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Crônica

Carapanã: o pequeno e grande escudeiro anticolonialista da floresta


Antônio Serpa do Amaral Filho - Gente de Opinião
Antônio Serpa do Amaral Filho

Ouvindo um rock and rol composto pelo Berlange Andrade, O Karapanã Infernal, e a crônica de Arimar Souza de Sá, sobre os destemidos pioneiros de Rondônia, lembrei do mais famoso guardião do mundo natural, antes da chegada dos homens da civilização em terras desbravadas por Rondon nas bandas do que era então a Vila de Santo Antônio: O Carapanã! Data vênia, historiadores cronistas, mas o carapanã merece pelo menos umas mal traçadas linhas!

Dos supostos 30 mil homens que tombaram na construção da Estrada de Ferro Madeira-Mamoré, supõe-se que pelo menos 20 mil morreram de malária, doença braba inoculada pelo inseto também chamado de muriçoca ou borrachudo.

Nesse tempo não havia calendário. As calendas foram inventadas para situar o homem na sua insegurança histórica. Era um tempo em que não havia o dia, senão o do império do sol, e não havia noite, senão a do reinado da lua, porque a única invenção era eternidade.

Foi o Carapanã, fiel escudeiro do bioma amazônida, quem teve a honra de recepcionar os emissários da Coroa Inglesa, integrantes da primeira empresa a tentar construir a ferrovia. Com as bênçãos do Imperador Dom Pedro II, o coronel norte-americano George Earl Chuch contratou a empresa inglesa Public Works Construction Company para iniciar a empreitada com um grupo de engenheiros, técnicos e operários.

A bem dizer, chegaram num dia e partiram no outro, deixando para trás, com o rabinho entre as pernas, os corpos tombados rentes às barrancas do caudaloso rio Madeira, que a tudo assistiu em inominável pachorra!

Coitados dos ingleses! Contrabandearam sementes de seringueira para Londres, porém não se deram conta de que, na mata, tem a lei do mato, e o Carapanã é um dos integrantes do pelotão de elite deste bioma abaixo do equador! Horrorizados com a capacidade mortífera do guerrilheiro da floresta, os gringos sofreram pesada baixa e, com medo de que não sobrasse ninguém para contar a estória, bateram em retirada, sem assentar um único dormente sequer!  O Carapanã e outras forças hostis da natureza literalmente expulsaram os gringos dos barrancos guaporés!

Mas a luta do Carapanã com os homens da civilização não parou por aí. Uma outra empresa, dessa vez uma empresa americana, P&T Collins, iniciou as obras em 1878, mas logo em seguida pediu pra ir beber água e nunca mais voltou, sendo seus trabalhadores também ferozmente atacados pelos torpedos malignos do bravo Carapanã! A empresa faliu, dizem os historiadores!

Já em 1907, após o Tratado de Petrópolis, a turma do Percival Farquhar, de olho no montante de dinheiro que estava em jogo, assumiu a construção da ferrovia. É verdade que chegaram lá, de fato a ferrovia ficou pronta em 1912, mas o saldo da tragédia humana deixou um rastro de morte cujos indícios históricos estão lá no Cemitério da Candelária! Nem o sanitarista Oswaldo Cruz deu conta do recado!

O Carapanã ceifou a vida de milhares de homens e mulheres, indistintamente, promovendo uma matança tão cosmopolita quanto a mão de obra contratada pelo gringo Percival Farquhar ao redor de todos os quadrantes do mundo!

Se alguém perguntar como foi isso, diria: não sei, só sei que foi assim! O Carapanã Infernal postou-se como um vingador frente a quem veio soerguer a Ferrovia do Diabo, num embate visceral e antagônico entre as forças do mundo natural e os homens da Civilização!

Prestem atenção no rock and roll de Berlange! O discurso em rompante simbólico da arte pode estar querendo alguma coisa que tem a ver com o que acabamos de contar nesta prosa escalafobética!

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