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Entrevista

Deputado Eduardo Valverde (PT-RO): pré-sal é fruto de opção política



O deputado Eduardo Valverde (PT-RO) entende de petróleo. Na década de 1970, trabalhou como chefe de máquinas da extinta Frota Nacional de Petroleiros. Ele costumava passar 45 dias em alto mar, embarcado em navios que partiam vazios do Brasil e voltavam carregados de toneladas de óleo cru importado do Golfo Pérsico.
Em 2007, quando foi anunciada a descoberta da camada pré-sal, Valverde iniciava o segundo mandato como deputado federal. Na ocasião, ele apresentou um projeto de lei que ganhou contornos proféticos. O texto prevê o regime de partilha para a exploração das novas jazidas de petróleo e gás. O modelo é idêntico ao novo marco regulatório do pré-sal, enviado neste mês pelo Poder Executivo ao Congresso Nacional.
Nesta entrevista exclusiva ao InformesPT, o parlamentar explica as vantagens do regime de partilha e critica o “jogo ideológico” da oposição contra o pré-sal. “Na verdade, a disputa é política, não é técnica. Os partidos de oposição adotam um discurso insustentável”, afirma.
Para Eduardo Valverde, a exploração do pré-sal é resultado de uma opção política do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. O deputado entende que a exploração do petróleo não impede o desenvolvimento de fontes alternativas de energia e sugere que os recursos oriundos do pré-sal financiem a pesquisa de matrizes limpas, como o biodiesel.

Informes – O senhor apresentou há dois anos um projeto de lei (2.502/07) que prevê o regime de partilha para o pré-sal. O conteúdo é idêntico ao projeto encaminhado agora pelo Poder Executivo. O senhor tem bola de cristal ou está na cara que essa é a melhor opção para a exploração do petróleo naquela área?
Eduardo Valverde – Quando surgiu a informação sobre a descoberta do pré-sal, fui pesquisar a legislação dos países que têm grandes reservas de petróleo. Em sua grande maioria, eles adotam esse modelo. Não que seja mais lucrativo ou que traga um retorno maior. Até porque, no regime de concessão, se você elevar a participação especial e os royalties, você pode ter o mesmo retorno que teria com o regime de partilha. O que faz a diferença é a condição de o Estado gerenciar melhor esse recurso estratégico. O Estado é o proprietário do produto final. No regime de concessão, o proprietário do produto é a empresa petroleira, que fica com o resultado da exploração. A decisão sobre o uso do petróleo fica com a petroleira, que pode aumentar ou diminuir a produção de acordo com seus interesses comerciais. Podemos tomar como exemplo o caso de Cingapura, que era um grande exportador de petróleo. O país exportava petróleo a dois dólares, e hoje importa petróleo a sessenta dólares porque esgotou suas reservas em pouco tempo. Então, a transferência da gestão para o Estado traria uma maior segurança e uma condição de gerenciar melhor esse recurso esgotável, a energia, que é estratégica para o País.

Informes – Há outras desvantagens com a exploração do pré-sal pelo regime de concessão?

Valverde – Sim. O regime de concessão acirra a disputa federativa. Há um modelo estabelecido, em que estados e municípios próximos aos poços de petróleo recebem pagamento de participação especial e royalties, em detrimento dos demais entes. Ocorre um desequilíbrio federativo, porque se beneficia exclusivamente uma região e se deixa de atender as outras, mesmo que a União possa distribuir sua parte com os demais estados e municípios. Há uma concentração muito grande de recursos financeiros advindos do petróleo nas regiões litorâneas onde existem as jazidas. Caso não houvesse a mudança para o regime de partilha, haveria o acirramento do desequilíbrio regional brasileiro. Além disso, o regime de partilha pode evitar a chamada doença holandesa (conceito econômico que estabelece relação entre a exploração de recursos naturais e o declínio do setor industrial). Com a supervenda de petróleo, você irriga o mercado de dólares, cria uma dependência a esse único produto e quebra toda a cadeia das demais atividades econômicas industriais. Com o gerenciamento e o planejamento pelo Estado, você tem condição de fomentar outras atividades econômicas e utilizar o recurso energético de maneira a conciliar as diversas ações de política industrial. Como há recursos abundantes, o País não pode ser tentado a ter uma política voltada exclusivamente ao petróleo e esquecer as demais políticas industriais.
Informes – Uma das críticas da oposição é de que, com o regime de partilha, os investidores estrangeiros não teriam interesse em aplicar dinheiro no pré-sal. Isso faz algum sentido?
Valverde – Não. O petróleo é hoje uma atividade extremamente lucrativa. Em qualquer fatia, eles (investidores estrangeiros) estariam presentes porque a lucratividade é imensa. A tendência é o custo declinante. No momento em que incorpora novas tecnologias, você reduz o custo de produção. Então, você aumenta a margem de lucratividade, mesmo que a fatia do bolo seja menor. É o que ocorre hoje nos outros países que têm regime de partilha.
Informes – Que outros países? 

