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Entrevista com o juiz federal, Dimis da Costa Braga, membro fundador da ARL - Continuação


Entrevista com o juiz federal, Dimis da Costa Braga, membro fundador da ARL - Continuação - Gente de Opinião

5. ARL − Como surgiu a vontade de seguir a carreira da magistratura? Como ocorreu essa preparação? Quais as virtudes que você destaca num juiz? Um juiz consegue ser isento, imparcial?

Dimis Braga – Essa resposta merece um pouco de história. Ao concluir o ensino médio numa escola de bairro, fraquíssima, amarguei um primeiro fracasso no vestibular para Economia (1985) e sequer tentei no ano seguinte (1986), pois só havia a Universidade Federal e eu tinha que trabalhar duro como servente de pedreiro e auxiliar de perfuração de poços semiartesianos, estudando por conta própria, nas horas vagas, longe dos bancos escolares. Estava sobre a carroceria de um caminhão, indo perfurar mais um poço, quando comprei o jornal e lá estava meu nome, aprovado em concurso público Estado (SEFAZ-AM). Então pude pagar um preparatório e passei no vestibular para Direito em 1987. Estudante, passava em frente à Justiça Federal todos os dias – é ao lado da SEFAZ –, e admirando as escadarias sóbrias e o prédio elegante, sonhava em ser Juiz ali. Então, desde o começo do curso sabia o que queria, mas jamais disse a ninguém, e pela minha simplicidade, poucos achavam que eu passaria.

Existem dois tipos de preparação para ser juiz. A primeira é o estudo necessário para passar no concurso, a outra é mais importante, é o amadurecimento das qualidades necessárias para julgar. São conquistas da prática do estudo diário, do trabalho, cursos de pós-graduação e de aperfeiçoamento, aquisição de cultura e observação do ser humano. Fui logo aprovado no 1º concurso para servidor da Justiça Federal e, pouco depois de um ano de experiência como advogado, tomei posse e já tinha um cargo de nível superior, assessorando juízes, então a Justiça Federal foi minha escola, e já tendo sido advogado, desde quando fui servidor, tinha muito respeito por essa profissão. Cinco anos depois, fui Promotor de Justiça, então pude estar em todas as posições do balcão e da sala de audiências – quando assumi o cargo de Juiz já era bastante experiente, embora jovem.

Mas a preparação técnica não se esgota na aprovação e posse como juiz, cujo exercício exige habilidades muito mais complexas do que para a aprovação. Um juiz deve ser empático, capaz de ouvir as partes e garantir o equilíbrio de oportunidades na produção das provas e julgar com equidade. Buscar continuamente o conhecimento, o que se torna cada vez mais difícil na sociedade da estupidez e da ignorância, da polarização e das fake news. Em vez da era do conhecimento, a internet e a pós-modernidade nos trouxeram a pós-verdade, o excesso e a superficialidade da informação, em que a máxima cartesiana: penso, logo existo foi substituída por “se me é útil, acredito”.

Seria interessante, além do estudo, que o juiz vivesse, ou conhecesse profundamente antes de ser um julgador, algumas das mazelas que lhe chegam para julgar. Eu tive essa vivência, aos 9 anos trabalhava muito em casa e no pequeno comércio do meu pai: sem contar com minha mãe, varria a casa, a taberna e as calçadas, passava panos no chão, nos móveis, fazia comida e atendia aos fregueses; aos 13, além do comércio, revendia confecções vindas do Ceará; a partir dos 14 fui servente de pedreiro, auxiliar de técnico eletrônico, de marcenaria, de oficina mecânica de carros, vendedor de loja de confecções; entre os 16 e 19 além de servente de pedreiro, fui garçom, vendedor de bingos de automóveis, títulos de capitalização e outros, até me tornar servidor público, aprovado em concurso com apenas 19 anos.

Apesar de tudo isso, cursei quatro especializações, mestrado e doutorado em Direito, participei de dezenas de cursos de aperfeiçoamento e eventos de qualificação. Se a última esperança é a Justiça, precisamos fazer o máximo para dar-lhe credibilidade, pois o juiz pode até negar a pretensão, mas a decisão deve ser fundamentada.

Situações há que demandam ir além de esperar sentado no gabinete. No ano 2000, em Santarém, fui colher o depoimento de um ex-seringueiro acamado, imprescindível para garantir a pensão de soldado da borracha ao autor da ação. Dez anos depois, situação semelhante ocorreria em Manaus e mais recentemente, em Porto Velho. Antônio Serpa do Amaral, servidor da Justiça Federal, registrou duas inspeções realizadas na Estrada de Ferro Madeira-Mamoré e peças de seu acervo, por ocasião da enchente do Rio Madeira de 2014. A visita era necessária para o julgamento de causa ajuizada pela OAB.

A imparcialidade do juiz diz respeito a garantir às partes a equidade de tratamento e o equilíbrio na produção das provas, pois só assim a sentença será expressão do melhor Direito. Quando o juiz decide, após colher as provas, ele não se torna parcial, apenas entrega o direito a quem tem.

Quem melhor sacramentou e sintetizou entre nós o ideal de igualdade foi Rui Barbosa: (...) “A regra da igualdade não consiste senão em aquinhoar desigualmente aos desiguais, na medida em que se desigualam. Nesta desigualdade social, proporcionada à desigualdade natural, é que se acha a verdadeira lei da igualdade. O mais são desvarios da inveja, do orgulho ou da loucura. Tratar com desigualdade a iguais, ou a desiguais com igualdade, seria desigualdade flagrante, e não igualdade real.” (Oração aos Moços)

6. ARL - Um dos grandes nomes da literatura brasileira, Fernando Sabino, escreveu a seguinte frase: “Para os pobres é dura lex, sed lex. A lei é dura, mas é a lei. Para os ricos, é dura lex, sed latex. A lei é dura, mas estica”. Hoje a imprensa propaga que quem tem dinheiro e pode pagar bons advogados, desconhece a dureza da lei. Favor comentar!

Dimis Braga – A irracionalidade do sistema penal brasileiro não advém só do Judiciário, mas da desigualdade que permeia a sociedade, influenciando o Direito que é fruto e semente dela, refletindo na lei. Essa, prevê infinitos recursos, tanto no âmbito penal quanto civil, nem sempre usados por quem não dispõe de recursos financeiros, mas explorados até o último pelos que os possuem. Nada mais injusto do que um criminoso ficar impune pelo decurso do prazo da prescrição; assim como, no plano inverso da injustiça, o inocentemente acusado ter que conviver com a extinção do processo pela prescrição, sem obter a declaração de sua inocência.

7. ARL - É sabido que você tem pelo menos um livro no prelo. Quando irá publicá-lo?

Dimis Braga- Trata-se de um livro jurídico, sobre energia e Direito Ambiental. O boneco dele está em minhas mãos há anos, mas diante de uma mudança na lei, suspendi a publicação até fazer revisões, para o que, diante de desafios pessoais, profissionais e acadêmicos, ainda não pude dedicar o tempo necessário. Mas vou publicá-lo este ano, já renovei os contatos com a editora.

Continua na próxima semana…

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