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Os arautos do mercado no setor elétrico brasileiro


Heitor Scalambrini Costa - Gente de Opinião
Heitor Scalambrini Costa

“ Vem, vamos embora, que esperar não é saber. Quem sabe faz a hora, não espera acontecer”

"Pra Não Dizer Que Não Falei das Flores", música de Geraldo Vandré

 

Uma das lendas que ainda persistem em nosso país é a ideia que o setor privado é naturalmente superior, ou mais eficiente, que o setor público. Para refutar tal colocação é necessário analisar a complexidade e os fatores que levam a esta assertiva. A primeira distinção consiste nos objetivos distintos que movem estes setores.

 

O setor privado visa primordialmente o lucro e a geração de valor (criação de riqueza) para os acionistas, enquanto o setor público o foco principal é o interesse social, a equidade e o atendimento das necessidades da população. ­­­

 

Comparar a eficiência de ambos sem considerar esses diferentes fins é, muitas vezes, incompleto e enganoso, e leva a situações em que setores como saúde, educação, saneamento, segurança pública, além de bens essenciais à vida, como água, energia são repassados ao controle privado.

 

No final da década de 80 do século passado com o objetivo propagandeado de ajudar países latino-americanos a retomarem o caminho do crescimento, um conjunto de ideias econômicas foram propostas para combater a crise da dívida e a hiperinflação na América Latina, como o controle fiscal, a abertura comercial e financeira, e a privatização. Tais recomendações de políticas neoliberais foram baseadas nos ideais do FMI, do Banco Mundial e do Departamento do Tesouro dos EUA.

 

O que ficou conhecido como o Consenso de Washington, o liberalismo econômico da época, defendia a mínima intervenção estatal na economia, com o mercado se autorregulando pela lei da oferta e da procura. Afirmavam que a liberdade individual e econômica levaria a mais investimentos e empregos, e a melhoria da qualidade de vida das pessoas.

 

Na comunidade europeia a política de liberalização do mercado levou a privatizações das empresas de energia elétrica. No entanto, não houve um modelo único e uniforme para todos os países do bloco, coexistindo empresas privatizadas e estatais. Todavia a tendência recente em alguns países tem sido a reestatização. O caso mais emblemático é o da França, que em 2022 o governo anunciou a reestatização da sua maior companhia elétrica, Électricité de France (EDF), justificando a necessidade de garantir a soberania energética do país, e enfrentar a crise energética

 

As reformas neoliberais da década de 1990 no Brasil estão inseridas no contexto das liberalizações promovidas em virtude do processo de globalização, em que a dinâmica do capitalismo - vinculada à expansão do capital financeiro - levou à redução dos estados nacionais. Nesse sentido, o setor elétrico brasileiro seguiu exemplarmente o processo de privatização, adotado como política de Estado durante as duas gestões do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB), planejado levando em consideração apenas questões econômico-financeiras, relegando a segundo plano questões de atendimento à população. O resultado foi problemas para a cidadania e mesmo, dificuldades de abastecimento, além dos valores abusivos das tarifas cobradas, colocando em risco a situação financeira das famílias, principalmente aquelas de baixa renda, a maioria da população.

 

O liberalismo da política econômica aplicado ao setor elétrico propôs a reestruturação do setor, quebrando monopólios e introduzindo o que chamavam de concorrência, com a separação das atividades de geração, transmissão e distribuição de energia. O objetivo apregoado era de promover a eficiência econômica, à inovação, e como afirmavam os neoliberais, oferecer mais opções e estimular o protagonismo do consumidor. A liberalização, segundo seus defensores, buscava atingir ganhos de eficiência através da competição e do investimento de agentes privados, resultando na modicidade tarifária e na melhoria da qualidade dos serviços prestados.

 

Passados 30 anos desde o início da privatização, iniciado pelas distribuidoras, o fiasco e a decepção são evidentes e frustrantes para o consumidor. A eficiência, os investimentos prometidos, a concorrência e a inovação, resultando na diminuição de custos, e a redução das tarifas para o consumidor, não aconteceram. Ao contrário, as tarifas aumentaram e os serviços prestados despencaram. E coube ao consumidor simplesmente ser um mero observador, ao mesmo tempo arcar com os aumentos na tarifa bem superior à inflação. Foram enganados, ludibriados.

 

O processo de privatização resultou na demissão de pessoal das empresas, na queda nos investimentos, e na manutenção do sistema, com as despesas sendo superadas pela busca por lucros a curto prazo.  O "desmonte" do setor estatal ocorreu, com decisões que favoreceram interesses privados em detrimento da base técnica. A desnacionalização do setor e a perda do protagonismo estatal provocaram a perda da soberania energética e hídrica do país, especialmente em um contexto de mudanças climáticas, tecnológicas e de desafios no planejamento e na segurança do funcionamento do sistema.

 

A separação das atividades de geração, transmissão, distribuição e comercialização com diferentes agentes privados e públicos atuando, introduziu um desarranjo no sistema, rompendo com a integração vertical tradicional. E foram verificados problemas de coordenação e governança fragmentada, e pelos interesses específicos de cada atividade.  O que levou a problemas frequentes que afetaram diretamente o consumidor, quer pelo rebaixamento da qualidade dos serviços oferecidos, quer pelas escandalosas tarifas cobradas.

 

Os mensageiros das soluções de mercado no setor elétrico se locupletaram nestes 30 anos pós-privatização. A partir da lógica liberalizante/mercantil, o setor se compromete com o pagamento dos acionistas privados e de seus gerentes, as custas do bem-estar da sociedade brasileira e de nossa soberania. Enquanto a população contribui significativamente para a transferência de renda para as grandes corporações transnacionais, provocando o empobrecimento da população.

 

Ao longo deste período de mercantilização da energia elétrica, a atuação dos lobbies pulverizados, atuando na esfera do Ministério de Minas e Energia (MME) e no Congresso Nacional (CN) na defesa de vários interesses, muito deles antagônicos, cresceu intensamente, causando um desequilíbrio de poder entre o Estado, as empresas e o mercado. Particularmente pelos inúmeros lobbies atuando tanto no MME, como no CN, buscando benefícios pontuais, e contribuindo para a desorganização do arcabouço regulatório do setor e de sua governança.

A partir de 2025, começa a findar a vigência, estipulada em 30 anos, dos contratos de concessão dos serviços públicos de distribuição de energia elétrica. Entre 2025 e 2031, 20 contratos de distintas concessionárias chegam ao fim. E é prerrogativa do poder concedente, o MME, decidir se prorroga ou não essas concessões.

A decisão tomada pelo governo federal foi pela prorrogação por mais 30 anos, podendo mesmo ser solicitada a prorrogação contratual antecipada. Em 21 de junho de 2024, foi publicado o Decreto no 12.068, que estabeleceu mudanças pontuais, e definiu diretrizes similares às já existentes nos contratos de concessão inicial, que foram violados sistematicamente pelas concessionárias. Sem dúvida com a atual decisão governamental as distribuidoras de energia elétrica continuarão penalizando o povo brasileiro, seguindo como um dos principais algozes do consumidor, e da economia nacional.

Neste sentido é urgente e necessário a reestatização do setor elétrico, iniciando pela distribuição, e assim promover justiça, bem-estar social e o desenvolvimento sustentável. Nada custaria aos cofres do tesouro nacional, pois os contratos estariam finalizados, e não haveria nem prorrogação, nem nova licitação. Os bens reversíveis, envolvendo ativos como imóveis, equipamentos e a infraestrutura seriam devolvidos ao patrimônio do Estado, titular do serviço.

Setor elétrico. Reestatização Já!!!!

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