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Gente de Opinião

Silvio Santos

JOÃO FRANCISCO DE SOUZA


Querem acabar com a lanchonete do seu João

Dentro de alguns dias, o ponto de encontro dos que gostam de discutir a cultura de um modo geral, em Porto Velho vai deixar de existir. Estamos nos referindo à "Lanchonete do Seu João", que há 11 anos funciona no terreno da Casa da Cultura Ivan Marrocos, pelo lado da avenida Presidente Dutra. Seu João é o João Francisco de Souza, um rondoniense nascido em Jacy-Paraná que desde criança trabalha com a venda de guloseimas. "Em Jacy minha mãe fazia croquete, tapioca, pé-de-moleque e mingau pra gente vender quando o trem da Madeira-Mamoré parava pro povo "beber" água". O caso da retirada da lanchonete do Seu João do quintal da Casa da Cultura vem desde quando o secretário Luiz Carlos Venceslau conseguiu que a Eletronorte patrocinasse a reforma do prédio. "Ele chegou aqui numa quarta-feira, dizendo que eu teria que sair até na sexta. Aí, tive que procurar meus direitos na Justiça", pois é essa mesma justiça que agora deu o parecer dando ganho de causa para a Secel, obrigando o "Seu" João a deixar o local em 30 dias. Procuramos o João para saber se ele iria apelar da decisão, e fomos informados que a sentença não cabe mais apelação. "A única coisa que pode me favorecer, é um político, ou qualquer pessoa ligada ao governo do Estado, intervir em nosso favor, só assim creio que vamos poder ficar com o nosso ganha-pão garantido".

Agora, o "Seu" João, não é apenas a lanchonete, ele tem muitas estórias pra contar e foi aproveitando a deixa da pendenga da retirada da lanchonete que o entrevistamos. Acompanhem as estórias que o "Seu" João tem pra nos contar.


Zk – Você é de onde?

Seu João - Sou de Rondônia, não era nem Rondônia era Território Federal do Guaporé quando eu nasci em 1947 na Vila de Jacy Paraná. Sou mais rondoniense que os rondonienses que aparecem por aqui.


Zk – E seus pais?

João - Meu pai é cearense e migrou para Porto Velho em 1943; minha mão é amazonense nascida em 1926. Ele José Ribeiro de Souza e ela Erotides França de Souza ambos já falecidos.


Zk – Fala um pouco da tua infância?

Seu João - Nasci no seringal Santa Rosa quando Jacy ainda era Vila, nasci e fiquei por lá até os doze anos de idade. Depois fui morar quilometro 74 porque meu pai trabalhava na Estrada de Ferro como Cassaco e por causa dessa atividade dele, a gente estava viajando ou mudando de um acampamento pra outro, depois viemos pro quilometro 25 que era lã no Teotônio. Só em 1958 foi que viemos morar em Porto Velho.


Zk – Por falar em acampamento da Estrada de Ferro, como eram as casas desses acampamentos?

Seu João - Eram umas casinhas de alvenaria bem, feitinha com banheiro e sanitário interno, tinha uma varandinha, mas o bom mesmo era o quintal.


ZK – Por que o quintal?

Seu João - Porque o quintal dessas casas era grande e a gente podia brincar a vontade, além da nossa mãe plantava verdura, criava uma galinhazinha, criava um porco, criava aqueles bichinhos que eram fáceis de lidar no dia-a-dia, quando nós viemos pra Porto Velho foi diferente, o espaço já era menor, as casas tinham que ter dono o terreno não era à vontade como antes, quando viemos pra Porto Velho éramos em 13 irmãos, então, o salário do velho na Estrada de Ferro como Cassaco era pouco, era como se fosse um salário mínimo hoje, então, minha mãe ajudava fazendo salgadinho, croquete, tapioca e a gente ia vender.


Zk – Peraí vamos dar tempo nessa fase de Porto Velho e voltar a Jacy Paraná. Vocês vendiam guloseimas no trem?

Seu João - Vendia sim. Dependia do horário que o trem ia passar, se era entre meio dia e três da tarde a gente vendia comida mesmo. Se mais pra tarde a gente vendia o que se chamava de merenda, café com leite tapioca, pé de moleque, mingau e a noite era janta. Quando a gente veio morar no 25 o trem passava de manhã cedo então os passageiros queriam tomar café com leite, mingau, pão, essas coisas do café da manhã. Era assim, o trem saia de Porto Velho, por volta das seis horas da manhã, passava no km 25 as sete e parava pro almoço em Jacy. Na volta de Guajará ou de Abunã ele passava à tarde, ou seja, na hora da merenda a janta era em Porto Velho.


Zk – É verdade que quando era tempo de férias e os estudantes faziam excussões para Guajará Mirim a turma jogava o prato no rio Jacy para não pagar a comida.

Seu João - Isso acontecia mesmo, minha mãe levou muito "trambique" dos estudantes, era o seguinte: Tinha a estação e em volta da estação, eram montadas várias barracas vendendo comida e outras coisas, os estudantes chegavam naquelas embaixadas, geralmente os estudantes do colégio Dom Bosco, que era o maior de Porto Velho e como não tinha mesa nas "bancas" de comidas eles iam sentar na escadaria que dava acesso ao rio Jacy, ali mesmo, quando eles acabavam de comer jogavam os pratos no rio. Geralmente eles ficavam "embromando" até o trem apitar avisando que ia sair então, eles jogavam o prato no rio e saiam correndo pro vagão. Para eles, era uma festa, para nós que vivíamos daquilo, era muito ruim.


