Segunda-feira, 22 de julho de 2019 - 19h05
Desconheço até o momento análise
aprofundada sobre o fenômeno fascista que se instalou no biênio 2018/19 no
país, ou, como querem alguns, o protofascismo, no sentido de sempre haver um
broto, uma semente, uma centelha, um cio a copular com a barbárie.
É
certo que nos inspiramos no tipo antissocial estadunidense, copiando a
tecnologia utilizada das redes sociais, o vexame em público como estandarte
para os seguimentos empobrecidos ou de “cultura negativa” (quer dizer reacionária),
o retrocesso aplicado ao processo civilizatório – justificação e apoio ao
racismo, machismo, nepotismo, feminício, ódio, preconceitos e intolerância aos
direitos humanos –, a degeneração da normalização do Estado de Direito e da
Constituição, os ataques à cultura, à educação e ao bom senso, o sem-sentido
negador da realidade e da obviedade, a negação e a posterior privatização do
espaço público: da Polis, da Política. E tantas outras mazelas.
Também
é correta a afirmação de que se trata de um fenômeno global com o
recrudescimento da “cultura negativa” pelo mundo afora. Do neocolonialismo nos
EUA à xenofobia que alimenta partidos neonazistas no continente europeu. Do
mesmo modo, ainda é preciso avaliar que a chamada fase da financeirização do
capital, em que o chão de fábrica não é mais regente/regido no sistema
produtivo, mas sim a monetarização, a especulação, a desintegração das relações
trabalhistas, nos legaram a certeza de que a “liquidez” dos ganhos e da
acumulação não vigora mais nas mãos do capitalista tradicional – o capitão da
indústria que acreditava que “o porco cresce com o olho do dono” e assim
“crescia com seu negócio”. Mesmo porque as ações ao portador são binárias e
virtuais. Ninguém leva para casa ações compradas nas Bolsas de Valores.
A
isto ainda é preciso agregar o dado de que esta forma de “liquidez do capital”
exige enorme velocidade e solvência (vale pensar em “Time is Money”), compra-se
de manhã para vender no começo da tarde. Este é o modelo do empreendedorismo
financista, a obrigar que as relações humanas entrem, igualmente, em colapso nesta
era de programação para explorar: a privatização, a terceirização, a
uberização, que aceleram o tempo, os vínculos e o consumo. A crescente taxa de
depreciação das coisas, a necessidade (compulsão) de trocar os objetos de
consumo, a obsolescência de tudo, caminham lado a lado com a fluidez que as
tecnologias de redes sociais exprimem e alimentam fluidamente.
Concordo
com tudo isto, porém, no sentido do protofascismo – uma espécie de “tipo social”
agregador e reprodutivo –, outras características são somadas: mitologia,
ideologia, psicopatia, atavismo, segregacionismo, irracionalidade, racismo.
No
caso nacional, desde a colonização, implementamos um regime produtivo
relativamente próprio, capaz de combinar o capitalismo e a escravidão. Esta
contradição entre os termos foi possível porque o mercado consumidor estava na
Europa; então, o consumo e a geração de riquezas – o “círculo virtuoso” do
capital – não estava aqui e, portanto, o trabalho livre (gerador de renda e
consumo) também poderia estar distante.
Este
regime nos revelou inúmeras características: da incapacidade de fixação,
adensamento cultural, aldeamentos, formação de identificações sociais e
culturais, “fluidez” que acompanha o esgotamento da terra e dos recursos
naturais, à inculcação racista de que o trabalho é desqualificado. Isto,
evidentemente, está em grande moda. Certos fetichismos advêm dessa estrutura,
como a violação das mulheres negras no esteio da miscigenação, ao lado do
controle de uma moral religiosa. No passado esteve a cargo da Igreja Católica,
hoje atende por neopentacostalismo – este está mais adaptado à ética
protestante do espírito capitalista porque condena e revoga o “crime da usura”.
Se antes se pagava pelos pecados (indulgências), hoje se compra a salvação.
Além
disso, e este é o X da questão, os herdeiros da escravidão nunca foram, e pelo
andar da carroça nunca serão, indenizados de qualquer forma pelo aviltamento
que seguiu direto de seus ancestrais até o descalabro contemporâneo. É tão
grave a conotação racista nacional que se paga pelo branqueamento da pele ou
das famílias. Algumas autoridades chegam a celebrar publicamente que seus
descendentes são mais brancos, do que a origem que ele representa. Do mesmo
modo, os nordestinos – chamados pelo presidente eleito de “paraíbas” – somam-se
aos negros, quilombolas, sem-terras e sem-tetos, aos miseráveis e ao
lumpesinato, lutando para sobreviver contra o Estado nos semáforos, nas
favelas, nas ocupações.
Quando
olhamos para tudo isso e identificamos um padrão, porque “sempre foi assim”,
justificando-se e “naturalizando” o pecado da formação social e cultural,
sacramentando-se a hipocrisia de que não há racismo institucional (“não quero
aqui ´denegrir´ ninguém”, diz o poder), é porque soubemos, como ninguém,
alicerçar e aliançar o racismo com o protofascismo. O “bandido bom é bandido
morto” só se refere aos pobres e aos negros – especialmente os fugidos da
“senzala” e que não se dobram à Casa Grande. Nosso racial-fascismo implementou
como pós-moderno, em resgate ao seu atavismo, a exclusão e a eliminação dos que
considera “sem eira, nem beira”: sem casa, sem rococó, sem comida, sem chance
para matar a fome.
Por
isso, 2018/2019 segue sendo a justificação e a normalização do abominável.
Vinício Carrilho Martinez (Pós-Doutor em Ciência
Política e em Direito)
Professor
Associado II da Universidade Federal de São Carlos – UFSCar
Departamento
de Educação- Ded/CECH
Programa de
Pós-Graduação em Ciência, Tecnologia e Sociedade/PPGCTS
Hoje não é Dia da Criança. Ou melhor, todo dia é dia da criança – e é nosso dever denunciar, lutar e combater o trabalho infantil. Afinal
Forma-Estado na Constituição Federal de 1988
No texto, relacionamos algumas tipologias do Estado (Teoria Geral do Estado) com suas subsunções no Direito Constitucional brasileiro, especialmente
Em primeiro lugar, temos que verificar que sempre se trata de uma Autoeducação Política. Parte-se do entendimento de que sem a predisposição individ
O Livro Teorias do Estado: Estado Moderno e Estado Direito
A Teoria do Estado sob a Ótica da Teoria Política, do professor Vinício Carrilho Martinez - oferece uma leitura acessível e profunda na formação, es