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Vinício Carrilho

Na política não há impunidade - Por Vinício Carrilho Martinez


A contrário da (in)justiça e do Poder Judiciário, nas atribulações políticas não há impunidade. De um modo ou de outro paga-se o custo – e pode ser bem alto. No direito há um brocardo bem claro: “o direito não socorre a quem dorme”. Ou, como diz o ditado popular, “não há almoço grátis”.

Ao agir ou deixar de fazer, sempre haverá consequências – e um alto preço no final das contas. A escolha de um vice, para compor uma chapa eleitoral, por exemplo, pode resultar na criação de um opositor dentro de casa, e muito interessado em que haja impeachment.

Se na política, pode-se dizer, sempre há ônus e bônus, custo e benefício – para qualquer um dos lados envolvidos –, também podemos supor que tanto vamos à frente quanto retroagimos.

Se por um lado há os Donos do Poder cobrando por mais privilégios, igualmente há que se ponderar que na Política (Polis) há uma força histórica guiada pela perfectibilidade e pela teleologia. É isto o que resume o “fazer-política” no tocante ao processo civilizatório; ao contrário do senso comum e do poder instaurado que se movem pela “política de resultados”.

É verdade que ambas as formas trarão resultados, bons e maus resultados para alguns, bons e maus resultados para outros. A diferença é que os Donos do Poder querem os bons resultados somente para si, via de regra, socializando os prejuízos da própria história.

No processo civilizatório, em que se olha sobre os ombros da Humanidade – num esforço teleológico para se ver mais longe –, os ganhos é que são socializados. Assim se deu com o direito, com a ciência e com a própria Política: se entendermos que a República moderna tem melhores substratos e resultados do que o pensamento republicano na sua origem romana.
Ainda que idealmente, pode-se dizer que a República moderna dispõe de mecanismos de autocontrole – “freios e contrapesos” – e que a instituição romana só contava com o dictator. Todavia, como há fluxo e refluxo no organismo político da atualidade, as ditaduras constitucionais são muito piores (porque mais elaboradas) do que a existência do dictator.

Desse modo, se na República e na Democracia – resguardadas pelo Estado de Direito – ganham destaque a perfectibilidade (melhorar sempre que possível) e a teleologia (a razão que guia a humanização), na falta de ambas ocorrem corrupções, abusos, exceções.
Se o processo civilizatório transcorre pela condução de “regras claras e reconhecíveis”, pela maioria, no seu retrocesso vigoram as “regras de exceção”. E mesmo as exceções são boas e más: há as que incluem (políticas afirmativas) e as que excluem: “tratar com isonomia os que são desiguais”.

De todo modo, portanto, há custo envolvido. E, por isso, quer seja o “fazer-política” inerente à política de resultados (Realpolitik) quer seja na Política – diante do ideário de que a Humanidade é formada por “animais políticos” (Polis) que se afirmam na racionalidade de suas escolhas, incluídos e emancipados do jugo externo a sua consciência –, não há impunidade.

Basta-nos pensar quanto custa – não apenas financeiramente – manter o processo democrático, o direito à justiça, manter o “fazer-política” sob as mínimas condições éticas. Se houvesse melhor educação – popular, de qualidade, democrática, laica – o “custo judicial/penal” não seria menor?

Cada real aplicado na preservação/conservação do meio ambiente não traz economia para o combalido sistema público de saúde? Por outro lado, sabe-se que apenas a elevação dos investimentos (gastos em dinheiro) em educação não modifica positivamente os ganhos gerais. Escolas mais pobres podem ter melhores resultados do que outras com grande aporte financeiro. No entanto, este fato revela que os circunstancias sociais e culturais são determinantes – e não que se deve reduzir os investimentos em educação.

Agindo na melhor das condições, para acertar ou errando (ocasionalmente ou de forma proposital), há custos que todos pagarão em cotas – ainda que não iguais. A reforma trabalhista aqueceu o mercado, o consumo, a geração de mais empregos ou estimulou a informalidade, reduzindo a arrecadação de tributos para a previdência pública, elevando-se o próprio endividamento público? 

O custo, entre bônus e ônus, portanto, de alguma forma será repartido. Daí que ninguém escapa e, por isso, não há impunidade. Mais cedo ou mais tarde a história faz seu preço e nos acerta enquanto grupo, sociedade, povo ou Humanidade.

Vê-se isso no meio ambiente, na concentração de capitais que nos afoga em miséria, tanto quanto no aprofundamento da consciência política frente à necessidade imperiosa de se concretizar os direitos humanos como valor e “realidade” universal.

Ainda que concordemos, os direitos humanos – como instrumental civilizatório – têm uma apreciação no Ocidente e enfrenta entrechoques culturais no Ocidente. Assim, até onde é legítimo que queiramos para os outros o que queremos para nós?

Ou seja, para frente e para trás, os autores das ações políticas certas e justas ou equivocadas e indefensáveis, bem como seus filhos e netos, terão um acerto de contas que comprovará a premissa de que “na política não há impunidade”.

