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Dependentes químicos


Cardeal Orani João Tempesta 
Arcebispo do Rio de Janeiro (RJ)

O Ano da Caridade vivido em nossa Arquidiocese nos faz lembrar, de um modo muito especial, dos que sofrem vitimados pelo flagelo das drogas. O trabalho de prevenção é dos mais importantes. A missão dos que visitam as pessoas e os locais onde elas se encontram é de um amor ao próximo marcante. A recuperação lenta e partilhada é outra bela experiência que comporta muitos voluntários e muitos carismas.

Existem muitas experiências no caminho da recuperação. Todas muito interessantes e importantes. Gostaria de partilhar sobre uma delas.

Pois bem, nesse contexto, um dos organismos merecedor de atenção é o Amor-Exigente (AE) – instituição fundada nos Estados Unidos pelo casal de terapeutas David e Phyllis York, que tinha três filhas dependentes químicas, e trazida ao Brasil pelo Pe. Haroldo Rahm, sacerdote jesuíta, em 1983 –, cujos princípios são os chamados “doze passos” (dez originários da obra do casal York e dois acrescentados posteriormente).

Esse programa é universal: ajuda o casal que pretende viver melhor sua vida matrimonial, os pais desejosos de prevenirem problemas, os pais que já têm problemas com os filhos e, por fim, os próprios jovens desorientados ou interessados em dar orientação a seus próximos. Percorramos, sinteticamente, os doze princípios.

Primeiro princípio. Os problemas da família têm raízes na estruturação atual da sociedade: a família, núcleo vital da sociedade, é influenciada pelo mundo que a cerca. Portanto, parte dos problemas de fora será também dela. Uma das causas básicas dessas dificuldades é que normalmente antes se valorizava o ser bom, honesto, digno etc., o fazer um trabalho decente, ter o respeito da comunidade, ascensão social e econômica. Hoje, predomina a cultura do ter, mas à base de uma conquista a qualquer custo. Ora, isso é uma felicidade mascarada que, por ser irreal, necessita do complemento das drogas capazes de levar a pessoa a esquecer sua falsa alegria. Daí o remédio oferecido pelo AE: os princípios de integridade moral e ética são imutáveis. Logo, devo preservá-los em minha família.

Segundo princípio. Os pais também são gente e não devem criar uma imagem errada para si mesmos ou para seus filhos como se não tivessem fraquezas nem defeitos. Ao contrário, devem assumir o que são e como são, certos, contudo, do dever de amarem seus filhos e serem insubstituíveis na vida deles e da comunidade a que pertencem.

Terceiro princípio. Os recursos são limitados. Até pouco tempo, a criança era como que cidadã de segunda classe, não devia receber nada. Hoje, em contrapartida, ela merece tudo o que deseja ter. Isso é um erro grave, pois dizer “não” faz parte da boa educação. É necessário fazer os filhos entenderem que nem tudo é como eles pensam ou querem. Mais: há necessidade de fazê-los compreender que têm deveres e responsabilidades e estes os ajudarão a serem cidadãos bons, livres e honestos.

Quarto princípio. Pais e filhos não são iguais. Não se trata de autoritarismo, mas, sim, de entender os papéis de cada um: o pai é autoridade, guia, legislador, orientador etc. Não adianta querer ser “amiguinho” do seu filho tratando-o em pé de igualdade rasteira. Aí vem o centro da questão: “Lembre-se de que ser amigo do seu filho é ajudá-lo a ser a pessoa certa para si mesmo e para o mundo que vive”.

Quinto princípio. A culpa torna as pessoas indefesas e sem ação. Daí a busca de libertação desse fardo sem acusar ninguém (meu filho é igual ao avô dele, beberrão, mau caráter, grosseiro etc.), mas, ao contrário, procurar alertar as famílias a fim de que cada um cumpra nela o seu papel, assumindo as consequências (boas ou más) advindas desse papel. Nada mais!

Sexto princípio. O comportamento dos filhos afeta os pais, o comportamento dos pais afeta os filhos. Não é raro ver que as atitudes agressivas e destrutivas dos filhos geram neurose e descontrole dos pais. Uns acabam com os outros. É preciso, neste caso, jamais perder a dignidade nem reagir de modo absurdo ante a rebeldia do filho, mas ter equilíbrio para dominar a situação, ser o dono da casa e conduzir a família ao rumo certo. Mudar o comportamento de fora para dentro é o melhor remédio.

