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Gente de Opinião

Vinício Carrilho

Para uma Teoria do Estado Moderno - 1


O Direito como fenômeno social é uma Ciência Social que procura analisar influências da Interação Social, a partir de padrões de causalidade ou de contradições, antagonismos e exclusões sociais que modificam os processos vitais de inclusão na Estrutura Social.

Assim, qual a razão em estudar e entender o que é o direito? A razão dessa escolha social está na própria história da razão que envolve o direito. Que tipo de racionalidade, de instrumentos técnicos e jurídicos, que recursos científicos foram sendo sedimentados e que nos permitiram visualizar a fixação do direito como ciência social?

I O direito é um fenômeno social

A questão jurídica mais relevanteé indagar como isto se reflete na vida comum e na esfera pública, se entendermos o papel distintivo que o Estado e as demais instituições públicas exercem sobre cada um. Porém, as explicações não são tão simples ou não devem ser simplificadas em excesso, sob pena de perdermos a compreensão de fundo, substancial, sobre a realidade que governa todos os fenômenos humanos. O que nos leva a desafio colocado neste texto, retroagir a história, a fim de verificar em que bases nós, ocidentais, construímos a ciência, o Estado e o direito moderno. A fim de alcançar um efeito didático, organizamos o texto em subitens que procuram guardar certa lógica e coerência entre si. Como se sabe, uma ciência se compreende por seu objeto e, sendo assim, vejamos o objeto que nos interessa na abordagem do direito como fenômeno social.
 

II Objeto:

1.Interação Social: mínimo de sociabilidade, dependência e ajuda mútua.

A análise sociológica ressalta os níveis de interação – inter-ação – da capacidade de convivência (convivialidade) e de internalização, aceitação acrítica e ajustamento às regras sociais. Como sociabilidade, a interação é marcada pelos conflitos de interesses não-antagônicos, ainda que sejam relações contraditórias e de oposição na base dos interesses individuais, de grupos ou classes. Por isso, a sociabilidade produz uma tolerância à diversidade cultural, social, política, religiosa e este fenômeno social impulsiona a alteridade, como aceitação do Outro, e impõe uma racionalidade em que as regras sociais estão ajustadas às normas jurídico-institucionais. Neste sentido, a interação indica a pulsão de um determinado ethos, como objetivação do ideal social. Todavia, a análise social, a partir dos níveis de interação, também se pauta pelos processos sociais de inconformismo (anomia) e desejo de mudanças (esperadas ou antecipadas), movidos por meio de ações e relações sociais pacíficas ou revolucionárias, do status quo e das instituições e estruturas sociais, especialmente diante da necessidade de superação das contradições sociais, econômicas, políticas e culturais. Neste determinado momento histórico, os níveis de conformismo social se rompem e a interação se recompõe por força das transformações estruturais inadiáveis que são necessárias, determinadas e independentes das vontades individuais ou de grupos sociais.

Temas correlatos, portanto, são a regulação e a emancipação social. Normalmente, regulação vem associada a controle e as formas de controle podem ser variadas. Há controle social pela ideologia ("a propriedade é sagrada, não mexam"), política ("as regras do jogo só podem ser alteradas pelos meios políticos adequados: parlamento"), economia ("trabalho e disciplina é o caminho do sucesso"), religião (“Deus ajuda a quem madruga”), direito (“direito sem coerção não é nada”), educação (“aprimore seu know How”), comunicação (“divulgue apenas o que o povo possa entender”). Emancipação, tal qual dos indivíduos se vistos isoladamente, requer meios que suprimam a tutela estatal sobre grupos, camadas e classes sociais. Há emancipação social em fórmulas mais liberais, como “permitir” que haja mediação a fim de que se resolvam alguns itens da vida social. E há vias mais ousadas ou radicais que exigem a desconstrução da hierarquia social e a sublevação das estruturas e do status quo. Neste caso, podemos pensar no momento atual porque passa boa parte do mundo árabe e no norte da África, com revoltas, revoluções culturais e guerras civis. Hoje, diante do acúmulo de crises, institucional (Estado) e sistêmica (sociedade), os aportes repressivos perdem cada vez mais legitimidade, ainda que o uso da força (física) possa ter efeito imediato. A junção das consequências globais das duas crises é sentida como uma espécie de crise de civilização, de significados, de referências, de vida e de morte.
 

2.Sociologia Jurídica: interação, normas sociais e regras jurídicas.

Como empatia ou entropia, a análise sociológica ainda pode destacar temas mais específicos como o poder, a política, a própria cultura e o direito seu próprio Estado. Para a sociologia, o Direito e a lei surgem como um conjunto de práticas sociais historicamente situadas. As práticas jurídicas como um conjunto abrangente e heterogêneo de práticas institucionais normativas, articuladas também de modo complexo com as demais instituições sociais. Discrepâncias quanto aos “usos” do Direito e das “funções públicas”, sob a imposição do assim chamado Estado Penal. Um caso evidente de desvio do Estado de Direito, da legitimidade democrática e da Justiça Social. O direito social é imanente, pré ou para-estatal, a exemplo da experiência do Balcão de direitos no Rio de Janeiro. De outro modo, a politização do Direito desvela-se como demonstração da intencionalidade humana – a política como fonte do Direito. Da representação social parcial à positivação (universalização) da intervenção legislativa. Direito e poder ou o direito que é poder?

