código Penal, acrescenta à denominada “injúria racial” as motivações decorrentes de “gênero, sexo, orientação sexual e identidade de gênero, ou a condição de pessoa idosa ou portadora de deficiência”. Na Consolidação das Leis Trabalhistas - CLT, acrescenta ao seu artigo 5.º um parágrafo único com a seguinte redação: “Fica proibida a adoção de qualquer prática discriminatória e limitativa para efeito de acesso a relação de emprego ou sua manutenção, por motivo de sexo, orientação sexual e identidade de gênero, origem, raça, cor, estado civil, situação familiar ou idade, ressalvadas, neste caso, as hipóteses de proteção ao menor previstas no inciso XXXIII do caput do art. 7º da Constituição Federal”.
O projeto recebeu 6 emendas, apresentadas pelo então senador Wilson Matos, referentes à técnica legislativa do PLC 122, de 2006, buscando corrigir o que o autor considera inadequações dos meios propostos em relação ao fim a que se destinam.
Assim, considerado redundante em relação à legislação trabalhista já consolidada, a emenda n.º 1 sugere a supressão do art. 4.º do PLC 122, de 2006, que se refere à dispensa direta ou indireta, por motivação preconceituosa ou discriminatória, por parte do empregador ou seu preposto.
A emenda n.º 2, referente aos termos do art. 5.º do PLC 122, de 2006, suprime a expressão “recrutamento ou promoção funcional ou profissional” e reduz a pena ali estabelecida em “reclusão de 3 a 5 anos” para “reclusão de 1 a 3 anos”.
A emenda n.º 3 sugere a supressão do art. 6.º do projeto em análise, por considerar que suas disposições promovem interferência indevida no setor imobiliário em prejuízo do pretendido combate à discriminação.
A emenda n.º 5 indica a supressão do inciso VI do art. 8.º do PLC 122, de 2006 – que dispõe sobre a suspensão da atividade de uma empresa, por um período de até três meses, quando incorrer em crime resultante de preconceito.
A emenda n.º 6 indica a supressão das expressões “orientação sexual” e identidade de gênero”, nos termos estabelecidos nos arts. 2.º, 3.º, 8.º e 10 do PLC 122, de 2006 – por considerar tratarem-se de conceitos sem definição clara, em prejuízo da melhor compreensão do texto legal.
E, finalmente, a emenda n.º 4 sugere alteração de redação do art. 8.º-A, de modo a agrupar idéias semelhantes em um único artigo. A emenda também pretende corrigir, segundo o autor, inadequações do proposto em relação ao art. 5.º da Constituição federal, no que se refere à livre manifestação do pensamento, à liberdade de consciência e à inviolabilidade da intimidade, da honra, da imagem e da vida privada.

