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Gente de Opinião

Vinício Carrilho

Do Egito para o Brasil


 

O Direito no Estado de Sítio Político

do Golpe de Estado ao Estado de não-Direito

 

 

Ratio publicae utilitatis, ratio status

Cícero

 

Quem vive pela espada,

Morre pela espada

adágio popular

 

Na atualidade, os golpes de Estado, denominados golpes institucionais, a exemplo do que perpetraram Honduras (2009), Egito e Paraguai (ambos em 2012), retomam temas políticos clássicos. Mais do que um problema jurídico, se cometidos dentro ou fora do Estado de Direito, implicam envolvimentos políticos muito mais profundos: uma intrínseca relação entre a Razão de Estado e o capital (não é a toa que os EUA enviam bilhões de dólares anualmente ao Egito: interesse estratégico). O golpe militar perpetrado no Egito, em 2013, com a deposição do presidente Mohamed Mursi ligado à Irmandade Muçulmana, é  um típico de Golpe de Estado militarizado com apoio popular. No Egito, é claro, há muitas variáveis e nuances a serem analisadas, mas é certo que o golpe serviu para abalar a incidência de movimentos muçulmanos mais radicais e intransigentes – um golpe em defesa do Estado Laico. Em todo caso, assim como em muitos outros casos, trata-se de Golpe de Estado que serve como antessala para impor um Estado de Sítio Político.

No golpe institucional, tal qual ocorre desde a chamada Comuna de Paris, em 1791, e mais recentemente no Paraguai, esquece-se que o medium-direito precisa ser entendido como parte da luta do “mundo da vida” ao requerer/enfrentar o monopólio legislativo e coercitivo, em benefício da globalidade dos interesses sociais, exigindo-se muito mais legitimidade do que a mera legalização.

O Estado de Sítio tem uma origem eminentemente política, como analisara o pensador Karl Marx a partir de 1848, na França e na Europa insurreta contra a Comuna de Paris. Sua forma jurídica foi instituída na Revolução Francesa, num decreto de 8 de julho de 1791; portanto, na análise de Marx, já era instrumento jurídico de defesa do poder absoluto.

O nazismo é outro grande exemplo desse instituto, perdurando por 12 anos. O ponto fulcral é a referência ao uso constante dos meios de exceção e do chamado Estado de Emergência. Neste caso, trata-se de emergência política e, no nazismo, de emergência econômica, pois foi a crise econômica que motivou a Solução Final.

Esta mesma modalidade de regimes de exceção ainda se expressam Estado de Emergência Econômica, como visto em países de terceiro mundo, e a exemplo da guerra civil no Mali, país africano. Neste caso, pode-se ter na economia a justificativa para a decretação da suspensão dos direitos democráticos fundamentais.

Contudo, conceitualmente, Estado de Sítio significa um regime jurídico excepcional a que uma comunidade territorial é temporariamente submetida à negação de direitos fundamentais. As circunstâncias perturbadoras que costumam dar lugar a tal situação são geralmente de ordem política, podendo também advir de acontecimentos naturais, como terremotos, epidemias. Ainda que aqui o mais correto seja denominá-lo de Estado de Emergência, como condição análoga à “calamidade pública”.

O Estado de Sítio pode resultar em simples “medidas de polícia” (por exemplo: suspensão de reuniões) ou em soluções cautelares mais contundentes, como na “suspensão de direitos civis e políticos”. O Estado de Sítio assume configurações diversas, mediante as condições reais em que tenha lugar: distinguem-se sobretudo os casos de guerra explícita (externa ou guerra civil) de outras situações de emergência interna. Não se confunda, entretanto, com o chamado estado de alerta, decretado pela Defesa Civil em casos graves de “intempéries” ou outros problemas de origem natural e que ameacem seriamente à população civil.

Na prática, as diferenças entre o Estado de Sítio Político e o Estado de Necessidade (e que deveriam ser de espécie e de gênero) acabaram reduzidas ao grau — no lugar da qualidade, a “quantidade de tempo” em que os direitos fundamentais sofrem de irrestrita mitigação. É como se a Razão de Estado e o Estado de Exceção fossem o lado quente e o lado frio do poder, respectivamente. Em nome da salvaguarda do Estado, vê-se a sociedade ser vitimada em suas garantias básicas e sem “garantia ao próprio direito à vida”.

