Sexta-feira, 26 de abril de 2024 | Porto Velho (RO)

×
Gente de Opinião

Amazônias - Gente de Opinião
Amazônias

A Church reaparece, após o discurso da insensatez


 A Church reaparece, após o discurso da insensatez - Gente de Opinião
A velha 12 (Coronel Church) homenageia o coronel norte-americano George Earl Church, que em 1872 idealizou a Estrada de Ferro Madeira-Mamoré. Foi a primeira máquina a chegar na Amazônia, em 1878, trazida pela firma P & T Collins. Desativada a ferrovia em 1972, ela ficou com o 5º BEC, de onde foi removida para o museu, com nova pintura /Foto Ocampo


 

LUIZ LEITE DE OLIVEIRA (*)

 

Parece que sempre estava solitária, se impondo como se estivesse a contar sua própria história para um povo sem memória
 

A locomotiva nº 12, Coronel Church, reaparece depois de submergir com a cheia do Rio Madeira, dentro de um dos armazéns onde foi instalado o Museu Ferroviário da Estrada de Ferro Madeira-Mamoré, em 1980.
 

Trazida pela empresa P & T Collins do Estado da Filadélfia (EUA), em 1878, a Public Locomotive Works, 12, tem logotipo circular, desenhado, frontal, para sua identificação, em bronze. Ficou na região da Vila de Santo Antônio das cachoeiras, entre os portos dos Vapores e o Porto das Canoas, após tombar espetacularmente, numa curva ferroviária, no dia da sua inauguração, em julho de 1878. E lá ficou durante aproximadamente 30 anos.
 

A história da Coronel Church reflete um dos episódios dos mais comoventes e dramáticos, numa das primeiras tentativas de construção da Estrada de Ferro Madeira-Mamoré (EFMM). De engenheiros a trabalhadores, quase todos morreram em consequência de doenças, ou enlouqueciam dentro daquele foco de podridão, como era chamada Santo Antônio.
 

Abandonada, a locomotiva foi restaurada a partir de 1908 nas oficinas fábricas, ferroviárias. Segundo o historiador ferroviário Hugo Ferreira, em “Reminiscências da Madmamrly“, a Church era também chamada de Baronesa e “reinava” entre as locomotivas Mongul, Consolidation,  que vieram da América do Norte, e a escavadeira Bucyrus, vinda do Canal do Panamá para a construção da Madeira Mamoré.  

 

O dilúvio e o delírio
 

Hoje ela é uma raridade histórica. Trafegou durante 60 anos sobre os trilhos também históricos da EFMM, principalmente no complexo ferroviário de Porto Velho, cuja cidade planejada nos Estados Unidos formou-se entre 1908 e 1912, quando a ferrovia foi inaugurada, depois de cinco anos de construção.
 

Paralisada definitivamente por ocasião da desativação da EFMM, a Coronel Church 12 ficou em exposição por algum tempo, em frente ao quartel militar do 5° BEC, nos tempos ditatoriais.
 

Em 1980, com o resplandecer da democracia, depois de um movimento popular para reativação da ferrovia, ela foi levada para o Museu Ferroviário.
 

Este ano, o povo de Porto Velho surpreendeu-se com o dilúvio e o delírio causados pelas hidrelétricas de Santo Antônio e Jirau, que direcionaram suas turbinas para cima do pátio ferroviário e para os bairros centrais da cidade.

A 12 ficou submersa, porém, aos poucos, reaparece, com jeito de um trabalhador em febre e delirante, com foco na direção do infinito, como quem quer sair sozinha da situação, sem socorro, com o desprezo de um povo   f r i o, que não quer ter memória, e o pior, teima não saber amá-la.
 

Cercada de peças ferroviárias igualmente vítimas da alagação, ela aguarda o momento de ser novamente referência entre aqueles que vêm de longe buscar no que restou da estrada de ferro, a resposta às suas indagações em relação ao patrimônio histórico amazônico.
 

Em 2006 anunciávamos os riscos que trariam as represas, a forma mais violenta de destruição da natureza. Dizíamos que elas afetariam de forma irreversível a biodiversidade da Amazônia, o nosso patrimônio ambiental, principalmente a Estrada de Ferro Madeira Mamoré. Ou seja, previmos esse caos.
 

Hoje, diante do estrangulamento da Bacia do Rio Madeira, questiona-se o momento delirante. Talvez por isso nos chamaram algumas vezes de loucos, enquanto zumbia o coro “Usinas já!”, triste, cego, zombeteiro e descompromissado com o nosso passado sagrado.
 

Esse coro, sustentado por políticos desinformados, porém ávidos pelo poder, envolveu também algumas instituições honradas, entre as quais, o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) e o Serviço de Patrimônio União (SPU). E seus representantes e/ou dirigentes, como se fossem empregados e porta-vozes de bancos e dos consórcios construtores, abriram mãos e pernas à maquiagem.
 

Recentemente, dona Dilma, a “presidenta”, veio a Porto Velho para solidarizar-se com o drama dos flagelados pelas enchentes que destruíram quase tudo. Torrou dinheiro em combustível de avião apenas para dizer que a culpa desse desastre todo “não fora das usinas”.
 

Não precisava ter vindo, pois não engana nem a si própria e não tem como aliviar a barra. Agora sim a Madeira-Mamoré, a Amazônia e o Rio Madeira são vítimas do diabo, e ele se veste de vermelho. Cruz-credo, credo em cruz! Meu Deus!

(*) O autor é arquiteto e urbanista, pesquisador do patrimônio histórico na Amazônia.

Gente de OpiniãoSexta-feira, 26 de abril de 2024 | Porto Velho (RO)

VOCÊ PODE GOSTAR

Evento acontece nesta segunda com mais de 80 seringueiros sobre produção sustentável da borracha na Amazônia

Evento acontece nesta segunda com mais de 80 seringueiros sobre produção sustentável da borracha na Amazônia

Nesta segunda-feira, 26 de fevereiro, a partir das 9h, começa o 2º Grande Encontro Estadual do Extrativismo da Borracha, com mais de 80 seringueiros

Concertação pela Amazônia lança, na Cúpula, em Belém, documento com propostas para o território

Concertação pela Amazônia lança, na Cúpula, em Belém, documento com propostas para o território

A iniciativa Uma Concertação pela Amazônia chega aos Diálogos Amazônicos, da Cúpula da Amazônia, em Belém (PA), nos dias 4 a 6 agosto, com sua terce

Cúpula da Amazônia: Organizações indígenas realizam Assembleia internacional para promover a importância dos territórios e povos no enfrentamento da crise climática

Cúpula da Amazônia: Organizações indígenas realizam Assembleia internacional para promover a importância dos territórios e povos no enfrentamento da crise climática

A 'Assembleia dos Povos da Terra pela Amazônia' reunirá, na cidade de Belém, no Pará, entre os dias 4 e 8 de agosto, representações regionais e naci

Preparatória para Cúpula da Amazônia debate futuro sustentável e prosperidade dos povos tradicionais

Preparatória para Cúpula da Amazônia debate futuro sustentável e prosperidade dos povos tradicionais

A Cúpula da Amazônia acontece nos próximos dias 8 e 9 de agosto, pela primeira vez, em Belém do Pará. O encontro é um marco das relações entre o Bra

Gente de Opinião Sexta-feira, 26 de abril de 2024 | Porto Velho (RO)