Como parte do fenômeno jurídico, a Sociologia permite pensar a formação da nação – como superação das contradições sociais – e o povo, agora como categoria, elemento e sujeito histórico, e que pode ser entendido como a entidade jurídica originária de um contrato social. Como Sociologia do Direito, observam-se os aspectos sociais e político-jurídicos, a exemplo da necessária solidariedade que dá origem a qualquer sociedade e que surge organizada a partir de um conjunto de pessoas. Através do expresso ou implícito consentimento jurídico (pacto jurídico ou momento jurídico prevalecente à unificação e constituição do Estado e certamente anterior ao sentido de ordenamento jurídico), estabelece-se e se pactua uma espécie de união jurídica inicial (poder de constituir o Estado e suas diretrizes – o próprio Poder Constituinte), tendo por finalidade a coesão social (coação e coerção social). Ideologicamente, o poder e o direito são justificados pela chamada busca do bem comum e que deve ser assegurado pelo Estado. Definido de forma objetiva, vale dizer jurídica, povo equivale ao conjunto dos sujeitos históricos (nem sempre cidadãos: juridicamente, cidadão = eleitor), tendo-se em conta que cada sujeito é uma pessoa humana participante da autoridade soberana do poder popular.

Assim, a sociologia do direito pode destacar a autoridade baseada no reconhecimento social que destaca legitimidade porque o saber é constituído de forma compartilhada, dialogada, intervindo o contraditório. Com o conhecimento social produzido com a aproximação entre as pessoas e as comunidades, os aparelhos repressores de Estado se veem modificados em instrumentos institucionais de negociação: a presença ostensiva se converte em presença constante. A meritocracia (hierarquia do conhecimento), ao contrário, não resolve por si a questão uma vez que sem as mediações dos sujeitos, formas constitutivas de mecanismos de comunicação aberta, a hierarquia destacada pelo “saber acumulado” denota elitismo e estratificação. Deste modo, compartilhar o conhecimento é estabelecer o princípio democrático, erigido pela isonomia dos discursos. A lógica presente na mera imposição hierárquica na ordem de comando (Segurança Pública e demais aparelhos repressivos do Estado) não condiz com a expansão horizontal do conhecimento, porque também acumula “segredos de Estado”. A lógica própria à Razão de Estado não admite a comunicação e divulgação, de tal modo que os discursos são aprisionados na estrutura mecanicista do comando, via de regra ofuscado por suposto mérito. Desse modo, vê-se que o leque analítico tanto permite investigar e entender o Direito como resultante de um processo político e social – sociedades sem o Estado (primeiras ou primitivas) ou sociedades contra o Estado (Estado e poder paralelo) –, quanto visualizar o surgimento e as potencialidades de novos direitos e de novos sujeitos de direitos: pluralismo jurídico.

O mutualismo (para alguns cooperativismo) equilibra-se entre a interação e a entropia social. Porém, pode-se valer da entropia econômica do capitalismo para produzir Solidariedade e humanismo. A entropia econômica, apesar de ser hegemônica – enraizar-se por entre todas as frestas da sociedade e de sua cultura, nas relações sociais, na psique humana, na formação intelectiva e lógica do ser humano – não aniquila por completo os sentimentos e valores humanos. As primeiras explicações sociológicas dão conta que primeiro pacto (Hobbes) ou contrato (Rousseau), se ocorreram, eram de natureza constitutiva da sociedade, como se fossem realmente um contrato social, nos moldes do clássico contratualismo jusnaturalista. Desse modo, as articulações, associações derivadas (como vemos hoje em dia os convênios ou acordos e parcerias presente-futuras) não podem, é óbvio, escusar-se de seguir o mote original baseado na Liberdade de escolha e na legitimidade e responsabilidade social advinda da capacidade de contratuar com o Outro.

Também é curioso de se perceber que o contrato original, se balisado pela Liberdade de escolha de cada um, deveria justamente limitar daí por diante a Liberdade de todos. O contrato impôs, por meio de ação livre, a limitação da própria liberdade. De acordo com o mutualismo, ao se referir expressamente a quando, onde, como, quanto e quem, o princípio atrelado à interação social acentua a necessária formação de uma espécie de Lide Social – não como contraditório, mas sim na forma de uma súmula ou síntese das articulações entre a teoria e a prática associadas à produção e ao trabalho de edificação social. É evidente que não há que se falar em autonomia sem Liberdade, porém, não se justifica a autonomia sem crescimento do coletivo, sem amadurecimento social. Então, combinando-se e vivenciando-se na prática diária da produção colegiada, os princípios do cooperativismo asseguram-se do mutualismo, de um crescimento entre seus pares, da mesma forma que os indivíduos e cidadãos são cônscios das mudanças e alterações ocorridas e perpetradas no entorno social. Isto é, tudo o que nos modifica e nos consolida internamente, por força da dinâmica social, interage e subverte o status quo. Por força do mutualismo, a entropia cultural e econômica se modificam, solidificam-se, ou melhor, convertem-se em Solidariedade (solidus).

  • Desenvolver práticas (reais e virtuais) interativas que favoreçam e estimulem a concepção de que o “direito de acesso aos bens culturais, tecnológicos e científicos” constitui um direito humano fundamental, posto que corrobora com a elaboração das “inteligências coletivas ou das razões interativas” e assim possam incentivar o desenvolvimento e a produção de mensagens políticas dos variados grupos, camadas, estratos e classes sociais;

 Vinício Carrilho Martinez
Professor Adjunto II da Universidade Federal de Rondônia
Departamento de Ciências Jurídicas
Doutor pela Universidade de São Paulo
 

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