Valverde – Arábia Saudita, Venezuela e Catar, por exemplo. Vão dizer: “Ah, mas são países pobres”. Tudo bem: são países pobres porque gerenciam mal seus recursos petroleiros. Não é o tipo de regime que leva um país a ser atrasado política ou democraticamente, mas sim o mal uso dos recursos. A Natureza não foi perversa com os países pobres. Foi até benéfica. Só que a estrutura democrática e a participação da sociedade no gerenciamento desses recursos acabam não sendo perfeitas. Isso leva ao empoderamento de uma elite, como ocorria na Venezuela no passado e como ocorre hoje na Arábia Saudita. Uma nobreza semifeudal acaba gerenciando e aplicando mal esses recursos. Isso não se aplica de forma direta do Brasil, que é uma democracia consolidada e tem um sistema de freios e contrapesos em funcionamento. Esse argumento da oposição não se sustenta. Não no caso do Brasil.
Informes – É por acaso que a exploração do pré-sal se dá na gestão do presidente Lula, ou o atual governo buscou fortalecer a estrutura democrática do País e a capacidade técnica da Petrobras?

Valverde – O pré-sal é fruto de um processo. É fruto de uma opção política. O governo resolveu fortalecer estrategicamente o papel do Estado como um elemento indutor e planejador do desenvolvimento. Se fosse outro o corte ideológico do governo, certamente seriam diferentes as opções: fortaleceria o segmento mais empoderado da sociedade e deixaria por conta do mercado o gerenciamento do petróleo. Mas nós já sabemos qual é o resultado disso: é a concentração de renda na mão de pouca gente. A opção do governo de mudar completamente o marco regulatório da exploração do petróleo na camada pré-sal atendeu a este viés: fortalecimento do Estado, recuperação da capacidade de gerenciamento, melhor distribuição dos recursos oriundos da produção do petróleo e fortalecimento do setor industrial, para que o País não dependa exclusivamente de recursos esgotáveis. Até porque o petróleo, em certo momento, vai ter um uso proibitivo – não por conta do custo, mas por conta das emissões de gases que ele provoca. Certamente o Brasil vai ter que investir em fontes de energia limpa.
Informes – O presidente Lula afirmou no início do governo que seria o maior defensor do uso do biodiesel ao redor do mundo. Existe alguma incompatibilidade entre a exploração do pré-sal e a defesa de uma energia limpa?

Valverde – Não há incompatibilidade, mas, para isso, é preciso eliminar esse conflito. Se o Brasil focar tão-somente no petróleo, vai abandonar a pesquisa e o desenvolvimento tecnológico de outras fontes de energia. Por isso, é importante o Estado puxar para si o gerenciamento do pré-sal. O Estado vai fazer a conciliação entre essas duas decisões estratégicas: extrair o petróleo da camada pré-sal, de forma que a renda gerada possa financiar o desenvolvimento de novas tecnologias e a utilização de matrizes mais limpas de energia. De um lado, o petróleo é esgotável, mas está dado. De outro, o biodiesel tem um uso imponderável, mas ainda depende de desenvolvimento. Acredito que uma matriz pode ajudar a desenvolver a outra.
Informes – Então o governo não abortou o biodiesel?

Valverde – Não abortou. Ao contrário, poderá estimular o biodiesel. Tanto que o Fundo Social proposto pelo Poder Executivo prevê o desenvolvimento tecnológico e a proteção do meio ambiente. É exatamente aquilo que se propõe com o uso do biodiesel, do etanol e de outras fontes que poderão ser desenvolvidas.
Informes – O projeto que prevê o regime de partilha já recebeu 362 emendas na Câmara. A oposição sugere, por exemplo, a volta do regime de concessão e a retirada da Petrobras como operadora do pré-sal. Qual é a intenção desse tipo de proposta?

