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Política - Nacional

Fortuna de R$ 2,3 bilhões encalhada sob tutela do Judiciário



Renata Mariz
Correio Braziliense


Os R$ 180 mil, os cinco celulares e o Toyota Corolla apreendidos com Nem, chefe do tráfico de drogas na favela da Rocinha, preso na semana passada no Rio de Janeiro, somaram-se a uma montanha de bens do crime bloqueados pela Justiça. Como estão hoje, espalhados por depósitos pelos quatro cantos do país, podem parecer um desafio menor de gestão. Mas imagine 68 aeronaves, 1.346 embarcações, 4.103.150 computadores, 108.589 animais, 32.319 pedras preciosas, 2.628.073 equipamentos eletrônicos, entre milhares de outros objetos, todos juntos, lado a lado. Os 35.973 carros — que cobririam o percurso Brasília-Anápolis se enfileirados, considerando um comprimento médio de 4m por veículo — dão uma boa ideia da dimensão do problema que se tornou administrar os objetos bloqueados de criminosos. O patrimônio, que hoje soma R$ 2,3 bilhões, valor recorde no Brasil, mofa dentro de almoxarifados ou pátios de delegacias. A conta não tardará a chegar, preveem especialistas.

“O prejuízo é certo. Se o réu for condenado, ao fim do processo, o bem já estará tão depreciado que não valerá mais nada, ou seja, não retornará à sociedade como deveria. Mas pior ainda é se o acusado for absolvido, porque a União terá de devolver o objeto apreendido em perfeitas condições ou o valor monetário corrigido”, explica o juiz Júlio César Ferreira, do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que administra um cadastro nacional com os bens de criminosos bloqueados. Ele destaca um apego excessivo à literalidade do Código de Processo Penal, que não admite a alienação antecipada de bens bloqueados até que o processo termine definitivamente, como um dos maiores entraves do problema. “Por isso, o CNJ conscientiza os juízes de que eles podem fazer a venda, desde que depositem o dinheiro em juízo”, diz.

Um projeto de lei aprovado, no mês passado, pela Câmara dos Deputados sobre lavagem de dinheiro facilita a alienação antecipada dos bens de criminosos, estendendo o tratamento já previsto em norma específica para traficantes de drogas. Mas, como houve alterações, a proposta voltará ao Senado. Enquanto isso, o índice do patrimônio que já foi alvo da venda anterior ao fim do processo não chega a 0,25% do total apreendido pela Justiça. Em valores monetários, só R$ 5,3 milhões foram alienados antecipadamente. Pouco mais de R$ 43 milhões (1,85%) acabaram repassados em favor da União e dos estados, R$ 103 milhões (4,43%) voltaram para os donos e R$ 3,4 milhões tiveram como fim a destruição — principalmente armas e produtos piratas. O maior volume, entretanto, continua sem destinação: 93,3%, ou R$ 2,1 bilhões.
 

Até cemitério

Parte desse patrimônio parado, segundo o juiz federal Jorge Gustavo Serra de Macedo, é de difícil venda ou mesmo repasse a órgãos públicos para utilização. “Aeronaves caras, por exemplo, nem a polícia quer. A manutenção de um jato custa muito, ninguém pode bancar”, diz o magistrado. A dificuldade na apreensão de determinados bens já rendeu a Macedo a alcunha de “juiz do cemitério”. Em 2004, durante uma investigação de lavagem de dinheiro, ele teve de apreender uma empresa que administrava o cemitério de Governador Valadares e, por um tempo, não teve outra saída. Restou cuidar dos negócios até nomear uma pessoa da própria cidade, um líder comunitário, que gerenciasse os enterros. “Bloquear empresa é sempre complicado, porque, apesar de servir a interesses escusos, ela desempenha uma atividade, tem as relações trabalhistas e contratuais”, afirma Macedo.

Segundo ele, é preciso que os juízes se utilizem mais da tutela antecipada. “Mas tal mecanismo nem sempre pode ser usado de maneira pacífica, uma vez que não está previsto na legislação penal. Embora haja uma tendência, referendada pela própria recomendação do CNJ, a ideia da venda dos bens antes do término do processo ainda é recente, vem de dois anos para cá. A defesa sempre pode contestar uma decisão judicial nesse sentido”, destaca Macedo. Para o juiz Júlio César, do CNJ, a medida é vantajosa para ambas as partes. “O acusado deixa de correr o risco de, uma vez absolvido, ter de processar a União para receber o bem apreendido. Ele fica com a garantia do dinheiro depositado, vinculado àquele processo, com todos os juros e correções monetárias”, argumenta. Muitas vezes, porém, as ações contra uma alienação antecipada, por parte da defesa, não passam de artimanhas para tumultuar o processo.


O prejuízo é certo. Se o réu for condenado, ao fim do processo, o bem já estará tão depreciado que não valerá mais nada. (…) Mas pior ainda é se o acusado for absolvido, porque a União terá de devolver o objeto apreendido em perfeitas condições ou o valor monetário corrigido"

Júlio César Ferreira, juiz do Conselho Nacional de Justiça


Embora haja uma tendência, referendada pela própria recomendação do CNJ, a ideia da venda dos bens antes do término do processo ainda é recente, vem de dois anos para cá. A defesa sempre pode contestar uma decisão judicial nesse sentido"

Jorge Gustavo Serra de Macedo, juiz federal



Exceção

Com relação aos bens relacionados ao tráfico de drogas, a Lei nº11.343, de 2006, prevê a alienação antecipada, tornando indiscutíveis as decisões judiciais nesse sentido. Em relação aos outros tipos de crime, a legislação brasileira estabelece que só pode haver a venda depois do trânsito em julgado — ou seja, quando não cabem mais recursos, o que no Brasil pode levar décadas. O Judiciário comercializa esses bens por meio de leilões.
 

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