O Estado de Sítio Político será a espécie, o próprio processo de transformação da Razão de Estado. Os efeitos naturais são intencionalmente politizados e assim o Estado de Sítio Político acaba pouco diferenciado dessa condição de necessidade: a calamidade natural se avizinha da calamidade política. Historicamente, a necessidade foi “naturalizada”, naturalmente transformada em Estado de Necessidade.

Por sua vez, a Razão de Estado está presente na formação da primeira modernidade, nos séculos XV e XVI, sob a justificativa das lutas pela autoconservação – de lá para cá, para se debelar a guerra civil foi instituído um “novo” regime jurídico em que se nega, exatamente, o direito. Na versão mais atualizada, o Estado de Exceção tanto se vê nos séculos XVIII e XIX, quanto é válido o sentido adotado contemporaneamente do golpe institucional e na ditadura militar egípcia.

O Estado de Sítio Político, como Estado de Exceção,é, portanto, uma atualização desse antigo lastro da soberania do Estado: em virtude da rigidez do poder, não há gozo e fruição de direitos essenciais. Com a perda da autoridade ocorre que se movimentam forças subterrâneas que buscam impor o poder soberano de forma incontestável, agindo com poderes de exceção. O Golpe de Estado nada mais é do que o Estado de Sítio clássico fora (além) dos limites jurídicos (judiciais) estabelecidos anteriormente.

A possível controvérsia jurídica reside no fato de que, no Estado de Sítio Político, é a política que impõe claramente a exceção como violação da liberdade, da democracia, da própria segurança jurídica de todo cidadão. Do ponto de vista institucional hegemônico assim se opera a transformação da Razão de Estado na legalidade pretendida ao Estado de Exceção. Por isso, diferentemente do Golpe de Estado, o Estado de Sítio Político não é uma ilegalidade, uma vez que tem previsão legal.

Nunca é demais lembrar que, uma das máscaras mais comuns ao Estado de Sítio Político é exatamente a alegação de que se age com poder brutal, em decorrência das necessidades de preservação do poder e do status quo e, por fim, como tábua de salvação amparada pelo ordenamento jurídico. O que é estranho, portanto, ao caso egípcio de Mursi, uma vez que a Constituição foi rasgada pelos militares tão logo ascenderam ao poder central.

Já o Estado de Exceção, tomado como Estado de Sítio Político permanente, atua como se fosse uma força especial de ataque, que se mostra e agride e, em seguida, procura o subterrâneo para se refugiar. O Estado de Exceção vive nas sombras da razoabilidade, da racionalidade e se vale da incerteza e da angústia da indefinição que se abre no agredido para triunfar.

O Estado de Sítio Político, enfim, é este estado latente da metamorfose do poder absoluto e que mantem um sobrenome na suposta regularidade jurídica. No Egito, o Golpe de Estado levou ao Estado de Sítio Político (“amparado em lei”) e, no fundo, é apenas o eterno retorno do Estado de Exceção, revelando suas forças subterrâneas e extenuantes, autocráticas, intransigentes. Ironicamente, no Egito, contra o fascismo da Irmandade Muçulmana – que quer impor sua religião pela violência –, o Exército age como mandante de uma força político-militar que é igualmente fascista. Todo Golpe de Estado e, a posteriori, o Estado de Sítio Político, é avesso à ordem jurídica democrática e, é lógico, não podem ser democráticos.

            Por tudo isso, sempre são válidas as lições de Cícero, o maior jurista do mundo romano:

  1. A maior necessidade é a virtude
  2. A política não decorre da necessidade, mas sim da sociabilidade.
  3. Deve-se proteger o Estado contra o furor.
  4. O sucesso repousa na longa sucessão de bons cidadãos.

 

Vinício Carrilho Martinez

Professor Adjunto III da Universidade Federal de Rondônia - UFRO

Departamento de Ciências Jurídicas/DCJ

Pós-Doutor Educação e em Ciências Sociais

Doutor pela Universidade de São Paulo

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