Sétimo princípio. Tomar atitude precipita a crise. Isso é verdade, pois assumir uma postura gera impasses, mas não se pode acomodar diante dos fatos que envolvem seus filhos pensando que “é uma fase”, “logo passa” ou outro raciocínio semelhante. Faça o contrário: assuma a situação e, com firmeza e perseverança, tome uma decisão séria que o ajude a mudar de conduta. Haverá sofrimentos, mas os bons frutos, certamente, virão.

Oitavo princípio. Da crise bem administrada surge a possibilidade de mudança positiva. Não há desculpas. Conhecido o problema é preciso agir na administração dessa crise. Para isso, o AE oferece um remédio: “Defiforexe”. “De”, defina seu alvo (conheça o problema, analise tudo de modo equilibrado e sereno, busque orientação de pessoas experientes no assunto e, depois, avalie tudo em família). Se estiverem confiantes, o alvo foi definido; “Fi”, fixe prioridades (instrua-se sem traves nos olhos nem manipulação ou enrolação, pai e mãe falem a mesma linguagem na educação dos filhos, busque um grupo de apoio – escola, familiares, Igreja, Amor Exigente – e enfrente o desafio, ou seja, aquele que está causando problemas). “For”, formule um plano de ação (o grupo escolhido lhe dará forças). O AE recomenda uma lista das virtudes e defeitos de cada membro da família a fim de que se valorize o que é bom e se corrija o que é ruim começando sempre pelas mais fáceis e simples. Por fim, “Exe” – execute-as! Sejam firmes e administrem a crise sem medo e com equilíbrio – sem dar aos filhos castigos por tempo indeterminado, mas tudo o que propuser, cumpra e cobre, só volte atrás se errar ou exagerar. Faça sua parte para sanar o problema, mas sem retirar a responsabilidade daquele que mais deve ser corrigido (filho, marido, esposa)).

Nono princípio. Na comunidade, as famílias precisam dar e receber apoio. O ser humano é um ser social, por isso não terá receios de se expor em um grupo confiante como é o Amor Exigente; abrir-se e mostrar seus problemas e dificuldades, a fim de ser ajudado e também dar ajuda por meio de suas experiências (boas ou ruins) partilhadas com os demais.

Décimo princípio. A essência da família repousa na cooperação, não só na convivência. “Cooperação é a união de pessoas em volta de um trabalho para o bem de todos”. Ora, uma família não é formada por pessoas que apenas convivem, mas que se ajudam. Cada um só tem direito a exigir a partir do momento em que é capaz de oferecer algo de si para o bem de todos. Caso contrário ter-se-ão filhos desocupados do bem e muito ocupados com os erros que permeiam nossa sociedade.

Décimo primeiro princípio. A exigência da disciplina tem o objetivo de ordenar, organizar nossa vida e a de nossa família. Sempre começando pelas pequenas coisas exteriores a fim de chegar a grandes mudanças. Amar o filho, mas rejeitar seu erro é a grande meta. Daí a fixação de limites (físicos, econômicos e emocionais) e a busca de ajuda no AE, ou também na Vara da Infância e da Juventude de sua cidade.

Décimo segundo princípio. Amor com respeito, sem egoísmo, sem comodismo deve ser também um amor que eduque, oriente e exija. Amar – a Deus, a si mesmo e ao próximo – é, dentre outras definições, “ajudar o outro a crescer como ser humano”. Amar, todavia, não é fazer tudo pelo filho tornando-o um dependente, mas é, essencialmente, exigir que ele faça o melhor que puder para si mesmo e para os outros.

Prezado(a) irmão(ã): como não ver na difusão e na prática desses princípios um grande ato de caridade para com tantos homens e mulheres de nossos dias que padecem com o flagelo das drogas em suas vidas ou na vida de seus familiares e buscam, ansiosamente, uma saída eficaz?

Baseados nas orientações e formulações do AE, está aí um caminho interessante e uma opção para nossa meditação. Mesmo que não seja o nosso caso, têm princípios interessantes e importantes para a vida humana. Mas, sem dúvida, um bom passo para os que necessitam de recuperação.

Ajudemo-los, pois, com nossa oração, amizade e, especialmente, com a difusão desses doze alicerces para uma vida nova, sóbria e feliz... Com a graça de Deus.

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