Sábado, 17 de novembro de 2012 - 18h55
De tanto ver triunfar a nulidade;
de tanto ver prosperar a desonra,
de tanto ver crescer a injustiça.
De tanto ver agigantar-se o poder nas mãos dos maus,
o homem chega a desanimar-se da virtude,
a rir-se da honra e a ter vergonha de ser honesto
Rui Barbosa -1921
Ética é um guia de comportamento e, guardadas as proporções, tem semelhanças no desempenho social aos Princípios Gerais do Direito: honeste vivere (viver honestamente), alterum non laedere (não prejudicar ao próximo), suum cuique tribuere (dar a cada um o que lhe pertence).
Ética Social
A Ética Social é composta de sociabilidade, convivialidade política (sem que prevalecesse a regra do vita mea, mors tua), regras e discernimento moral, subjetividades (sem que estas se percam no capital: o valor do ter ao ser), trabalho responsável e não-alienado (quem é feliz no trabalho e não se sente explorado?), postulados e princípios jurídicos (aproximando-se o bom senso da juris prudentia), intencionalidade para agir (sem deturpar a ética pagã e laica: os fins justificam os meios quando se defende a República), sobretudo diante da diversidade e daadversidade reinante nos conflitos de interesse regularmente contraditórios, opostos e até antagônicos. Neste curso, a ética ainda pode ser definida, sumariamente, como valores-guia de uma relação espaço-temporal, em uma determinada sociedade. Assim, a ética trata de costumes (ethos) e de valores reinantes, predominantes, expressos e aceitos em sua integralidade. Contemporaneamente, em razão dos amplos processos de globalização e de integração cultural, econômica, social e política, a ética se apresenta cada vez mais entrelaçada a outros setores, segmentos e esferas da vida pública e civil, orientando-se em seu novo status a partir de inúmeros elementos da vida social, tais como:
Com a expressão vita activa, pretendo designar três atividades humanas fundamentais: labor, trabalho e ação[...] A ação, única atividade que se exerce diretamente entre os homens sem a mediação das coisas ou da matéria, corresponde à condição humana da pluralidade, ao fato de que homens, e não o Homem, vivem na Terra e habitam o mundo. Todos os aspectos da condição humana têm alguma relação com a política; mas esta pluralidade é especialmente a condição – não apenas a conditio sine qua non, mas a conditio per quam[1]– de toda vida política. Assim, o idioma dos romanos – talvez o povo mais político que conhecemos – empregava como sinônimas as expressões
Ao se retomar a longa tradição histórica, ainda encontramos muitos elementos que podem/devem ser relembrados. Na Grécia clássica, Aristóteles (2001) ensinava que a maior necessidade é a honestidade e, depois, em Roma, Cícero (s/d) nos legou os chamados Institutos da República, alertando que o homem digno da República reúne os atributos da humanidade. No pensamento liberal, pré-iluminista, destaca-se a idéia de que ética corresponde à saúde da coisa pública; pois, quando prevalece o interesse público, ressurge o princípio da moralidade: “A regras salus populi suprema lex é certamente tão justa e fundamental que aquele que a segue com sinceridade não corre um risco grande de errar” (Locke, 1994, p. 179 – negritos nossos). Segundo o filósofo Kant, a ética deve integralizar a Felicidade. Mas, o que é felicidade? Para o legislador da Constituição Americana (1776), afelicidade era um bem comum – o bem de todos em relação ao direito das partes: “Os constituintes americanos relacionaram os direitos do indivíduo ao bem comum da sociedade” (Bobbio, 1992, p. 90). Juridicamente, outro clássico nos ensina que a luta pelo direito é histórica, como inclusão das demandas sociais no repertório do direito constitutivo do poder – um processo sem trégua:
O fim do direito é a paz, o meio de que se serve para consegui-lo é a luta. Enquanto o direito estiver sujeito às ameaças da injustiça — e isso perdurará enquanto o mundo for mundo —, ele não poderá prescindir da luta. A vida do direito é a luta: a luta dos povos, dos governos, das classes sociais, dos indivíduos (Ihering, 2002, p. 27 – negritos nossos).
Para o jurista Oliver Wendell Holmes Jr. (1841-1935), considerado “o mais importante e influente pensador do Direito Americano”, ao homem bom, basta a consciência:
Pode-se ver que um criminoso tem tanta razão quanto tem um homem correto para evitar as forças públicas, que representam a justiça, e disso conseqüentemente pode se deduzir a importância prática da distinção entre moralidade e direito. Um homem que não liga nada para uma regra ética praticada por seus vizinhos, provavelmente não ligará muito para evitar ser forçado a pagar alguma coisa na tentativa de ficar fora da cadeia, se isso conseguir (Silveira)[2].