II – ANÁLISE

Dos direitos sexuais

O atual conceito de cidadania está intimamente ligado aos direitos à Liberdade e à Igualdade, bem como à idéia de que a organização do Estado e da sociedade deve representar o conjunto das forças sociais e se estruturar a partir da mobilização política dos cidadãos e cidadãs.
No entanto, quando surgiu, no século XVII, esse conceito não incluía pobres, mulheres e escravos. No século XVIII, a partir do desenvolvimento da indústria, difunde-se a percepção dos direitos à liberdade, à igualdade e à fraternidade entre homens que “nascem e permanecem livres e iguais em direitos”.
Por demanda de novos atores econômicos, protagonistas das lutas operárias e movimentos sociais diversos nos séculos XIX e XX, a cidadania se estende, então, aos trabalhadores, às mulheres, aos negros e aos analfabetos.
Com essa inclusão se constituem novas concepções, a partir das quais se definem os direitos civis, políticos e sociais. Após a Segunda Guerra Mundial, edita-se a Declaração Universal dos Direitos Humanos, afirmando direitos universais a bens econômicos, políticos, sociais, culturais e ambientais. E consagra-se o direito à vida como direito humano básico para além da integridade física, abrangendo a moral, a privacidade, a intimidade, a honra, a dignidade e a imagem.
Num primeiro momento, a percepção e regulamentação dos Direitos Humanos caracterizaram-se pela proteção genérica, baseada na Igualdade formal. Mais tarde, a percepção dos Direitos Humanos se estende às condições diferenciadas específicas do sujeito com suas peculiaridades e particularidades.
A partir de então, se reconhece o direito à Diferença ao lado do direito à Igualdade – condição que possibilita a instituição do Estado laico, fundado no princípio democrático e no princípio da diversidade.
No entanto, historicamente, o reconhecimento e a expansão de direitos não são o suficiente para assegurar o que a filósofa Hannah Arent define como “cidadania ativa” – que implica em sentimento de pertencimento, de identidade e de solidariedade entre os membros de uma comunidade, no cumprimento de normas jurídicas, no reconhecimento de novos sujeitos de direito e na construção de novas normas de convivência que respondam às novas demandas.
Nesse sentido, destaca-se o movimento social de mulheres, sobretudo na proposição de novos direitos e na desconstrução de legislações discriminadoras, que deu visibilidade e possibilitou o reconhecimento de direitos sexuais e reprodutivos – alguns já inscritos em legislações brasileiras.
Avanços importantes, referentes a direitos sexuais como direitos humanos, estão consagrados internacionalmente, desde os Planos de Ação das Conferências do Cairo (1994) e de Beijing (1995) à Declaração dos Direitos Sexuais1 (1997) e aos Princípios de Yogyakarta2 (2006) sobre a aplicação da legislação internacional de direitos humanos em relação à orientação sexual e identidade de gênero.
O conjunto da legislação firmada em âmbito internacional considera que a sexualidade integra a personalidade de todo ser humano, relaciona-se a necessidades humanas básicas e desenvolve interação entre os indivíduos e as estruturas sociais.
Os direitos sexuais são, pois, direitos humanos universais baseados na Liberdade, Dignidade e Igualdade. Referem-se à necessidade e às possibilidades de os indivíduos expressarem seu potencial sexual com segurança e privacidade, tomarem decisões autônomas sobre sua própria prática sexual e fazerem escolhas reprodutivas livres e responsáveis. Referem-se também à informação científica, à educação compreensiva, à saúde e ao prazer sexual como fonte de bem-estar físico, psicológico, intelectual e espiritual.
As conquistas legislativas no campo dos direitos sexuais acompanham as notáveis transformações socioculturais que se realizam nos últimos 50 anos.
Segundo a médica, psicanalista e mestre em Antropologia Elizabeth Zambramo, a regulação do sexo e da sexualidade em nossa sociedade vem sendo feita, predominantemente, por algumas instituições como a Igreja, o Judiciário e a Medicina.
Historicamente, essas instituições têm limitado a diversidade sexual à existência de apenas dois sexos: o homem e a mulher; dois gêneros: o masculino e o feminino; e a uma única forma considerada “correta” de eles se relacionarem: a heterossexualidade. De modo que, o que escapa ao “padrão de normalidade” assim instituído é tratado como pecado, como crime ou como doença, conforme a instituição reguladora acionada.
Assim, novas legalidades reclamadas pelos movimentos sociais de mulheres e de LGBT (lésbicas, gays, bissexuais e transgêneros) se justificam na insuficiência da prescrição social da heterossexualidade e da classificação tradicional do sexo e do gênero para assegurar direitos universais.
Por outro lado, ainda é significativa a resistência contra a conformação dos direitos sexuais. No Brasil, os direitos sexuais ainda estão em grande parte restritos ao campo da reprodução, o que retarda o reconhecimento de direitos relativos à diversidade de orientações sexuais e identidades de gênero.
Da discriminação homofóbica
A homofobia é a principal causa da discriminação e da violência que se pratica contra homossexuais e transgêneros. O trato com essa discriminação consagrou o termo “homofobia”, para significar a intolerância e o desprezo por quem demonstre preferências e identidades diferentes da heterossexual – que se realiza como aversão, ódio, medo, preconceito ou discriminação contra homens e mulheres homossexuais, lésbicas, gays, bissexuais, transgêneros e transexuais.
O Programa Conjunto das Nações Unidas sobre HIV/Aids – UNAIDS, registra que em muitos países a discriminação por orientação sexual é maior que a discriminação por HIV/Aids – o que propicia sérias violações e omissões de direitos, como a invasão de privacidade e a desigualdade de acesso à educação e ao trabalho.
A UNAIDS informa que, no México, foram assassinados 213 homossexuais, entre 1995 e 2000; no Chile, foram 46, em 2004, e 58, em 2005; na Argentina, 50 vítimas, de 1989 a 2004; no Brasil, dados recentes dão conta de 2.403 homossexuais assassinados nos últimos 20 anos – constituindo a média de um homicídio a cada dois dias – sendo 69% de gays, 29% de transexuais e 2% de lésbicas.
A homofobia pode também ser velada, como nos casos de discriminação na seleção de candidatos a emprego ou a locação de imóvel, ou na escolha de um profissional autônomo (médico, dentista, professor, advogado).
Pesquisa realizada por órgão da ONU no México constatou que, enquanto a maioria da população não reconhece os homossexuais como grupo violado em seus direitos fundamentais e específicos, 40% dos homossexuais se declaram vitimados por algum tipo de discriminação homofóbica.
Nesse sentido, as altas taxas de evasão escolar e a baixa escolaridade registradas no meio LGBT se explicam, em grande parte, pelo grau de rejeição que vitima essas pessoas no ambiente escolar.
A pesquisa “Juventude e Sexualidade”, realizada pela UNESCO, no ano 2000, com 16.422 alunos e alunas de 241 escolas brasileiras, revelou que 27% dos alunos e alunas não gostariam de ter homossexuais como colegas de classe; 35% dos pais e mães de alunos e alunas não gostariam que seus filhos e filhas tivessem homossexuais como colegas de classe; e 15% dos alunos e alunas consideravam a homossexualidade como doença.
O ministro Marco Aurélio Melo, presidente do Tribunal Superior Eleitoral, assim descreve a conjuntura resultante da homofobia (no artigo “A Igualdade é colorida”, publicado pelo jornal Folha de São Paulo, em 19 de agosto de 2007):
“São milhões de cidadãos considerados de segunda categoria: pagam impostos, votam, sujeitam-se a normas legais, mas, ainda assim, são vítimas de preconceitos, discriminações, chacotas.
Em se tratando de homofobia, o Brasil ocupa o primeiro lugar, com mais de cem homicídios anuais, cujas vítimas foram trucidadas apenas por serem homossexuais.
Números tão significativos acabam ignorados, porque a sociedade brasileira não reconhece as relações homoafetivas como geradoras de direito.”
No âmbito da legislação ordinária, os movimentos sociais apontam pelo menos 37 direitos civis, entre os consagrados a heterossexuais, que são negados a cidadãos e cidadãs LGBT.

