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Vinício Carrilho

Educar pela Constituição Federal de 1988


Educar pela Constituição Federal de 1988 - Gente de Opinião

Associate Professor at Federal University of São Carlos (UFSCar)

Head of BRaS’ Constitutional Studies Research Group

Member of BRaS’ Academic Committee

Associate Editor of BRaS-J

 

Vinícius Alves Scherch

Doutorando em Ciência, Tecnologia e Sociedade na UFSCar. 

Mestre em Ciência Jurídica pela UENP. 

Professor no Curso de Direito da UNOPAR Bandeirantes-PR. Advogado.

Member of BRaS’ Constitutional Studies Research Group

 

Esse texto é um ensaio, uma tentativa de falar com crianças de 12 anos sobre a nossa Constituição. É um convite para (re)lermos a nossa Constituição. O texto equivale à primeira conversa na sala de aula, com o ensino da Constituição Federal de 1988 (CF88) nas primeiras séries do Ensino Fundamental. Porém, para facilitar a leitura, especialmente para essa criança de 12 anos – como ensinaria Rousseau (1988) ao “homem livre” – vamos dividir o texto em duas partes: Educação como Direito; Educar para a Constituição.

 

Primeira parte

O que é a educação?

Primeiro podemos dizer que a educação é muitas coisas. Para esse texto, a educação é um direito. 

Para além disso, é um direito fundamental, o que significa que não pode nunca ser negada ou tomada das pessoas. A educação não é somente o processo de ensinar e aprender, vai para além das paredes da sala de aula, discutimos o viver, o fazer e a política. Através da educação a cidadania é construída e o cidadão encontra seu lugar no mundo, conhece seus direitos e seus deveres, aprende a cobrar o governo para que as condições sociais (trabalho, alimentação e saúde) não sejam diminuídas ou retiradas das pessoas. 

A educação fundamental permite que possamos conhecer o outro, saber que apesar de todas as nossas diferenças temos direitos iguais; e que as desigualdades precisam ser diminuídas.

 

Como compreendemos a educação dentro da CF88? 

A Constituição Federal de 1988 aponta a educação como um direito fundamental social, portanto, tem um aspecto triplo: liberdade, igualdade e solidariedade. Passando por estes três aspectos, que podemos denominar princípios, por formarem uma base para que a sociedade se estabeleça, a educação fundamental é o fio condutor do processo civilizatório.

O processo civilizatório, por sua vez, significa um caminho constante por aprimoramento dos direitos e da convivência das pessoas, implicando, para tanto, no respeito a uma série de outros princípios tais como a vedação ao retrocesso, o pluralismo político, os deveres do Estado em garantir o acesso e a coexistência das diversas culturas e povos. 

Quando falamos em vedação ao retrocesso, a ideia é a de que todas as conquistas sociais devem ser respeitadas como um limite, ou seja, somente é possível avançar, dar passos para frente, nunca para trás. 

Por pluralismo político, podemos entender a variedade de ideias, a possibilidade de conversar sobre qualquer assunto sem que haja censura (a censura é a proibição de alguma informação que poderia ser do conhecimento de todos). 

Já o dever do Estado em garantir o acesso e a coexistência das diversas culturas e povos, é uma situação em que o Poder Público (governantes, legisladores e juízes) precisa respeitar e incentivar a todas as manifestações diferentes daquelas que são consideradas “padrão”, tais como saberes, histórias e religiosidades da cultura africana e indígena, garantir que esses povos possam usar seus costumes e suas tradições sem medo de perseguição ou qualquer tipo de violência e, por fim, garantir que as terras e casas dessas pessoas não sejam violadas.

 

Qual o alcance da educação fundamental?

A educação fundamental se lança para fora da escola, está presente no cotidiano, não é limitada ao saber ler e escrever, saber somar, subtrair, dividir e multiplicar. Como um direito, deve ser garantida aos ricos e aos pobres, às crianças, aos jovens e aos adultos. O conhecimento é alcançado por meio da educação fundamental, que ensina o valor e a importância da ciência, da política, da história, das artes e da filosofia para a formação das pessoas. Por isso a educação fundamental liberta e emancipa, possibilita uma vida sem dependência, o ato de aprender é eterno e leva consigo o dever de transmitir o que se sabe, para que não sejamos governados por mentiras.

 

E no Brasil, como funciona a educação fundamental?

No Brasil, a educação é uma obrigação do Estado, isso significa que as escolas devem ser públicas, gratuitas e de qualidade, para que todos tenham acesso a uma educação fundamental. Logo, dentro dos princípios mencionados, a educação serve para levar as pessoas e o país a alcançar saltos de qualidade e de melhoria da sociedade, não deve ser um modelo de repetição e a escola não pode mais ser um lugar onde só se discutem coisas chatas. Todos os assuntos podem ser abordados na educação. A educação serve para a política. 