Valverde – A oposição, na verdade, não compreende o atual modelo. Existe concessão para as áreas do pré-sal que já foram leiloadas. Não existe quebra de contrato. Agora, é preciso fazer a unitização dos campos. Ficam com o regime de concessão as áreas já licitadas. Aquelas que não foram licitadas ficam com o de partilha. Com relação à Petrobras, ela é hoje uma das poucas empresas petroleiras que detêm a tecnologia para a exploração de águas profundas. É natural que ela entre na exploração de todas as jazidas. Além disso, há a necessidade da presença de uma empresa estatal para que os interesses dos acionistas não prevaleçam sobre os interesses estratégicos do Estado. A Petrobras vai participar dos consórcios de exploração com o mínimo de 30%. Isso não quer dizer que os outros 70% não possam ser ocupados por parcerias com outras empresas. Não é vedada a a participação de outras companhias para prestar esse serviço.
Informes – O senhor acha que a oposição não entende ou faz de conta que não entende esse modelo?

Valverde – É um jogo ideológico. Na verdade, a disputa é política, não é técnica. Pelo viés técnico, todo mundo tem a certeza de que a Petrobras é quem tem a expertise. A oposição não quer dar o braço a torcer. Essa discussão ajudou a derrotar seu candidato a presidente (Geraldo Alckmin, nas eleições de 2006), que ficou patinando no tocante ao que faria com a Petrobras. Houve uma opção política da população de defender os interesses nacionais. Não é um nacionalismo exacerbado. É um interesse nacional republicano, que está sendo fortalecido. É o sentimento de Nação, de pertencimento, de visão de futuro.
Informes – A população tem dimensão da importância do pré-sal?
Valverde – Parte dela, sim. Mas o governo precisa divulgar mais. A discussão aqui no Congresso vai contribuir para o debate. A oposição vai apresentar seu contraponto, e isso vai expor nossas diferenças. Creio que eles (partidos de oposição) vão perder, porque adotam um discurso insustentável. Tanto é que a primeira estratégia deles foi não discutir o mérito dos projetos, mas obstruir as votações na Câmara.
Informes – O senhor é autor de um projeto de lei que condiciona a licitação de novos blocos de petróleo a uma aprovação prévia pelo Congresso Nacional. Isso é compatível com o novo marco regulatório do pré-sal?

Valverde – Essa proposta (5.430/09) está apensada ao projeto do regime de partilha do pré-sal. O Estado tem que conhecer suas reservas e definir o que fazer com elas. É necessário que o Congresso opine, para que a decisão final não fique por conta de um órgão burocrático, que pode ser capturado pelas empresas petroleiras. A aprovação pelo Congresso Nacional trará uma blindagem de segurança.
Informes – Em outro projeto (2.635/07), o senhor sugere a criação de um Fundo Nacional de Mudanças Climáticas. Como funcionaria esse fundo?

Valverde – A queima do petróleo causa uma consequência, que é a emissão de gases. A partir dos recursos da extração do petróleo, tido como grande vilão do efeito estufa, pretendemos criar um fundo nacional para enfrentar as mudanças climáticas e fomentar a sustentabilidade das florestas. Os recursos seriam aplicados na pesquisa de combustíveis alternativos e no incentivo a atividades econômicas que tenham um caráter limpo.
Informes – Uma última pergunta: na década de 1970, o senhor trabalhou na extinta Frota Nacional de Petroleiros. Vem daí essa preocupação com o petróleo?

Valverde – (Risos) Eu era marítimo, trabalhava em navio petroleiro. Saia do Brasil e ia para o Golfo Pérsico buscar petróleo. Eram 22 dias de viagem para ir e mais 22 dias para voltar. O navio era lento. Ficávamos horas embarcando e horas desembarcando petróleo. O canal do Mar Vermelho era minado. Os navios tinham que passar com um certo cuidado porque aquilo era perigoso. Tinha muita mina boiando na água. Em função dos conflitos na região, às vezes ficavam cem navios aguardando na fila para carregar. Muita coisa mudou no Brasil de lá para cá. Naquela época, o País era importador de petróleo. Hoje, somos autosuficientes e temos o pré-sal. 

Fonte: Ascom

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