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Tartarugas-da-Amazônia: importância ecológica e os desafios da preservação

Mudanças climáticas, queimadas e caça predatória ameaçam o ciclo reprodutivo.


Tartaruga-da-Amazônia é símbolo da biodiversidade e do equilíbrio ecológico da Amazônia (Foto: Ecovale I Divulgação) - Gente de Opinião
Tartaruga-da-Amazônia é símbolo da biodiversidade e do equilíbrio ecológico da Amazônia (Foto: Ecovale I Divulgação)

Símbolo da biodiversidade e do equilíbrio ecológico da Amazônia, a tartaruga-da-Amazônia enfrenta, cada vez mais, desafios para manter seu ciclo reprodutivo. Alterações no nível do Rio Guaporé, queimadas ilegais, turismo desordenado e caça predatória estão entre os principais fatores que comprometem a sobrevivência da espécie.  Essas ameaças exigem de instituições, voluntários e comunidades locais esforços redobrados para a preservação.
(Esta é a segunda reportagem sobre as tartarugas-da-Amazônia. A primeira foi publicada na terça-feira, 1º de outubro).

Queimadas e fumaça interferiram no ciclo reprodutivo em 2024 (Foto: José Soares Neto I Ecovale)

O ciclo de vida das tartarugas-da-Amazônia
- O período de incubação varia de 45 a 80 dias, dependendo de fatores como o tamanho da fêmea, a qualidade do solo e a temperatura.
- A desova ocorre, geralmente, entre agosto e setembro, no verão amazônico (quando há temperaturas elevadas e alta incidência de sol). Elas precisam da exposição solar para “amadurecer os ovos”. 
- Cada fêmea coloca, em média, mais de 90 ovos por ninho. Eles se desenvolvem sozinhos, sem a presença das tartarugas.
- Após cerca de dois meses, normalmente em dezembro, ocorre a eclosão, quando os filhotes começam a emergir da areia.
- Instintivamente, eles se dirigem sozinhos até a água, momento em que se tornam presas fáceis de predadores naturais, como urubus, e, dentro do rio, de jacarés e peixes maiores.
- No entanto, em 2024, foi necessário realizar operações de salvamento para resgatar os filhotes, já que o nível do Rio Guaporé subiu rapidamente e ameaçava inundar os ninhos.
Tartaruga-da-Amazônia é o maior quelônio de água doce da América do Sul (Foto: José Soares Neto I Ecovale)

Importância da espécie
A tartaruga-da-Amazônia (Podocnemis expansa) é considerada um símbolo da biodiversidade brasileira, principalmente por sua importância cultural, ecológica e por sua conexão com a preservação da Amazônia. 
- Maior quelônio da América do Sul: a tartaruga-da-Amazônia é o maior quelônio de água doce da América do Sul. Atinge até 1 metro de comprimento e o peso ultrapassa 50 kg, o que a torna um animal de grande relevância ecológica e visual. 
- Símbolo de resistência: a história da tartaruga-da-Amazônia é marcada pela luta contra a exploração e a ameaça de extinção, tornando-se um símbolo da capacidade de recuperação da fauna e da importância das ações de proteção e conservação da biodiversidade. 

Sucesso reprodutivo das tartarugas indicam a qualidade ambiental da região (Foto: Sedam I Divulgação)

- Potencial socioeconômico sustentável: a preservação das tartarugas está ligada ao turismo ecológico, projetos de educação ambiental e ao fortalecimento de economias comunitárias sustentáveis, como artesanato e produtos associados à biodiversidade.
- Indicadoras ambientais: as tartarugas são bioindicadoras, ou seja, seu comportamento e sucesso reprodutivo indicam a qualidade ambiental da região - especialmente em relação à poluição, queimadas, alteração do regime dos rios e mudanças climáticas.
- Equilíbrio do ecossistema aquático e terrestre: as tartarugas ajudam a manter o equilíbrio dos ambientes ribeirinhos ao se alimentarem de frutas, folhas e pequenos invertebrados, dispersando sementes e controlando populações de organismos.
- Ciclagem de nutrientes: os ninhos escavados na areia e os restos de ovos e filhotes não eclodidos enriquecem o solo e alimentam diversos predadores naturais, como aves, peixes e jacarés.
Espécie tem importância cultural, ecológica e conexão com a preservação da Amazônia (Foto: José Soares Neto I Ecovale)

