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Vinício Carrilho

(OK) Porque a greve continua: ‘Algumas lições do mensalão’


As próximas semanas serão reveladoras para a história política e institucional brasileira. O famoso julgamento do mensalão mostrará a independência do Judiciário para avaliar o banditismo político. Neste momento, o Poder Executivo está dividido entre atender ao movimento grevista no serviço público e tampar as fissuras das cachoeiras e do mensalão. Porém, o que o mensalão tem que ver com a greve na educação pública superior federal?

Já se sabe que os crimes foram cometidos contra os cofres públicos – corrupção ativa e passiva, peculato, formação de quadrilha – e que alguns, políticos e empresários, sairão com as pulseiras da polícia. Para o Brasil, tanto o mensalão quanto a CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito Mista) do Cachoeira são bem vindas, e benéficas para a República, porque revigoram a confiança do povo na salus publica. É isso mesmo, a política também tem saúde e tanto pode melhorar quanto piorar.

O julgamento do mensalão tem que ver com este movimento grevista, porque a saúde da República brasileira só vai melhorar com educação de qualidade. Para entender, comparativamente, tomemos um exemplo do mensalão que surrupiou milhões de reais do povo brasileiro. Um servidor do Supremo Tribunal Federal (STF) que leva cafezinho aos ministros, enquanto julgam o Mensalão, ganha duas vezes mais do que um doutor em regime de dedicação exclusiva na universidade federal. Os chamados “capinhas”,porque portam uma capa preta no plenário,recebem mais de 12 mil reais por mês – e só tem graduação.

No Brasil, infelizmente, professor(a) não têm capa preta, não é sangue-puro que faça valer sua força e se impor com respeito social. No máximo, somos bons marchadores, como mangas largas para carregar bastante peso. Não desistimos de nossa vocação, de nosso trabalho, de nossas convicções, mas a realidade nos força à análise realista, sem as dissimulações de uma suposta missão educacional. Nossa vocação vem do trabalho e é por reconhecer o alcance humano do que fazemos que ainda continuamos.

Há alguns nichos de excelência em que poucos medalhões ditam seus salários. São instituições particulares e se dedicam à formação de determinadas elites, mas fora dessas exceções, notadamente no ensino público federal, as condições são terríveis. É por isso que alunos inadvertidos nos perguntam: “tá professor(a), o(a) senhor(a) dá aulas, mas trabalha em que?”. Os jovens sabem que não se escolhe uma profissão como a de professor com livre consciência, como alguém que realmente quer construir uma carreira. Os jovens sabem que a educação pública, no Brasil, não dá camisas a ninguém. Gostaríamos que estivessem errados, mas estão certos: corpo docente é corpo doente.

Sabemos perfeitamente que educar é educare, ou seja, exatamente revelar. Desse modo, quem educa, revela, e só é capaz de se educar ou de ser educado, aquele que soube aprender a revelar, porque precisa revelar a si próprio. Não é possível que continuemos em pleno século XXI almejando a quinta economia mundial, mas escondendo, jogando para debaixo do tapete as reais origens da crise que nos ameaça.

O que nos ameaça não é a crise de solvência (calote generalizado) que fustiga a Europa, nossa crise é de consciência. O país cresce dentro de um gargalo porque não tem profissionais qualificados, porque a universidade pública está jogada a quinto plano. Todos sabem que não nos formamos, que não revelamos nossas capacidades e, portanto, há consciência do feito; mas, a ignorância política, a truculência do gestor público ignora as necessidades e as reivindicações das universidades públicas.

Do que depreende uma conclusão lógica: não é difícil perceber que a educação tem de atingir o detentor do poder, como gestor público. Primeiro, para que este gestor saiba que o poder não lhe pertence, que está ali para cumprir uma função pública designada e regulada por lei. O próprio gestor precisa ser informado da diferença básica entre governo e Estado: ele é parte do governo, transitório, limitado – não é o Estado, permanente, durável, alimentado pelos servidores públicos, ou seja, nós, os grevistas que lutam por um direito fundamental. No Brasil, há uma inversão dos papéis e das funções públicas.

Mas tem mais: o gestor não pode se esconder atrás da própria incompetência de resultados. Temos de revelar a fragilidade de nossa formação humana e profissional, para aí recompor-se a educação como política pública que nos tirará da inércia social. É óbvio, mas tem quem não saiba que a educação pública é de todos, que deve servir às necessidade do povo. Por fim, é imperioso que se saiba que agindo assim não se confere mérito ao administrador, porque se trata do simples cumprimento de sua obrigação. Na política e na vida de forma geral, ser honesto (e educado) não é um mérito, mas mera obrigação, dever de fazer.

Vinício Carrilho Martinez
Professor Adjunto II da Universidade Federal de Rondônia
Departamento de Ciências Jurídicas
Doutor pela Universidade de São Paulo

 

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