Da evolução legislativa

A reivindicação pela garantia de liberdades individuais e pela inclusão da não-discriminação por orientação sexual nas normas vigentes marca uma fase importante no surgimento de homossexuais e transgêneros como sujeitos de expressão própria, de direitos universais e diferenciados. Nesse processo, consagra-se a expressão “orientação sexual”, para referir simultaneamente o desejo e a publicização da diferença, de modo a desconstruir as referências de crime, pecado e doença”.
Assim, ocorrem importantes avanços no reconhecimento de direitos sexuais, em detrimento dos padrões conservadores, sobretudo a partir dos anos 1990.
Conforme Sílvia Ramos, especialista do Centro de Estudos de Segurança e Cidadania da Universidade Cândido Mendes, é possível identificar esses avanços em quatro campos distintos:
i – As muitas iniciativas legislativas, de justiça e da extensão de direitos, nas grandes cidades e municípios médios, principalmente na criminalização do preconceito homofóbico e na garantia de direitos de pensão e outros benefícios previdenciários a cônjuges homossexuais. No Legislativo Federal, destaca-se emblematicamente a proposta de Parceria Civil Registrada, apresentada em 1996, pela então deputada Marta Suplicy; e a criação, em outubro de 2003, da Frente Parlamentar Mista pela Livre Expressão Sexual (que, a partir de 2007, chama-se Frente Parlamentar pela Cidadania GLBT e conta com 216 membros). A criação dessa frente institucionaliza os direitos sexuais como temática relevante no Congresso Nacional e altera a correlação de forças em disputa na conformação desses direitos.
ii – Cresce o número de bares, boates, revistas, livrarias, editoras, festivais de cinema e grifes, inúmeros sites na internet associados ao público LGBT, entre muitos outros produtos voltados ao consumo específico desse público. Além do que, cada região desenvolveu um tipo, misto e original, de militância da homossexualidade.
iii – A criação de novas entidades em defesa dos interesses LBGT. Em julho de 2004 eram cerca de 140 entidades filiadas à Associação Brasileira de Gays, Lésbicas, Bissexuais e Transgêneros – ABGLT. Hoje são 203 organizações não-governamentais de todas as regiões brasileiras, além de tantas outras articuladas em redes menores.
iv – Finalmente, a adoção das estratégias de visibilidade massiva e o surgimento das paradas do orgulho LBGT, que têm produzido eventos de crescimento vertiginoso, ano a ano. Em 2004, estima-se que as paradas tenham mobilizado diretamente mais de quatro milhões de pessoas nas 42 cidades onde se realizaram. Até o fim de 2007, estão programadas 180 paradas em todo o País. As já realizadas neste ano contaram com número de participantes expressivamente maior que nas anteriores, com irrecusável efeito sobre os mercados locais (principalmente de hotelaria, transporte, alimentação e lazer) e sua equivalente arrecadação aos cofres públicos. Nas grandes cidades brasileiras, as anuais paradas do orgulho LGBT se firmam como importante (quando não o mais importante) evento no calendário turístico local. A parada da cidadania LGBT que se realiza na cidade de São Paulo já é a maior do mundo e um dos eventos que geram maior arrecadação ao município.
No campo das políticas públicas, a primeira experiência data de 1999, com a implementação do “Disque Defesa Homossexual” (DDH), criado na Secretaria de Segurança do Rio de Janeiro. E a mais recente, de iniciativa do Governo Federal em parceria com a sociedade civil organizada: o “Brasil sem Homofobia”, instituído em 2004, como amplo programa de combate à violência e à discriminação contra LGBT e de promoção da cidadania homossexual.
Nos últimos anos, também no âmbito sociocultural registram-se mudanças significativas no trato com direitos sexuais e com a discriminação homofóbica.
Conforme observa o ministro Marco Aurélio Melo3, “(...) alguns tabus foram por água abaixo,” (...) “hoje em dia é politicamente incorreto defender qualquer causa que se mostre preconceituosa. Se a discriminação racial e de gênero são crimes, por que não a homofobia?”

