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Opinião

É positiva a divulgação pela AMB da lista de candidatos com 'ficha suja'?




SIM

Mais transparência pelo voto consciente

MOZART VALADARES PIRES

A AMB (Associação dos Magistrados Brasileiros) tornou público por meio de sua página na internet (www.amb.com.br) os nomes dos candidatos que concorrem às eleições municipais e que estão sendo processados por condutas criminais lesivas à administração pública e/ou atos de improbidade administrativa. A denominação "lista suja", largamente utilizada pelos meios de comunicação, jamais foi utilizada pela entidade, que pautou sua iniciativa com o cuidado de não emitir juízo de valor sobre as informações colhidas, deixando exclusivamente para o eleitor esse julgamento.

Duas questões se colocam: como foram obtidas as informações e qual a finalidade da divulgação?

A AMB compilou informações existentes em bancos de dados públicos dos diversos tribunais brasileiros.

A metodologia utilizada foi bastante criteriosa, incluindo na lista as ações penais e/ou de improbidade administrativa propostas pelo Ministério Público. Ficaram de fora ações propostas por particulares, na esfera privada, e os casos que ainda estão na fase de investigação. A divulgação inclui o link para que o interessado consulte diretamente a fonte da informação.

Parece redundante divulgar o conteúdo de bancos de dados públicos e de livre acesso. Entretanto, grande parcela da população desconhece que pode consultar os sistemas dos tribunais para descobrir se alguém está sendo processado. A informação pública resta arquivada, como se fosse reservada para uso exclusivamente técnico dos profissionais do direito e para a instrução de processos, como os de impugnação de candidaturas.

A divulgação dos nomes constitui ação concreta em favor do Estado democrático de Direito e do aperfeiçoamento do sistema de representação política no Brasil.

A AMB defende o efetivo cumprimento do texto do artigo 14, parágrafo 9º da Constituição, com edição de lei complementar que estabeleça outros casos de inelegibilidade para proteger a probidade administrativa, a moralidade para exercício de mandato considerando a vida pregressa do candidato e a normalidade e a legitimidade das eleições contra a influência do poder econômico ou o abuso do exercício de função, cargo ou emprego na administração direta ou indireta.

A citada norma foi definida pela emenda constitucional de revisão nº 4, de 1994, e a lei complementar, apesar do tempo decorrido, ainda não foi aprovada pelo Congresso.

A finalidade da divulgação pode ser resumida na palavra transparência.

O sistema de representação política, por força da desvalorização dos partidos políticos, afasta o eleitor do processo de indicação dos candidatos.

Nas convenções partidárias, ao contrário do que ocorre em democracias amadurecidas, a participação dos eleitores é mínima. O brasileiro, em regra, não se filia aos partidos políticos e, portanto, não decide quem gostaria de ver representando os princípios e ideais que norteiam sua vida.

O desconhecimento dos mecanismos de registros públicos de informações processuais dificulta a pesquisa dos dados sobre a história de vida de cada um dos candidatos.

A AMB lançou um olhar especial sobre essas questões, em prol do esclarecimento do eleitor e do voto consciente. Em maio de 2007, a AMB apresentou um manifesto contra a corrupção em todos os setores da sociedade, pugnando pela celeridade nos julgamentos dos processos, em especial daqueles que envolvam acusações de crimes contra a administração pública e atos de improbidade administrativa, com a criação de juízos especializados nesses julgamentos, pela edição de leis que facilitem a atividade jurisdicional e a implantação de uma política judiciária nacional de combate à corrupção. Muito precisa ser feito. Os brasileiros interessados no aperfeiçoamento do sistema de representação política e na realização dos objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil, enumerados no artigo 3º da Constituição, podem colaborar.

MOZART VALADARES PIRES, 49, juiz de direito licenciado (Recife), é o presidente da AMB (Associação dos Magistrados Brasileiros).