Para o bem e para o mal, o “fazer-política” não é indefeso, muito menos seus gestos e intenções são neutros. Quando se aponta o extremo individualismo, em que os atores políticos sequer pensam na família – na forma de um “dane-se” geral –, isolado da Política, como Tio Patinhas, diz-se que esta pessoa é incompleta como animal político.

O custo a ser revelado dimensiona o seguinte: o sujeito que é só um “meio” animal político, que faz a política “só para si”, é também incompleto como ser social, diante da indiferença que esbarra na psicopatia. Todavia, requer para si a condição de sujeito de direitos.

Curiosamente, é o mesmo sujeito anti-política, o animal político incompleto (e socialmente indefensável), quem requisita os mesmíssimos direitos que nega aos demais, com suas ações de descrédito social. No difícil equilíbrio entre autoridade e alteridade, quanto mais “ordem” (heteronomia) menos autonomia; quanto mais segurança, menor a liberdade.

Ainda que alguns efeitos possam ser “neutralizados” – especialmente quanto aos resultados mais graves –, estaremos aqui, ainda que geneticamente presentes nas próximas gerações, para ter consciência de que não sairemos impunes.

Em muitas situações, tamanha a volúpia dos envolvidos por poder, ocorre uma perda constante. Chama-se de “soma-zero” o resultado em que todos perdem, porque todos querem muito o mesmo, sendo que este não pode ser dividido. Exemplo claro é a Democracia, a República, o Estado de Direito que se esfacela quando os atores investem contra a Política.

Quem ganha num país em que a corrupção é sistêmica e sistemática? Os mais corruptos? Porém, mesmo os mais corruptos não corrompem uns aos outros, não tiram uns dos outros? Equivale ao “roto falando do rasgado”.

Quem pode conter uma peste avassaladora, se os médicos são os primeiros a serem empesteados? Também é o retrato de quem toma o poder sem ter com o que governar. É como chegar ao “mais” sem ter o mínimo a oferecer. Nesta tática de “fogo contra fogo” todos saem queimados. Ou seja, em política não há impunidade.

Esta é uma das lições clássicas da Teoria Política, mas muito bem apreendida pela cultura política nacional. Uma história de golpes e de contragolpes. Uma longa jornada de quem tenta “levar vantagem em tudo”, sabendo-se que tudo se perde na porta de saída – na primeira ação de quem corrompe a Polis.

Nesta arte política de soma-zero somos especialistas, por isso dormimos gigantes e acordamos anímicos. Quando crescemos, alguém acha que devemos diminuir o custo-país. O pior é que muitos acreditam que, politicamente, o “menos é mais”. Os acertos acabam prejudicados pelos erros, bem como os “pequenos erros podem ser agigantados”, especialmente se o lado que acertou (ou errou) não for o mais forte.

Um exemplo simples ao final: uma multinacional do setor de medicamentos compra uma das gigantes do ramo de agrotóxico; em conglomerado, investem e elegem poderosa bancada legislativa. Aprova-se o uso de agrotóxico a granel, elevam-se os casos de abalo na saúde pública, crescem indubitavelmente as vendas de remédios.

O ciclo de soma-zero está fechado, contudo, só não o desprezo com a saúde pública e com a República. Pois, desse modo, o capital financia a doença e o Estado legitima a morte lenta do povo – afinal, quanto mais lenta for a morte (mantida a vida por medicamentos que não “saram”), mais lucrativa é a medicina do agrotóxico e outras que tais.

Outros casos podem/devem ser colecionados, como o desembargador que profere uma decisão em base insustentável – ainda que em seu direito – e que não é cumprida por um juiz singular (comum).

No primeiro momento, o desembargador feriu decisão de um colegiado (de outros desembargadores) em que ele mesmo se vincula ocasionalmente. No segundo momento, o juiz feriu de morte o Princípio da Hierarquia.

O resultado disto é que a disputa se revelou provinciana, pessoal/política (nada jurídica), e a instituição do Judiciário acumulou descrédito. E, como o alto custo é o primeiro a ser cobrado, a culpa maior pelo imbróglio vem de cima, das cortes políticas e dos tribunais superiores que se empenham em decidir pela “exceção que faz as regras”.

A última consideração assinala que a assim chamada “arte da política” não se esgota na capacidade de liderança, organização, composição ou negociação – e ainda que nisto incida grande virtude –; pois, avaliar conexões, consequências, desdobramentos, presentes e futuros, é o que interliga projeto e esperança, utopia e realidade, teleologia e pragmatismo.

Somente quando a realidade não permite sonhar (projetar) é que advém a desilusão. E, muito pior do que a ilusão, é ser desiludido das tarefas políticas que devemos implementar. Este também é o momento que enfrentamos, no mundo e no Brasil, entre pragmatismo e ontologia.

Vinício Carrilho Martinez (Pós-Doutor em Ciência Política)
Professor Associado da Universidade Federal de São Carlos – UFSCar/CECH/
Departamento de Educação/Ded

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