Da Relatoria

Apresentado na Câmara dos Deputados por demanda do movimento social organizado no combate à discriminação homofóbica, o PLC 122, de 2006, tem sido alvo, também no Senado, de intensa mobilização e rico debate, onde se destacam representações de LGBT e de religiosos cristãos evangélicos.
Fiel aos preceitos democráticos republicanos, esta Relatoria acatou as solicitações de ampliação do prazo para aprofundamento da discussão sobre os dispositivos propostos no projeto em exame, de modo a contemplar os diferentes interesses que se apresentaram nesta construção legislativa.
Com esta motivação, constituiu-se um grupo de trabalho com membros desta Comissão de Direitos Humanos e alguns deputados federais, representantes de órgãos do Executivo e do Ministério Público, membros de organizações sociais e religiosas, além de cidadãos e cidadãs que voluntariamente se apresentaram com este fim e ofereceram diferentes opiniões quanto ao projeto em exame.
Esgotada a fase informal desses diálogos, realizou-se audiência pública, em 23 de maio de 2007. Com expressiva participação de grupos sociais interessados no debate, durante mais de quatro horas a sala de reuniões da CDH do Senado se manteve completamente lotada por cidadãos e cidadãs legitimamente interessados na exposição feita pelos seguintes convidados: Lívia Nascimento Tinôco – Procuradora da República; Jean Wyllys de Matos Santos – Professor Universitário; Paulo Fernando Melo da Costa – Advogado; Ivair Augusto dos Santos – Secretário Executivo do Conselho Nacional de Combate à Discriminação; Paulo Leão – Presidente da Associação Católica de Juristas do Rio de Janeiro; Reverendo Guilhermino Cunha – Membro da Academia Evangélica de Letras do Brasil; Evandro Piza – Mestre em Direito Penal; e a cineasta Tizuka Yamazak.