Nível do rio
De acordo com José Soares Neto, mais conhecido como Zeca Lula, um dos fundadores da Associação Comunitária e Ecológica do Vale do Guaporé (Ecovale), o Rio Guaporé subiu em 2024 e não baixou como acontecia nos anos anteriores. “Quando passamos ali na pedreira, mostrei para vocês que, no ano passado, as pedras ficaram 50 centímetros acima da água, no final de julho. Agora, já estamos iniciando outubro e não há uma só pedra visível”, destacou.
Com o rio cheio, as praias diminuem e as tartarugas ficam sem espaço adequado para a desova. Já os ninhos, das que conseguem desovar, ficam ameaçados de inundação. “Sem filhotes, há um comprometimento significativo de todo o ecossistema da região. A tartaruga faz parte da cadeia alimentar da maioria das espécies aquáticas e também de várias aves”, enfatizou Zeca.

Com a rápida elevação do rio, sobrou pouco espaço de areia (Foto: Maílson Lima I Secom ALE/RO)

Turismo desordenado e caça predatória
Além das queimadas e das mudanças climáticas, Zeca considera que o turismo desordenado na região também atrapalha a reprodução das tartarugas. “Elas têm um lugar para desovar e, de repente, chega um monte de turistas, sem nenhum tipo de orientação, e isso faz com que migrem para outro local”, ressaltou.
Contudo, segundo Zeca, a ação dos caçadores é ainda mais prejudicial. “O que mais afeta a sobrevivência delas são os caçadores. Com a queimada e a fumaça, elas se atrapalham, mudam de praia, mas continuam vivas. Já quando o caçador captura e vende a tartaruga, ela está condenada à morte. Mas, se existe caçador, é porque existem compradores”, advertiu.
Filhotes de gaivotas em setembro de 2025 (Foto: Luís Castilhos I Secom ALE/RO)

Outras espécies afetadas
Enquanto a atenção maior se volta para as tartarugas, há indícios de que outro componente do ecossistema também enfrenta atrasos reprodutivos: as gaivotas. De acordo com Zeca Lula, o período habitual de postura dessas aves ocorre entre o fim de maio e o início de junho.
Nesta temporada, porém, o processo atrasou. No mês passado, foi registrada a presença de ovos e de filhotes nas praias do Rio Guaporé, pois, assim como aconteceu com as tartarugas-da-Amazônia, houve redução das áreas de areia disponíveis. A Ecovale acompanha esses ninhos simultaneamente aos esforços de monitoramento dos quelônios.
Ciclo reprodutivo das gaivotas também está sendo prejudicado (Foto: Luís Castilhos I Secom ALE/RO)

Menos areia no Festival de Praia
A 25ª edição do Festival de Praia de Costa Marques foi realizada entre os dias 25 e 28 de setembro. O evento, já tradicional no município, atrai milhares de visitantes todos os anos. Antes da abertura, o prefeito Dr. Fabiomar (União Brasil) conversou com a equipe de comunicação da Assembleia e relatou as dificuldades enfrentadas em razão das condições do rio.
“Nos anos anteriores, a faixa de praia era muito maior. Neste ano, ficou bem reduzida, o que compromete o número de participantes do festival. Esse evento além de cultural, contribuiu significativamente para a economia do município”, afirmou.


Prefeito de Costa Marques disse que, em anos anteriores, a faixa de areia era maior (Foto: Assessoria I Prefeitura de Costa Marques)

Órgãos responsáveis
Sobre a fiscalização, o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) informou que, mesmo diante de limitações, prioriza a vigilância no rio, a proteção dos animais e das praias, com o objetivo de garantir a perpetuidade da espécie.
A Secretaria de Estado do Desenvolvimento Ambiental (Sedam) destacou que atua em parceria com a Ecovale, o Ibama e o Batalhão de Polícia Ambiental, realizando fiscalizações constantes nos rios, tanto para combater a ação de caçadores de tartarugas quanto outros crimes ambientais.
A unidade do Exército Brasileiro, situada às margens do Rio Guaporé, na fronteira com a Bolívia, informou que “sua missão é defender a Amazônia, garantir a soberania nacional na região e controlar a fronteira por meio de operações constantes de policiamento, bloqueios e abordagens, a fim de coibir crimes como o tráfico de drogas e de animais”.
Sobre o turismo desordenado, a Superintendência Estadual de Turismo (Setur) não respondeu aos questionamentos da equipe de comunicação da Alero, até o fechamento desta reportagem.
Exército afirmou que as abordagens no rio são constantes, na fronteira com a Bolívia (Foto: Luís Castilhos I Secom ALE/RO)

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