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Eleições 2018

O Inimigo - Por Victor Figueirôa


Quando alguém, classe ou grupo específico de pessoas tornam-se um inimigo, nos distanciamos o máximo possível, tanto para proteção própria quanto por aversão a tudo o que representam. O indivíduo ou o coletivo, junto com sua comunidade de valores, cultura e características perdem sua condição humana, qualquer método justifica-se para combater tais nêmesis. A violência não causa impacto ou aversão, instala-se uma sociopatia seletiva onde a violência torna-se solução.

No Brasil de hoje, os autodenominados cidadãos de bem e defensores dos valores atribuídos a tradicional família brasileira, julgam eles próprios e os seus como os detentores da verdade e do lado do “bem”. Do outro lado, como o inimigo a ser combatido, estão aqueles que não se encaixam em seus conjuntos de valores, pois é deles a culpa, não apenas da recessão econômica, mas da degeneração da moral e dos valores e bons costumes da sociedade dos cidadãos de bem, em sua maioria de direita. Ocorre então um cisma que a razão pouca chance tem de transpor. Esse fenômeno não é unilateral, pois a esquerda por sua vez reage transformando o outro lado em igual inimigo. Talvez com mais fundamento, afinal, grande parte das ideias propagandas vêm ganhando requintes fascistas. O erro, no entanto, é colocar toda a direita no mesmo balaio, ou combater o discurso de ódio com mais ódio, sarcasmo e ironia. Fica impossível o diálogo ou o debate, logo, a própria democracia por natureza incompatível com a noção de inimigos em polos opostos digladiando-se, mas sim com a de cidadãos e seus representantes políticos argumentando.

Depois de três mandatos consecutivos do mesmo partido e consequentemente da esquerda, no quarto período a presidente eleita democraticamente sofre impeachment por uma clara orquestração de diferentes forças políticas majoritariamente de direita. Tais forças tendo origem talvez no descontentamento sem foco da população em 2013, e ganhando tração com a crescente recessão econômica que mesmo sendo retardada por manobras fiscais e políticas financeiras, tardou mais chegou. O ápice foram as eleições de 2014 e o descontentamento com a copa, bem como os protestos e questionamentos da idoneidade do resultado das eleições, assim começou a criar-se o inimigo.  

Os “petralhas” e sua parva corja envolvidos em mensalões, lava jatos e pedaladas fiscais eram os responsáveis pela crise brasileira. Claro, afinal estavam no poder nos anos que levaram à crise e nos subsequentes, logo eles eram os culpados, mais precisamente os únicos culpados, carregando toda a responsabilidade pela corrupção e crise de representatividade na democracia brasileira.

Avançando para às vésperas da eleição, temos uma dicotomia clara. De um lado os inimigos "petralhas" e esquerdistas (sim, porque o ódio irracional estende-se não apenas ao partido no poder, mas a toda a multidão ideológica e partidária da esquerda) e do outro os supostos cidadãos de bem. Nesse cenário, Jair Bolsonaro, um candidato explicitamente de extrema direita desponta como favorito nas pesquisas de intenção de voto para presidente. A pergunta na cabeça e na boca de muitos opositores a ele é simples, como um candidato que flerta com o fascismo e prega o ódio constantemente tem tanta força? Afinal, nunca antes teve tal apoio ou força política por justamente expressar e promover abertamente pensamentos e ideias extremistas.

Devido ao descontentamento e revolta com a classe política, resumida ao inimigo da esquerda, a população busca o mais antagônico possível, flertando com as ideias fascistas propagadas por partidos de extrema direita e o já citado candidato. Se não buscando tais ideias diretamente, justificando-as como sendo o único meio de combater o inimigo. “Os fins justificam os meios” cai como uma luva para justificar o voto da grande maioria dos brasileiros. Seja em um candidato que alimenta um fetichismo fascistas ou em outros que sustentam o status quo do sistema político brasileiro. Por sinal, Bolsonaro faz parte a 30 anos deste sistema, e pouquíssimo fez para mudá-lo, mas devido ao tal inimigo, ele surge como uma força não só oposta como de fora do sistema, caracterizando uma certa esquizofrenia por parte de seus eleitores.

O movimento "#elenão" teve, segundo as pesquisas mais recentes efeito contrário ao pretendido, aumentando a intenção de voto ao candidato pelo qual o movimento surgiu para protestar contra. Isso deve-se tanto por fakenews e sensacionalismos (estes, em principal o primeiro, têm protagonismo em toda a campanha na criação do inimigo) criados a partir destas manifestações, e também por mais pessoas não se reconhecerem nos protestantes e se enquadrarem a categoria de “cidadão de bem”.  

O outro fenômeno que justifica o flerte com o fascismo, é menos social e mais individual. Um candidato que abertamente se posiciona como preconceituoso, machista, homofóbico, racista e outras características deletérias sem medo, na verdade com orgulho, atrai pessoas que por anos reprimem em si mesmos tais pensamentos. Nessa questão mais individual, também entra figura do inimigo. Se uma figura pública professa tais impropérios e não somente sai ileso mas ganha apoio e é idolatrado como “mito”, alguém que a tempos tem as mesmas convicções podadas e reprimidas por uma sociedade cada vez mais consciente (as vezes, vale salientar, um tanto sensível demais), encontra respaldo e palco para também fazer o mesmo. Devido ao discurso agressivo e pelo ódio geral aos responsáveis por tudo que há de ruim no Brasil, quem não concorda com tais posicionamentos assume a carapuça do inimigo e merece ser alvo das piores consequências.

Assim como o inimigo foi criado, o “mito” de um salvador da nação capaz de afastar todo o mal foi personificado em Bolsonaro. É fácil constatar isso, os seguidores desse “mito” apoiam-no cegamente, ignorando atitudes e posicionamentos que se qualquer outro candidato tivesse seriam responsáveis pelo fim não apenas da campanha à presidência como da carreira política. 

Em resumo, um inimigo foi criado e assim como em incontáveis vezes na história da humanidade, medidas extremas para solucionar de vez o problema dos inimigos, tornam-se não apenas plausíveis e escusáveis, mas necessárias e imperativas para a nação avançar mais unida, sem aqueles que a retardam. E não existe razão ou argumento que consiga desmistificar tanto o inimigo como o salvador, pois na guerra, onde o inimigo espreita, pouco espaço existe para algo como o pensamento crítico e a racionalidade, é matar ou morrer.

Por Victor Figueirôa
Graduado em Direito pela Universidade Católica de Pernambuco (2013). Desenvolveu pesquisas em direito internacional público, direito à diversidade, macrobioética, cultura de paz e direito à cidade. Mestrando em engenharia urbana  pela Universidade Federal de São Carlos, com foco em urbanismo e cidades inteligentes. Pesquisa o direito à cidade em específico governança e governabilidade do ambiente urbano.

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