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Artigo: Bolsa para o egresso do sistema prisional: vale a pena?


 

 

 Por Gabriel Tomasete*

 

Conforme matéria veiculada na imprensa nacional, projeto de lei complementar do senador Expedito Júnior (PR-RO), prevê a criação de bolsa para egressos do sistema penitenciário que estejam desempregados. As bolsas seriam financiadas pelo Fundo Penitenciário Nacional. A matéria (PLS 38/09) será examinada pelas Comissões de Assuntos Econômicos (CAE) e de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ) antes de ir a Plenário.

O senador afirma na justificação que "A proposta prevê uma bolsa-desemprego a ser paga no período de seis meses no valor de um salário mínimo para que o egresso tenha condições mínimas de dignidade para retornar ao convívio social, sem incorrer no risco de retornar à criminalidade".


Primeiramente, manifesto meu apoio incondicional ao projeto de lei em questão, o qual viabiliza, de modo mais econômico e eficiente, previsão já existente na Lei de Execução Penal-LEP, que é a assistência ao egresso. Vejamos.

 

Do fundamento legal

O artigo 10 da LEP reza que a “assistência ao preso e ao internado é dever do Estado, objetivando prevenir o crime e orientar o retorno à convivência em sociedade” e, em seu parágrafo único complementa nos seguintes termos “A assistência estende-se ao egresso”. Esta assistência será material, à saúde, jurídica, educacional, social e religiosa, nos termos do artigo 11 da lei em comento.

Além da previsão legal já transcrita, a LEP ainda possui Seção específica “Da Assistência ao Egresso”, prevendo ao mesmo (egresso) a orientação e apoio para ser reintegrado à vida em liberdade e concessão, se necessário, de alojamento e alimentação, pelo prazo de dois meses, podendo ser prorrogado por igual período desde que a assistente social comprove o empenho do egresso na obtenção de emprego.


Na verdade, creio que o senador Expedito Júnior pretende tornar prático (garantir efetividade) a própria intenção dos legisladores da Lei de Execução Penal, que é garantir um retorno harmônico dos presos à sociedade.

E, por fim, cumpre-nos transcrever o artigo 1º. da LEP:   “Art. 1º A execução penal tem por objetivo efetivar as disposições de sentença ou decisão criminal e proporcionar condições para a harmônica integração social do condenado e do internado.”.

Não restam dúvidas quanto à necessidade de se criar um meio mais eficiente de garantir esta integração social, pois o atual definitivamente não funciona em todos os estados. Percebe-se que a LEP não prevê apenas regramentos para o período de prisão do indivíduo, mas que seu objetivo maior é exatamente este que falamos acima (garantir um retorno harmônico dos presos à sociedade).

 

Dos altos índices de reincidência

A grande maioria dos apenados é reincidente. Dentre este grupo de reincidentes, certamente muitos poderiam já ter mudado o rumo de suas vidas se tivessem contado com a bolsa que ora se pretende criar, por um motivo simples. Saem dos presídios, não conseguem trabalho e voltam rapidamente ao mundo do crime. Os cidadãos comuns já não conseguem emprego com facilidade, imagine um egresso do sistema prisional. Necessário sim dar condições para que este cidadão que cumpriu sua dívida com o Estado possa ao menos procurar emprego com dignidade, enquanto garante (minimamente) o seu sustento e de sua família.

Alguns leitores devem estar pensando que a maioria volta ao crime porque “pau que nasce torto morre torto”. Grande engano. Existe sim uma parcela que podemos considerar irrecuperáveis, como aqueles com transtornos psíquicos (psicopatas, por exemplo). Mas este grupo é minoria dentro dos presídios e a maioria pode sim mudar de rumo, basta dar condições.

 

Da redução da criminalidade

Considerando que o índice de reincidência criminal é altíssimo e que com a criação da “bolsa egresso” reduziremos a reincidência ao dar condições mínimas de sobrevivência ao egresso no período de readaptação à sociedade e busca por trabalho, teremos a médio e longo prazo uma significativa redução da criminalidade.

 

Da viabilidade econômica do Projeto de Lei

No Brasil gasta-se mais de R$ 1 mil por mês para se manter uma pessoa presa. No sistema penitenciário federal este número é muito maior. Nós que pagamos esta conta. Ora! Claro que vale a pena o Estado manter o egresso por seis meses, com um salário mínimo, para que ele busque emprego com dignidade, do que ter a certeza de que ele voltará a cometer crimes de imediato.

