Terça-feira, 11 de dezembro de 2012 - 15h19
Subverter a lógica do crime que recompensa
De qualquer modo, esta tentativa de vivência da “democracia como forma de vida”, como experimento real da “democracia cotidiana” (equilibrando a moral da vida privada com a ética da vida pública[21]), pode estimular transformações na “esfera da vida” e daí ser viável a modificação de algo mais substancial no âmbito do sistema. É óbvio, mas é preciso ressaltar que o sistema é feito de pessoas e que a educação dessas pessoas, portanto, deverá repercutir no “papel” e no “status” que elas mesmas venham a manifestar e desempenhar com suas ações sistêmicas — sejam ações para reformar partes do sistema, sejam ações visando a superação do sistema como um todo. Desse modo, uma das principais diferenças entre o Estado e a esfera pública, é que esta valoriza mais a comunidade (o comus, a ética comunitária)do que as instituições — mesmo que o Estado deva ser visto como a instituição por excelência, capaz de abarcar a organização do público. Portanto, ainda que o foco esteja no âmbito comunitário, é preciso superar as restrições próprias do recorte particular (mesmo legítimas) em direção a uma moral universal, de interesse global. Trata-se de uma moral para a alteridade e para a interação solidária, para a eticidade social e não só como construção da personalidade (o eu inconformado)ou das particularidades sociais (Honneth, 2003, pp. 131-133) — é preciso transcender o eu para o Outro generalizado, para o humano genérico. Isto é possível porque o eu reage sobre a alteridade, sendo capaz de transformar a alteridade recebida, reformulando as personalidades constantemente. Honneth critica a tese da luta de classes porque, em sua concepção, esta forma de conflito não admite a negociação e a reconciliação e nem tampouco o reconhecimento. Nosso objetivo foi apenas de indicar algumas pistas valiosas para o estudo aprofundado desses temas: lutas sociais por reconhecimento; liberdade e autonomia; Razão de Estado; Estado de Direito; Estado de Exceção; Terrorismo de Estado. Educar pelos clássicos é “educar para a consciência”, e isso é educar para o reconhecimentointersubjetivo das demandase, mais globalmente, educação para ter direitos. Enfim, restam pistas para aprofundar a dialética negativa, de superação do direito à exclusão.
Isto certamente se confunde com um certo tipo de “o-que-se-faz-de-si-e-por-si-mesmo”. No âmbito da luta de classes, para o jovem Marx, equivaleria à passagem da “consciência em si” à “consciência para si” (como no Manifesto). Portanto, no ápice da autonomia, opõe-se radicalmente esta ideia do “fazer-se-coisa” (como objetivação,consciente) e a coisificação/reificação presentes claramente no trabalho alienado (fazer-se-coisa-negando-a-si). Portanto, o combate à reificação, negação, exclusão e demais formas de negatividade da vida social, também se dá pelo esclarecimento, aceitação, inclusão, reconhecimento e efetividade[22]da moral, dos direitos, das intersubjetividades dos demais, agora alçados à condição de Outros, pela força vinculativa e libertária da interação e da alteridade: os seres precisam ser reconhecidos como sujeitos autônomos e individualizados. No sentido de Kant: os sujeitos não podem ser tomados por meios, porque são fins em si mesmos. Mas, para além de Kant, como quer Honneth, há uma possível moral da auto-realização substancial, material. Mas isto será possível sem a superação da lógica sistêmica/sistemática da aniquilação e da exclusão atual? É possível reinventar o comus (como base de éticas comunitárias)? É isto ou perderemos o controle sobre a legitimidade de transformar a sociedade para o Bem; perdendo o controle para o Mal – aliás, como via de regra é a ação de exceção do poder público –, só há de vigorar o Mal[23].
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Vinício Carrilho Martinez
Professor Adjunto II da Universidade Federal de Rondônia
Departamento de Ciências Jurídicas
Doutor pela Universidade de São Paulo
[1]Se observarmos através de um largo lapso histórico, podemos dizer que a Modernidade Tardia remonta à Rota da Seda, visto que sem esta não teríamos o Renascimento, o Iluminismo, o Estado-Nação e o Mercantilismo como forças do capitalismo e da sociedade moderna.
