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Gente de Opinião

Vinício Carrilho

O Papa é pop


            Ser moderno é estar presente, como diz a letra da música do Engenheiros do Hawaii:

 

“O Papa é Pop!

O Pop não poupa ninguém”

 

Isto também queria expressar o empresário, pintor e cineasta estadunidense Andy Warhol (1928-1987). O ícone da pop art inaugurou o eterno debate acerca da modernidade ser ou não-ser arte. Como modernista não seria decente deixar de celebrar Marilyn e a coca-cola:

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Aliás, a mesma coca-cola que enfeitiçou Che Guevara:

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A arte e o mundo modernos sao feitos de imagens.

A própria razão é um feito da imagem.

Assim, a razão imagética ignora o que nao pode ser visto/tido.

Na modernidade impera a regra de São Tomé: ver para crer.

O curioso é que deveria ser “valer para crer”.

Afinal, como é que se crê em algo sem valor?

Em suma, os valores da modernidade não exigem reflexões.

Que valor há no que não se presta ao consumo?

Por isso, só vale o que se vê[1].

 

No fundo, antes dele, o pensador perseguido pelo nazismo Walter Benjamin (1996) já dizia que poucas obras serão de fato consideradas como arte; vivemos sob a era da reprodutibilidade técnica em que a arte perdeu sua aura. Hoje, com um menor rigor analítico – pois nada parece ter qualquer sombra de aura – talvez se diga que a arte está ao gosto do freguês – isso mesmo, porque arte que se presta tem que ser vendida - e cara! Lembro-me de uma obra de artista sem grande renome em que se expunha a grandeza épica do período do Neolítico – quando o homem combinou técnica, arte e política.

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Como faziam esses vasos, sem nenhuma tecnologia?

 
 

Foi um período tão prodigioso que logo depois a Humanidade criaria os primeiros Estados, no Vale do Ür (atual Iraque), com os Sumérios.

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A fundação das cidades permitiria aos Sumérios lançar as fundações da política

 

Sou aparvalhado pelo Neolítico, assim como Levi-Strauss em Pensamento Selvagem (1989), mas naquele dia nao tinha a grana necessária para adquirir a instalação. Poucos veriam ali uma obra de arte, mas para mim era como o neolítico, estava além da arte e da política. Nao ter comprado me marcou com uma frustração que tenho ainda hoje.

Em todo caso, uma das poucas coisas que aprendi com a modernidade é que não há lugar para os preconceitos e isto se reflete, de certo modo, nessa capacidade infinita de associar o passado mais longínquo com o futurismo que bate à porta.

A modernidade não é algo simples de se definir. Aliás, esta é uma das exceções quando se alega que a complexidade não é sinônimo de dificuldade. Neste caso, a complexidade de seus componentes, as mudanças estruturais históricas, torna o assunto difícil de ser decifrado. Apenas muito parcialmente é que se pode dizer que a modernidade é um estilo de vida iniciado no Iluminismo, uma construção social do mundo burguês, pondo fim a toda forma de contemplação desinteressada dos assuntos da vida. Alguém diria que se trata da construção do realismo político frente à metafísica.

Em todo caso, a renúncia do Papa, ao menos em um aspecto, rearticulou o passado e o presente, o antigo e o novo, as tradições e a modernidade. Como se sabe, haverá um conclave para a escolha do novo Papa e este momento é cercado de um ritual e liturgia incomparáveis na vida moderna, consumida pela pressa, pelo tecnicismo e consumo globalizado. O conclave (quer dizer com chave, fechado, de portas fechadas, sem exposição ao público) tem por função principal preservar esta escolha dos olhos mundanos e de suas implicações. O Papa representa Deus na Terra e sua escolha é santa, deve ser pura, isolada dos leigos e/ou infiéis. Não sei e não vou procurar saber, ao menos agora, se a razão política é esta mesma ou outra, como é comum ocorrer com toda opção/escolha política.        

            Em outro aspecto, a escolha do Papa também religará passado e presente. O próprio Papa foi quem abriu sua agenda para a modernidade, ao contrair uma conta no twitter (@pontifex):

“Queridos amigos, estou contente por estar em contacto convosco pelo Twitter. Obrigado pela vossa resposta generosa. Eu vos abençoo a todos” (primeira mensagem do Papa).

 

Agora, diante do conclave (com sete chaves), a Igreja quer restringir a comunicação com o mundo moderno. Não deixa de ser curioso, na verdade nunca imaginei em minha vida que um dia fosse repercutir a notícia de que os bispos presentes ao conclave que twitarem serão punidos.

O mais estranho é a pena gravíssima de excomunhão[2]aos bispos twiteiros. Uma ironia, sem dúvida, pois os punidos serão demandados diretamente do mundo pós-moderno para a Idade Média, quando a metafísica ditava quem podia ou não se comunicar com o mundo.

            Tento ser um homem do meu tempo, ainda que me resguarde o direito de não ser obrigado a conviver e consumir todas as besteiras que se colocam como regra para a maioria. Já pesquisei muito sobre tecnologia, mas isso faz dez anos e meu objetivo era extrair um componente político da realidade maquínica que se abria com a era das redes sociais. Hoje é fácil, diria que é óbvio demais, falar das redes sociais de comunicação, mas, há dez anos, era falar do mundo moderno. Lembro-me que na defesa da tese de doutorado alguém me acusou de levar modernices para a academia. Felizmente, minha orientadora, Prof.a. Maria Victoria Benevides, resolveu o impasse metafísico com imensa generosidade intelectual, pois sempre esteve atenta à modernidade. Quem imaginaria que a pós-modernidade levaria um quase-papa (todo arcebispo no conclave é papável) a ser excomungado, excluído do mundo? Só por Deus! – como se diz por aí.

 

Bibliografia

BENJAMIN, Walter. A obra de arte na era da reprodutibilidade técnica. IN : Obras Escolhidas. São Paulo : Brasiliense, 1996.

LÉVI-STRAUSS, C. O Pensamento Selvagem. Campinas, SP : Papirus, 1989.

 

Vinício Carrilho Martinez

Professor Adjunto II da Universidade Federal de Rondônia

Departamento de Ciências Jurídicas

Doutor pela Universidade de São Paulo

 



[1]http://jus.com.br/revista/texto/23782/para-uma-teoria-do-estado-pos-moderno-a-razao-politica-no-entendimento-do-direito

[2]http://www1.folha.uol.com.br/mundo/1235570-cardeal-que-tuitar-no-conclave-sera-punido.shtml.

* O conteúdo opinativo acima é de inteira responsabilidade do colaborador e titular desta coluna. O Portal Gente de Opinião não tem responsabilidade legal pela "OPINIÃO", que é exclusiva do autor.

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