Apenas a título ilustrativo, imaginemos que ele volte a cometer crime depois dos seis meses: já teremos economia aos cofres públicos, pois se tivesse reincidido logo na saída do presídio já estaria custando mais de R$ 1 mil/mês, conforme exposto.  Importante expor que se trata somente do custo de manutenção, sem falar no alto custo da criação de vaga (construção de novos presídios).

E se ele não voltar a delinqüir, façam as contas da grande economia de ter um preso a menos no sistema prisional. Considerando que um egresso pratique hoje um crime e venha a ficar mais cinco anos preso. Serão sessenta meses, ou seja, mais de R$ 60 mil. Será que não vale a pena “arriscar” pagar a bolsa ao egresso?

Nós, operadores do sistema penitenciário, não temos dúvida alguma de que o projeto de lei é vantajoso também sobre o aspecto financeiro. Além do mais, a proposta do senador é pela utilização de recursos do Fundo Penitenciário Nacional, o que não iria onerar os Estados.

 

Da evidência do tema

As questões prisionais, em especial a necessidade de se reintegrar o preso à sociedade com dignidade, estão sendo defendidas com afinco pelas mais diversas instituições. Cito como dois grandes exemplos recentes, a nobre atuação do Conselho Nacional de Justiça, com a campanha visando a não marginalização e o respeito ao egresso, bem como a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil-CNBB, que lançou como tema da Campanha da Fraternidade deste ano “Fraternidade e Segurança Pública”.

 

O secretário geral da CNBB, Dom Dimas Lara Barbosa, disse à imprensa que geralmente os temas são escolhidos a partir de uma mobilização das bases e que para 2009, a CNBB tinha mais de 20 propostas. “Só que a Pastoral Carcerária e a Pastoral da Criança se empenharam muito na propaganda do tema da segurança pública", afirmou Dom Dimas.

Como se pode observar, o sistema prisional é uma das mais importantes vertentes da segurança pública, tanto que na 1ª. Conferência Nacional da Segurança Pública que ocorrerá em agosto próximo em Brasília, haverá eixo temático específico com diretrizes para o sistema penitenciário, além da participação maciça do Departamento Penitenciário Nacional do Ministério da Justiça (DEPEN/MJ).

Nesta semana que se findou, o DEPEN fez contato com a SEAPEM para saber da possibilidade de haver apresentação do grupo teatral Bizarrus durante a Conferência Nacional. Bizarrus é uma excelente peça teatral feita por egressos do sistema prisional de Porto Velho, que já foi assistida por mais de 50 mil pessoas em Rondônia e diversos outros estados. A peça, que não perde em qualidade para grupos teatrais profissionais, relata histórias de vidas de egressos, de modo a levar os expectadores a reflexões importantes, como as que foram relatadas neste artigo.

 

Da visão equivocada de parte da sociedade

O presente projeto de lei deveria ser anseio da sociedade, mas, infelizmente, parece que a maioria prefere fechar os olhos para o sistema carcerário, ignorando-o por completo. Discute-se muito, em âmbito nacional, o aumento de efetivo e aparelhamento das Polícias, mas nada se fala sobre reinserção social daqueles que cometeram delitos. Poucos sabem que trabalhar para a reinserção social dos presos e egressos fica mais barato e tem muito mais retorno do que a maioria das outras ações para a redução da criminalidade.

Sem falar nas críticas insensatas que ouvimos com freqüência: “preso não merece nem comida”, “preso tem que apanhar”. Façamos isto e estaremos transformando-os em verdadeiros monstros e o resultado se voltará contra nós mesmos, quando eles saírem dos presídios. Afinal, “hoje eles estão contidos, mas amanhã estarão contigo!”.

Se diante dos argumentos expostos, ainda assim você não concordou com a bolsa para o egresso? Então vai somente mais um: pense de modo egoísta e queira cuidar deste pessoal para que você mesmo sofra menos com a violência nas ruas.

 

Gabriel de Moraes Correia Tomasete é Advogado, pós-graduado em Gestão Penitenciária, Multiplicador no Brasil do Programa de Melhorias na Gestão Penitenciária com Foco em Direitos Humanos – Parceria dos Governos Britânico (Centro Internacional de Estudos de Prisões - ICPS, do King`s College, de Londres) e Brasileiro e ocupa hoje, em Rondônia, os cargos de Secretário Adjunto de Estado de Justiça e de Presidente do Conselho Penitenciário Estadual.

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