NÃO

Presunção de inocência atropelada

ARNALDO MALHEIROS FILHO

É importante distinguir dois aspectos da questão: em primeiro lugar, é preciso deixar claro que o ajuizamento de um processo é informação pública, ao alcance de qualquer pessoa e -como tudo o mais que envolve um candidato, de sua aparência física a sua opção ideológica- é passível de ser tomado em conta pelo eleitor para sua escolha; imprensa, ONGs, blogs prestariam relevante serviço público com essa divulgação. O segundo ponto é relativo ao acerto ou não da publicação de uma "lista suja" por associação de juízes e, nesse caso, minha opinião é negativa.

A percepção pública é que uma associação de magistrados é a reunião das pessoas que exercem o poder judiciário, daí a enorme autoridade moral, confundível até mesmo com a instituição que os associados encarnam.

Ora, como podem aqueles que têm a missão de julgar emitir um juízo de valor antes desse pronunciamento e da própria defesa? E, por mais que o neguem, emitem -sim!- juízo de valor, que se traduz no adjetivo "suja" que acabou pespegado à tal lista.

Não é função da AMB dar informações ao eleitorado. Seu gesto não foi, portanto, puramente informativo. Na verdade, o juízo de valor negado está embutido na mensagem de que os magistrados brasileiros reprovam as candidaturas de acusados que não foram julgados ou dos que nem sequer puderam se defender. É um passo político em direção à inelegibilidade. Nas trevas do regime militar, o general Médici sancionou lei complementar que tornava inelegíveis -"enquanto não absolvidos"- os meramente acusados por alguns crimes, como de corrupção ou o delito então criado de argüir inelegibilidade por engano, se o erro fosse "grosseiro".

Todos os que tinham um mínimo de apreço ao direito bradavam contra essa violência da ditadura, derrogada com seu declínio. E eis que agora a idéia ressurge, mais violenta ainda.

De fato, a lista engloba acusações por todo e qualquer delito, bem como simples ações civis de improbidade, por fatos nem sequer criminosos.

Rebaixam-se os juízes quando conferem tanto poder a uma das partes no processo, o Ministério Público.

Basta que seja ele o requerente para que o ferrete caia sobre o demandado, havendo ou não imputação de crime.

Tomemos um exemplo: Luiza Erundina, uma das pessoas mais honestas que já ocuparam cargo público em São Paulo, foi processada pelo Ministério Público -sim, por ele mesmo- porque firmou um contrato, sem ônus para os cofres públicos, que permitiu a reforma do autódromo de Interlagos em troca de publicidade na pista e colocou a cidade no calendário da Fórmula 1, com enormes benefícios. Ficha suja?

Esse termo é fascistóide. O que é ficha suja? Acusação sem defesa, anotação no Serasa, condomínio não pago e protestado em cartório, sussurros de "não sei, não", é muito fácil sujar a ficha de alguém. Como disse Paulo Sérgio Leite Fernandes, isso vem da tosca idéia de que, "onde há fumaça, há fogo", e, acrescento, "não basta à mulher de César ser honesta, tem que parecer honesta", ou seja, devemos julgar as pessoas pelas aparências, não pelo que são. E são juízes os proponentes...

Escravos aos leões, enforcamentos em praça pública, autos-de-fé com gente ardendo na fogueira sempre foram, ao longo da história, campeões de audiência. Nossa sociedade midiática só aprofunda o sucesso das execuções sem julgamento e sem "formalidades" que protejam os direitos individuais.

Na verdade, o patrocínio da AMB à divulgação da lista -obtida com a colaboração de seus associados, que usaram recursos públicos para atender a entidade- prenuncia um movimento para dar a uma só parte, o Ministério Público, o poder absoluto e unilateral de proibir o povo de escolher certos candidatos. Isso atropela, de uma só vez, as garantias constitucionais do direito de defesa, do devido processo legal e da presunção de inocência. Dessa tutela, tão própria das ditaduras, ninguém precisa.

Democracia se faz com escolhas populares, fundadas ou infundadas, boas ou más. É um regime muito ruim, reconheceu Churchill, pena que não inventaram outro melhor.

Melhor deixar as decisões políticas nas mãos do povo que dos sábios.

ARNALDO MALHEIROS FILHO, 58, advogado criminalista, é presidente do Conselho Deliberativo do Instituto de Defesa do Direito de Defesa.

Fonte: JORNAL FOLHA DE SÃO PAULO

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