[2]Especialmente com a criação (legislação) de formas e meios de agir de exceção, o Iluminismo se converteu em Jacobinismo.
[3]Como se fosse um processo de edição, mostrando a história “quadro a quadro”.
[4]Edição brasileira: DVD Vídeos – coleção videofilmes, de 2005.
[5]É mera coincidência com o que se passa em 2012, em São Paulo.
[7]Como exceção que vigora desde o passado.
[8]Veja-se a íntegra da entrevista, A tortura se justifica quando pode evitar a morte de inocentes, em:
http://www1.folha.uol.com.br/fsp/brasil/fc0405200809.htm.
[9]General francês, que ensinou tortura a militares brasileiros, confirma atuação contra Salvador Allende.
[10]De certo modo, alguns dos torturadores a serviço do Estado não se veem como meros sádicos ou psicopatas insensíveis. É mais complexo o ajuizamento que fazem de suas ações porque se colocam na condição de defensores da Razão de Estado.
[11]Fabricam inimigos para justificar a existência de aparelhos que se utilizam do poder de exceção.
[12]Lembremos aqui de Régis Debray (1993).
[13]No Brasil pós-64, lembraria a morte do jornalista croata e naturalizado brasileiro Vlado Herzog, em 1975. Depois, passaria a assinar Vladimir e não mais Vlado, época em que já tinha uma aproximação muito grande com o PCB (Partido Comunista Brasileiro).
[14]No Brasil do pós-64, falava-se em três horas, talvez, porque os métodos fossem mais sofisticados.
[15]O fato é que talvez não tenham se esquecido, mas que cobrassem o oposto: coerência contra o regime de exceção. Seriam injustamente acusados de fascistas: mas os métodos da Gestapo foram diferentes?
[16]Veja-se a narrativa que fazem Foucault, logo no início de Vigiar e Punir (1993) e Kafka, em Na colônia Penal (1993).
[17]Deleuze & Guatarri (1995).
[18]Não se enquadra, portanto, na definição de crime contra o Estado Democrático (art. 5º, CF/88), simplesmente porque este Estado não seria democrático, mas sim sedicioso.
[19]Resignificação individual, psíquica, cultural, cognitiva do Estado de Direito, no sentido de que os direitos fundamentais realmente sejam tomados como parte do processo civilizatório e não só como positivismo normativo (Honneth, 2003, p. 250).
[20]Entendendo-se direitos como a condição de equidade, e de proteção e de instigação das capacidades e potencialidades individuais e sociais.
[21]De nada adianta aprovar medidas de revigoramento da democracia no âmbito do Estado e ser um canalha na vida particular.
[22]Diz-se da aceitação, defesa e promoção dos direitos humanos.
[23]A entrevista com Marcola é fictícia, trata-se de uma crônica de Arnaldo Jabor, mas se chegou até aqui na leitura é porque realmente percebeu a extensão do problema, está mais sensível à dinâmica e à profundidade/complexidade do problema vivido pelas sociedades capitalistas em sua crise de civilização. Em todo caso, é verídico que Marcola tem uma leitura acumulada nos anos em que está preso, o que gerou uma certa mitologia em torno disso, levando alguns a sustentarem que já teria lido mais de cinco mil livros. Em todo caso, não há romantismo e nem glamourização dessas personalidades: “Ausência de sentimentos de culpa, pena ou remorso. Pouca aversão ao risco. Baixa visibilidade do futuro. Aliados, os três fatores compõem a personalidade dos chamados psicopatas. São pessoas com comportamento anti-social e, por isso, capazes de extrema violência e frieza, diz Howard Abadinsky, professor da Divisão de Justiça Criminal e Estudos Legais da Saint John's University, de Nova York”. Em: http://revistaepoca.globo.com/Revista/Epoca/0,,EDR74235-5990,00.html.
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