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Dió – O camarada


Apoiado no monumento a Pixinguinha, o Velho Dió, jornalista e, apesar de comunista, foi vereador pela Arena em Porto Velho. - Gente de Opinião
Apoiado no monumento a Pixinguinha, o Velho Dió, jornalista e, apesar de comunista, foi vereador pela Arena em Porto Velho.

Dionísio Xavier, o velho Dió. O camarada Dió. Sempre uma ótima conversa, cheia de sabedorias, de análise política do passado e do presente. Conversar com o camarada Dió era sempre ótima aula de informação.  Dió faz parte da história de Porto Velho, de Ji-Paraná, do Estado de Rondônia. Quando o conheci, em 1984, 85, ele já era uma história viva da região.  Conheci o Dió, melhor forma não poderia ter sido, bebendo cerveja, e no melhor lugar possível daquele momento na cidade de Porto Velho, no Bar do Zizi.

 

Foi numa tarde. Era comum naquele tempo passar no Bar do Zizi para conversar com os informados frequentadores do ambiente, e saber qual era a novidade na cidade, no campo da política, da cultura, do esporte e das fofocas mais sórdidas possíveis.

‘Bar do Zizi’ foi durante décadas o ponto do viver coletivo, o ponto cultural, no sentido antropológico, mais importante da cidade de Porto Velho. No Bar do Zizi, se encontravam os artistas, jornalistas, políticos, professores, médicos, advogados, todos os profissionais possíveis, e, o pedinte, o religioso, o ateu, o blefado e o abonado. Lá era, como não poderia deixar de ser,  reduto do jornalista, famoso comunista, Dionísio Xavier – o velho Dió.

Naquela tarde ao chegar ao bar, estavam lá entre tantos, o professor José Aldemir Saldanha, o popular Pereca. Aldemir é meu amigo de adolescência no bairro do Areal. Estudamos juntos no colégio Dom Bosco, fomos seminaristas juntos no Dom Bosco de Manaus, meu parceiro em algumas músicas, ou seja, um amigo. Fui sentar-me na sua mesa. Na mesa tinha um senhor franzino, barba e cabelos brancos. Fui apresentado a figura pelo amigo Aldemir – “Dadá seu Dió, jornalista e comunista”. Dali pra frente sempre estávamos, eu e Dió, batendo papo e discutindo política no Bar do Zizi. A esposa do José Aldemir, dona Eliana, é filha de criação do velho Dió.

Na época que conheci o velho Dió, eu tinha acabado de chegar de Manaus, onde cursei graduação em jornalismo. O Dió também era jornalista, e, mais, eu era militante do Partidão, partido onde o velho Dió já havia militado nos tempos de chumbo da ditadura militar.  Lembro que nós estávamos eufóricos, vivíamos a abertura democrática. Todos nós que tínhamos lutado contra o regime de exceção achávamos que estava chegando o Brasil que tínhamos sonhado.

O bom de conversar com o Dió era que ele era um comunista esclarecido. Eu ficava impressionado com a capacidade de raciocínio e de análise do velho comunista. Ficava pensando como um homem que tinha sido formado pela linha dura do Partidão (Lênin, Stalin etc.) tinha a cabeça tão aberta para as novas ideias. Discutia todos os assuntos sem discriminação. E dava opiniões e as vezes sugestões brilhantes sobre qualquer assunto.

Lembro-me que uma vez ele aconselhou-me a ler o livro “Os Donos do Poder”,  do sociólogo, jurista e cientista político Raymundo Faoro, onde se estuda a formação do patronato político brasileiro. Uma obra extraordinária para quem busca conhecer politicamente o Brasil. Sem sombra de dúvidas, uma das melhores sugestões que aceitei na vida. É simplesmente impactante a experiência da leitura de “Os Donos do Poder”. Não precisa dizer que essa leitura levou-me a várias discussões com o velho Dió sobre a situação política do Brasil.

AFINAL QUEM É O DÍÓ?

“Perseguido, espancado e ameaçado de morte, o saudoso comunista acreano Dionísio Xavier Silveira, o Dió, nascido em sete de outubro de 1925, não abriu mão dos seus princípios durante o tempo em que escreveu e imprimiu artesanalmente A Palavra (2), numa velha tipografia instalada numa casa de madeira do Bairro Casa Preta, em Vila Rondônia (antigo nome de Ji-Paraná), a 370 quilômetros de Porto Velho”, escreveu o jornalista Montezuma Cruz sobre o Dió. Mas tem muito mais. A história do comunista Dió, dá, sem sombras de dúvidas, um belo livro.

Quando estava trabalhando no Superintendência do Ministério do Trabalho/RO, meu amigo, jornalista, poeta e compositor popular, Antônio Serpa do Amaral, o Basinho, levou lá no trabalho um senhor que estava fazendo pesquisa para realização de um vídeo, que depois foi denominado “Caçambada Cutuba” (3). O jornalista e cineasta era o Zola, filho do velho Dió. Queria me conhecer por ter militado no Partidão e ter sido amigo do seu pai.  Conversamos muito sobre o velho Dió.

O Dió todo ano ia ao Rio de Janeiro. Uma vez, depois de voltar do Rio, encontrei-me com ele no Bar do Zizi. Ele tira de um envelope uma foto (13X18) dele, ao lado da estátua do mestre Pixinguinha, que fica localizada na Rua do Ouvidor, no Centro do Rio de Janeiro. “Trouxe pra você”, e estendeu a mão entregando a fotografia.  No verso uma bela e singela dedicatória – estilo Pixinguinha. Gardo com carinho comigo esse presente. Quando a olho e leio a dedicatória, sinto o abraço sincero e amigo do camarada Dió.

(1)    Adaídes Batista, Dadá, jornalista, poeta, compositor, membro da academia de Letras de Rondônia

(2)     A Palavra, semanário em Porto Velho na década de 1970, depois em Vila Rondônia (Ji-Paraná), pertencia ao seringalista Samuel Garcia

(3)     Caçambada Cutuba, um causo da disputa política dos tempos do Território na década de 1960

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