Portanto,a ética deve primar pelo Justo. Segundo o jurista italiano Norberto Bobbio: “Direitos do homem são aqueles cujo reconhecimento é condição necessária para o aperfeiçoamento da pessoa humana, ou para o desenvolvimento da civilização” (1992, p. 17 – negritos nossos). Já o Direito deve servir para balizar a liberdade: “A minha liberdade se estende até o ponto da compatibilidade da liberdade dos outros” (Bobbio, 1992, p. 94). A ética, por sua vez, ganha status de positividade jurídica à medida em que às normas gerais de comportamento é somada condição de coercibilidade. Como nos diz Kant:
Denomina-se doutrina do direito (ius) a soma daquelas leis para as quais é possível uma legislação externa [...] O direito é, portanto, a soma das condições sob as quais a escolha de alguém pode ser unida à escolha de outrem de acordo com uma lei universal de liberdade [...] Assim,a lei universal do direito, qual seja, age externamente de modo que o livre uso de teu arbítrio possa coexistir com a liberdade de todos de acordo com uma lei universal, é verdadeiramente uma lei que me impõe uma obrigação [...] Ora, tudo que é injusto é um obstáculo à liberdade de acordo com leis universais. Mas a coerção é um obstáculo ou resistência à liberdade [...] Portanto, ligada ao direito pelo princípio de contradição há uma competência de exercer coerção sobre alguém que o viola [...] o direito estrito se apóia no princípio de lhe ser possível usar constrangimento externo capaz de coexistir com a liberdade de todos de acordo com leis universais [...] Direito e competência de empregar coerção, portanto, significam uma e única coisa [...] Analogamente, não é tanto o conceito de direito quanto, ao contrário, uma coerção plenamente recíproca e igual trazida sob uma lei universal e compatível com esta que torna possível a exposição desse conceito (Kant, 2003, pp. 75-78 – negritos nossos).
A diferença entre obstáculos ou ofendículos à liberdade e a coerção praticada pelo Poder Público (ética como salus publica), ou seja, como limitação à mesma liberdade, decorre da lógica de que, segundo Kant, a coerção corresponde à ética social já regulada e positivada pelo Direito (como Lei Universal). De tal sorte, a indicação da liberdade (fazer ou deixar de fazer) é dosada pela coerção que estabelece os limites e os parâmetros éticos (costumeiros) da convivência social em determinado momento histórico e em cada sociedade. Os limites éticos impostos pelos direitos de liberdade regulam e balizam a própria liberdade. Portanto, a ética social postula por porções iguais e equilibradas de liberdade. Este equilíbrio entre liberdade e igualdade é justo porquetrata os iguais, igualmente; e, os desiguais, desigualmente. Entrelaçamento que ainda nos revela a base filosófica e jurídica em que convergem Justiça e Ética a fim de formar o Princípio da Isonomia.
Bibliografia
ARENDT, H. A condição humana. Rio de Janeiro : Forense Universitária, 1991.
ARISTÓTELES. A Política. São Paulo : Martins Fontes, 2001.
BARBOSA, Rui. Oração aos moços/O dever do advogado. (3ª Ed.). Campinas : Russell Editores, 2007.
BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. Rio de Janeiro : Campus, 1992.
CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Estado de Direito. Lisboa : Edição Gradiva, 1999.
CÍCERO, Marco Túlio. Da República. 5ª ed. Rio de Janeiro : Ediouro Publicações, s/d.
HOLMES JR., Oliver Wendell. Veredas do direito. (Tradução de Lauro Frederico Barbosa da Silveira). IN : Possner, Richard A. (ed.) The Essential Holmes. Chicago - London. The University of Chicago Press. 1992. p. 160-177.
HONNETH, Axel. Luta por reconhecimento: a gramática moral dos conflitos sociais. São Paulo : Ed. 34, 2003.
IHERING, Von Rudolf. A luta pelo direito. São Paulo: Martin Claret, 2002.
KANT, I. A Metafísica dos Costumes: a doutrina do direito e a doutrina da virtude. Bauru, SP: EDIPRO, 2003.
LARAIA, Roque de Barros. Cultura: um conceito antropológico. Rio de Janeiro : Zahar, 2009.
LOCKE, John. Segundo Tratado sobre o governo civil e outros escritos. Petrópolis-RJ : Vozes, 1994.
MARTINEZ, Vinício Carrilho. Estado de (não)Direito: quando há negação da Justiça Social, da Democracia Popular, dos Direitos Humanos. Mestrado em Ciências Jurídicas. Paraná : Universidade Estadual do Paraná – UNESPAR. Faculdade Estadual de Direito do Norte Pioneiro – FUNDINOPI, 2005.
SILVEIRA, Lauro Frederico Barbosa da@ MARTINEZ, Vinício Carrilho. Veredas do Direito. IN : Jus Vigilantibus, acessível em: http://jusvi.com/artigos/34783.
VIEIRA, (Pe.) A. Sermão do Bom Ladrão. São Paulo : Princípio, 1993.
[2]Veja-se em: http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=10217.
[1]Reconhecendo-se a base sobre o que se constrói.
Hoje não é Dia da Criança. Ou melhor, todo dia é dia da criança – e é nosso dever denunciar, lutar e combater o trabalho infantil. Afinal
Forma-Estado na Constituição Federal de 1988
No texto, relacionamos algumas tipologias do Estado (Teoria Geral do Estado) com suas subsunções no Direito Constitucional brasileiro, especialmente
Em primeiro lugar, temos que verificar que sempre se trata de uma Autoeducação Política. Parte-se do entendimento de que sem a predisposição individ
O Livro Teorias do Estado: Estado Moderno e Estado Direito
A Teoria do Estado sob a Ótica da Teoria Política, do professor Vinício Carrilho Martinez - oferece uma leitura acessível e profunda na formação, es