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Curta “Kika Não Foi Convidada” destaca processo de formação de elenco mirim com oficinas, escuta sensível e código de conduta no set

Filme amazônico apostou em metodologias inovadoras para trabalhar temas como racismo e aporofobia com crianças, priorizando acolhimento, ética e proteção integral da infância


DIRETOR JURACI JÚNIOR E ELENCO INFANTIL - Gente de Opinião
DIRETOR JURACI JÚNIOR E ELENCO INFANTIL

O curta-metragem “Kika Não Foi Convidada”, escrito e dirigido por Juraci Júnior, está em fase final de edição e se prepara para a estreia nos próximos meses. Gravado na histórica Vila Candelária, em Porto Velho (RO), o filme aborda temas como racismo e aporofobia - termo que designa a aversão às pessoas pobres e à pobreza -, mas é o processo de produção, centrado na escuta, no respeito e na proteção da infância, que tem despertado interesse e reconhecimento no circuito audiovisual.

Inspirado em uma lembrança da infância do diretor, o filme narra as diferentes experiências de pertencimento e exclusão por meio da amizade entre Kika e Jordson, duas crianças que encontram uma na outra o poder de sonhar e resistir.

“Mais do que contar uma história, Kika Não Foi Convidada nasce do desejo de revisitar a infância pela lente da empatia e garantir que, dentro e fora da tela, as crianças fossem tratadas com o mesmo respeito que o filme propõe”, explica Juraci Júnior.

Guiado por esse princípio, o processo de seleção do elenco ocorreu de forma não convencional. Foram realizadas oficinas teatrais em escolas e associações de Porto Velho, conduzidas de maneira lúdica, não como testes ou audições, mas como brincadeiras, para evitar ansiedade ou frustração entre as crianças, com idades entre 8 e 12 anos.

“A ideia era que elas brincassem, se expressassem e se divertissem. Só depois souberam que aquelas dinâmicas faziam parte do processo de preparação do elenco”, conta Juraci.

A metodologia buscou garantir um ambiente de segurança e acolhimento, onde as crianças pudessem expressar suas emoções com liberdade. Para o diretor, o projeto reafirma o compromisso da equipe com um cinema amazônico feito a partir da escuta e do respeito, construindo pontes entre arte, educação e desenvolvimento humano.

ELENCO INFANTIL COM PSICÓLOGA ANNE CLEYANNE - Gente de Opinião
ELENCO INFANTIL COM PSICÓLOGA ANNE CLEYANNE

Preparação psicológica

Para tratar de temas delicados como racismo e aporofobia de forma ética e cuidadosa, a produção contou com acompanhamento psicológico e pedagógico especializado. Antes das filmagens, a psicóloga Anne Cleyanne, especialista em atendimento a crianças e adolescentes - que também acompanhou o processo de seleção -, conduziu rodas de conversa e oficinas sobre letramento racial, o histórico do racismo no Brasil e a análise de emoções, envolvendo o elenco mirim e toda a equipe técnica do filme.

Segundo Anne, o processo foi pensado para que as crianças compreendessem emocionalmente o que seus personagens viviam, sem se sentirem expostas ou sobrecarregadas. “O filme trata de questões que, no aspecto psicológico e emocional, são pesadas. Estamos falando de uma criança que sofreu racismo, exclusão e rejeição, e de outra que, pela inocência, ainda não via essas distinções”, explica, citando os personagens Kika e Enzo.

ELENCO INFANTIL EM ATIVIDADES LÚDICAS 2 - Gente de Opinião
ELENCO INFANTIL EM ATIVIDADES LÚDICAS 2

As oficinas foram realizadas de forma lúdica e interativa, com dinâmicas de colagem, pintura e rodas de conversa. “A ideia era que, dentro da idade deles, pudessem começar a entender o que é o racismo e a aporofobia, refletindo sobre por que algumas pessoas são tratadas de forma diferente apenas por sua aparência ou condição social”, detalha Anne.

Após essa etapa, o trabalho avançou para o campo das emoções, com atividades que ajudaram as crianças a identificar o que cada personagem sentia em diferentes momentos da história. “Trabalhamos expressões emocionais e empatia, para que eles entendessem o que os personagens viviam e conseguissem expressar isso com verdade, mas sempre com leveza, segurança e acompanhamento constante”, complementa a psicóloga.

O processo, segundo ela, foi essencial para que o elenco mirim transmitisse a mensagem central da obra. “O filme convida o público a não permitir que novas ‘Kikas’ sejam tratadas com exclusão. Que cada criança possa ser vista e respeitada em sua singularidade”, conclui.

Direitos das infâncias resguardados

Para garantir um ambiente de gravação saudável e seguro, a equipe técnica recebeu treinamento prévio e foi orientada a partir de um Código de Conduta elaborado exclusivamente para o projeto. O documento definiu três princípios fundamentais para o convívio e o trabalho com o elenco infantil, como: Proteção Integral, garantindo o direito da criança de ser protegida de qualquer forma de negligência, exploração, violência ou exposição indevida; Respeito à Infância, reconhecendo que a criança não é um “mini adulto”, mas um sujeito de direitos com tempo, corpo e emoções próprias; e o Consentimento Informado, assegurando que a participação estivesse condicionada à autorização formal dos responsáveis e ao assentimento direto e voluntário da criança.

CENA DO FILME - Gente de Opinião
CENA DO FILME

Segundo a advogada Thais Sales, especialista em audiovisual, cinema e artes, e consultora do projeto, a presença de crianças e adolescentes em obras audiovisuais exige atenção redobrada, em cumprimento às diretrizes do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA).

Esses cuidados, explica Thais, envolvem desde a segurança no set, com a presença de profissionais de saúde quando necessário, por exemplo, até o respeito aos intervalos para alimentação, descanso e lazer, além da obrigatoriedade da presença de um responsável legal durante todo o período de filmagens.

A advogada destaca que essas normas foram integralmente observadas pela equipe de Kika, que construiu um ambiente de trabalho guiado pela ética e pela proteção integral, especialmente por se tratar de um curta protagonizado majoritariamente por crianças e adolescentes.

Embora o ECA proíba o trabalho infantil, ressalta Thais, a participação de crianças e adolescentes em obras audiovisuais integra o direito fundamental de acesso à cultura. Um direito que não se restringe ao consumo, mas também inclui o direito de produzir, criar e de se expressar artisticamente. “O direito à cultura não se limita a assistir, ler ou ouvir, mas também a fazer, a criar, a estar no centro do processo artístico”, finaliza a advogada.

O curta Kika Não Foi Convidada foi vencedor do 25º Laboratório de Projetos de Curta-Metragem do Festival Curta Cinema (RJ) e contemplado pelo Edital nº 01/2024 - SEJUCEL - Audiovisual - Bolsas para Artes em Vídeo - Lei Paulo Gustavo.

A obra ainda não tem data de estreia para o grande público, mas no dia 24 de outubro terá uma audição especial para o elenco e equipe técnica. Para saber mais, acompanhe @kikanaofoiconvidada no Instagram.

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