Do projeto

No período de discussão nesta Comissão, o questionamento mais freqüente ao PLC 122, de 2006, apontou possíveis conflitos na aplicação das garantias constitucionais à liberdade de expressão e à liberdade religiosa.
Alguns juristas também indicaram ressalvas quanto à técnica de redação legislativa do projeto, no tocante à definição de sujeitos passivos nos tipos penais e das condutas delituosas, além da proporcionalidade das penas e sua conformidade com as regras gerais do Código Penal e da Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT).
No entanto, entendendo que cabe a esta Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa restringir-se à análise do mérito da proposição, importa aqui reconhecer que o projeto se referencia na Dignidade Humana e no Pluralismo Político, como conceitos básicos, e em dois princípios que lhes são elementares: a Liberdade e a Igualdade. Entendendo que a Igualdade não implica em negação de diferenças, mas pressupõe a garantia da não-discriminação; assim como a Dignidade Humana e o Pluralismo Político, como princípios fundamentais da República, obrigam o Estado a coibir a discriminação e a garantir tolerância, civilidade e imparcialidade de tratamento. Nesse contexto, o projeto propõe uma regulação de convivência que contempla duas máximas milenares: a liberdade de arbítrio e o respeito ao próximo.
Objetivamente, sem fazer opção pelo comportamento homossexual ou sua apologia, o PLC 122, de 2006, propõe meios legais para desestimular e coibir penalmente situações em que a opinião privada de alguns gera prejuízos aos direitos de outros.
Assim, todas as condutas definidas criminalmente no projeto em análise referenciam comportamentos que arbitrariamente recusam, a indivíduos LGBT, direitos que são conferidos a outros indivíduos em igualdade de condições.
Por outro lado, o projeto não criminaliza a crença pessoal desfavorável à homossexualidade, mas ações que conduzam à imposição dessa crença a outros indivíduos, de modo a suprimir a liberdade de uns pelo arbítrio de outros.
Desse modo, em consonância com a Constituição da República, as normas propostas pelo PLC 122, de 2006, buscam proteger a vida, não apenas em seu sentido biológico, mas nas relações sociais indispensáveis ao seu desenvolvimento.
Quanto ao mérito específico de cada qual dos dispositivos propostos, cabe ressaltar que todas as condutas descritas no PLC 122, de 2006, se referem a comportamentos dolosos – ou seja, com a intenção explícita de vitimar o outro, motivada por preconceito contra indivíduos ou grupos.
Assim, por exemplo, no disposto quanto à criminalização da despedida motivada por preconceito, a norma busca coibir penalmente casos em que o empregador se valha de seu preconceito para eliminar o direito ao trabalho de determinados indivíduos, sem, contudo, privilegiar a vítima do preconceito com a estabilidade incondicional no emprego.
O PL também confere tratamento diferenciado a funcionários públicos, quando incorrem em crime no exercício da função pública – como já é praxe em outros tipos penais do ordenamento jurídico em vigor –, posto que os funcionários públicos respondem adicionalmente pelo bem jurídico fundamental que é a Moralidade Pública, na função que exercem.
Este critério é igualmente válido aos que exerçam serviços públicos por concessão, permissão ou delegação do Poder Público – conforme os princípios constitucionais da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência da Administração Pública.
Igualmente se configura o mérito dos dispositivos prescritos no PLC 122, de 2006, que alcançam a pessoa jurídica, na justa medida de sua responsabilidade na multiplicação de condutas lesivas à sociedade.
Portanto, esta Relatoria entende que o projeto, além do pleno mérito no combate à homofobia e na garantia de cidadania a grupos drástica e continuamente violados em seus direitos, não criminaliza a liberdade de consciência e de crença – pela simples razão de que a norma proibitiva incide sobre a conduta dolosa precisamente definida em lei, não sobre o pensamento.
Ademais, as condutas criminalizadas no PL não tratam da esfera da consciência, mas da esfera da convivência, definindo apenas comportamentos que impliquem em lesão a direito alheio.
E, considerando que não há liberdade absoluta e que o exercício da liberdade tem como limite o campo dos legítimos direitos dos demais cidadãos e cidadãs, o PLC 122, de 2006, tem o mérito de impedir que a liberdade de crença e de expressão sirva de pretexto a ações atentatórias contra a Dignidade Humana, coibindo penalmente, quando ilícita e excessiva, a utilização de espaço social para excluir ou desmerecer outros indivíduos ou grupos.

III – CONCLUSÃO

A vida humana com Dignidade pressupõe Respeito. E a supressão biológica da vida, embora seja o mais grave, não é o único ato de desrespeito possível. Há muitas formas e meios de promover a morte social, sendo a discriminação a principal entre elas. Daí o mérito dos instrumentos para coibi-la e sua relevância num sistema jurídico referenciado nos Direitos Humanos e nas Liberdades Públicas.
Esta Relatoria entende que o PLC 122, de 2006, tem pleno mérito na adequada definição de sujeitos e condutas criminosas, em face da inegável necessidade de recursos penais para coibir a discriminação homofóbica no território nacional e em função de garantir a universalidade do direito à Igualdade e à Diversidade entre os cidadãos e cidadãs.
Quanto ao conjunto das emendas oferecidas, não obstante a relevância de seus objetivos no sentido do aprimoramento da técnica legislativa do PLC 122, de 2006, esta Relatoria manifesta-se pela rejeição da totalidade das propostas, no âmbito desta Comissão, considerando que extrapolam a discussão de mérito que aqui se realiza.
Portanto, o Parecer desta Relatoria é pela aprovação do Projeto de Lei 122, de 2006, no âmbito desta Comissão de Direitos Humanos.

Sala da Comissão,

Presidente

Relatora

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