Por política, entendemos não somente a possibilidade de se ocupar um cargo público, de eleição, como prefeitos, vereadores, deputados, governadores, senadores e presidente, porém os atos, a ação de participar, de compartilhar ideias, de falar e ser ouvido. Assim, chamaremos de Política, uma vez que tem relação com a democracia, que é o governo do povo que é feito para o povo. A educação fundamental permite que possamos compreender isso e rebate ideias que buscam tirar o direito de participação das pessoas.

 

Segunda parte

 

Então, vamos conversar sobre a Constituição Federal de 1988.

O que é a Constituição?

É uma lei. Uma lei que se aplica a todas e todos, pobres e ricos, negros e brancos, mulheres e homens. 

É igual às regras gerais de nossa casa.

Não é certo que devemos fechar bem as torneiras e apagar as luzes, quando não usamos?

Essa é a ideia principal: entender as diferenças básicas entre o certo e o errado. 

Só que não é nosso pai ou nossa mãe quem explica as regras. 

É uma lei que se aplica a nós, aos pais e filhos.

Também se engana quem diz que a Constituição Federal de 1988 tem direitos demais e por isso não é cumprida. Outros ainda dizem que, exatamente por ser muito extensa (comprida) não é cumprida.

O que devemos saber – e só saberemos disso lendo a CF88 – é que temos muitos deveres e obrigações: públicas e individuais. Aliás, precisamos saber que entre os deveres está a obrigatoriedade de se fazer algo e também a obrigação de não-fazer ou de cessar o ato – se já estiver fazendo algo ou anunciando que irá fazer. 

Vejamos alguns exemplos: 1) O primeiro dever é exatamente este que estamos tratando – temos o dever comum de seguir e de respeitar a Constituição; 2) O Estado tem o dever de cuidar da educação, da saúde pública e do meio ambiente (natureza), ou seja, é proibido agir de outro modo que não seja em benefício público.

Uma crítica que também se houve provém desses exemplos que acabamos de ver. Dizem assim: a Constituição manda fazer isso e os políticos fazem o contrário. Por exemplo, a Constituição Federal determina cuidarmos da Democracia, da República e dos Direitos Humanos. Mas, os chamados “políticos profissionais” fazem o oposto.

Pois bem, esse não é um problema da CF88, é um problema (horrível, aliás) dos políticos que nós mesmos elegemos. Além do fato de que as instituições que deveriam defender o Estado de Direito Democrático nem sempre cumprem com suas obrigações, como o Poder Judiciário e o Ministério Público: federal e estadual.

Por fim, na aula de hoje, é essencial sabermos que a nossa Constituição é extensa porque foi uma resposta – como uma resposta jurídica – ao regime militar que acabara de ser destronado do poder. Como se sabe, as ditaduras acabam com os direitos, impõe a censura, muitas restrições à liberdade e eliminam a soberania dos próprios direitos fundamentais: individuais e sociais. 

Por isso a Constituição Federal de 1988 é extensa – é uma extensão da liberdade, dos Direitos Humanos, da Democracia, da Utopia por solidariedade. É extensa para alcançar – como extensão jurídica, uma Extensão Constitucional – o povo todo, o Outro, você, eu, nós, todo mundo.

Por tudo isso, numa última expressão, entendemos que a Constituição Federal de 1988 é uma Carta Política; é uma Lei comissionada pela política do seu tempo, porém, é uma Lei voltada à civilização, à vida pública, ao espaço público, aos direitos fundamentais individuais e sociais, à dignidade humana (MARTINEZ, 2021).

A seguir, seguem algumas sugestões de leituras que auxiliem tanto as professoras e os professores quanto os estudantes.

 

Bibliografia

BULOS, Uadi Lamego. Curso de Direito Constitucional.  14ª ed. São Paulo: Saraiva, 2021

CANIVEZ, Patrice. Educar o cidadão? Campinas, São Paulo : Papirus, 1991.

CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Estado de Direito. Lisboa : Edição Gradiva, 1999.

FREIRE, P. Extensão ou Comunicação?  (7ª ed.). Rio de Janeiro : Paz e Terra, 1983

___ Política e Educação. São Paulo : Cortez, 1993.

MARTINEZ, Vinício Carrilho. O Conceito de Carta Política na CF/88: freios político-jurídicos ao Estado de não-Direito. Londrina: Thoth, 2021.

ROUSSEAU, Jean-Jacques. Discurso sobre a origem e os fundamentos da desigualdade entre os homens. 4ª ed. Col. Os Pensadores. Vol. II. São Paulo : Nova Cultural, 1988.

* O conteúdo opinativo acima é de inteira responsabilidade do colaborador e titular desta coluna. O Portal Gente de Opinião não tem responsabilidade legal pela "OPINIÃO", que é exclusiva do autor.

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