Zk – O que vocês serviam no almoço em Jacy

Seu João - Era uma galinhazinha caipira, uma caça como paca, tatu. Naquele tempo tinha abundancia disso, servia uma jatuarana bonita, tucunaré grande, em Jacy até hoje tem muita abundancia de peixe.


Zk _ Quando foi que vocês vieram de vez para Porto Velho?

Seu João – Em 1958 e fomos morar no Morro do Triângulo. Ali encontramos o Cardoso, Miguel que foram os fundadores da escola de samba o Triângulo não Morreu. Tinha também o Boi-Bumbá do Cabo Fumaça o famoso Boi Fortaleza. Eu brinquei no boi e na escola de samba.


Zk – Seu pai sempre foi cassaco na Estrada de Ferro?

Seu João – Quando ele veio para Porto Velho ficou pouco tempo trabalhando como cassaco, logo ele foi para a carpintaria e lá virou carpinteiro. A carpintaria da Madeira Mamoré funcionava num galpão que ficava ao lado das oficinas bem em frente à Vila ferroviária da Farquar que na época a gente chama de "casinhas".


Zk – Quer dizer que você desde criança, é vendedor de guloseimas, como tapioca, saltenha, essas coisas. Você também sabe preparar essas comidas?

Seu João – Minha mãe fazia questão que a gente aprendesse a fazer os doces e salgados daí, entre meus irmãos me destaquei, quer dizer aprendi e gostei da atividade e nela e dela vivo até hoje.


Zk – Aqui em Porto Velho vocês continuaram a vender no tabuleiro?

Seu João – Claro, a gente saia por aí com o tabuleiro na cabeça, oferecendo, Olha a tapioca, olha o croquete, bolo de macaxeira, pé de moleque, tem mingua de arroz de milho e de banana. A gente vendia na hora da saída do trem horário de madrugada e na chegada. Vendia também pelas oficinas da Madeira Mamoré.


Zk – Sempre vivendo nas proximidades da linha do trem, com certeza você "amocegava" os vagões. Tem alguma estória sobre essa peraltice de adolescente?

Seu João – Tem uma estória muito bonita a esse respeito. Geralmente quando a gente vinha pra rua, na volta com preguiça de voltar a pé, amocegava trem. Um dia, vim vender um negócio que não precisava tabuleiro e quando acabei de vender resolvi voltar logo pra casa, vi uma máquina fazendo manobra e pensei, ela vai fazer a volta no Triângulo e amoceguei. Quando a máquina foi chegando, foi acelerando, acelerando, passou do Triângulo, meu Deus, quando chegou lá pelo Bate Estaca, resolvi pular e pulei errado, me estatalei no chão, cheguei em casa todo arranhado e ainda levei uma surra da mamãe.


Zk – Você sempre trabalhou com lanchonete?

Seu João – Desde criança. Quando eu tinha 16 pra 17 anos fui trabalhar no jornal Alto Madeira e depois no O Guaporé. Fui dobrador de jornal, assei para vendedor e por ultimo passei a trabalhar na oficina como linotipista. Quando sai do jornal fui pro quartel e quando dei baixa não quis mais trabalhar em jornal. Fui trabalhar como vendedor de eletrodoméstico. Depois fui trabalhar de garçon numa lanchonete a Ultra Lanche que funcionava no prédio da casa do Comendador Bernardo Simião na Rua Natanael de Albuquerque com a José de Alencar, depois fui pruma lanchonete na Sete de Setembro e depois o Willibaldo me convidou pra trabalhar com ele no Bar do Canto isso em 1972.


Zk – No Bar do Canto?

Seu João – Sim. Depois de algum tempo o Willibaldo me fez uma proposta de venda, ao lado morava um sargento da FAB que entrou no negócio já que eu não tinha posse, ele entrou com o dinheiro e eu com o trabalho e ficamos sócios na Lanchonete do Bar do Canto. Ele deu a metade do dinheiro pro Willibaldo e parcelou o resto. No primeiro mês eu paguei o Willibaldo e no segundo mês paguei a parte do sargento e fiquei com a lanchonete só pra mim. Fiquei lá de 73 a 77 quatro anos.


Zk – E foi pra onde?

Seu João – Montei uma lanchonete ali no Canto da Catedral onde hoje é a Livraria Paulinas, onde fiquei apenas um ano e meio e vendi minha parte ao, professor Deusdete.


Zk – E o lanche do Mercado Municipal?

Seu João – Foi justamente nessa época. Aluguei um Box, aliás subloquei de um senhor que também se chamava João. Era o Box que ficava bem na esquina da José de Alencar com a Rua da Praça Getulio Vargas, ao lado tinha o J Lima. Fiquei no mercado durante sete anos até que o Tourinho comprou a concessão desse cidadão que falei.


Zk – Como foi essa estória de derrubar os Box do mercado?

Seu João – O Tourinho comprou a concessão de todo mundo que tinha Box naquela parte do mercado que não tinha pegado fogo. Depois ele pagou o transporte de todo mundo para retirar o material. Para não chamar a atenção da população numa quinta feira Santa quando o povo estava concentrado nas atividades religiosas, ele mandou derrubar o resto do mercado municipal, quando o povo viu quase tudo já estava em baixo, foi aquele corre, corre, até que impediram a demolição de alguns Box.


Zk – E você foi trabalhar aonde?

Seu João – Fui trabalhar como garçon no Te Guenta que na época já era do Batista. Depois de alguns meses achei de arrendar o Te Guenta e foi aí que me dei mal.


Zk – Por quê?

Seu João – Porque quando arrendei o bar tava faltando cerveja e tudo que se comprava tinha que se pagar ágio, era na época do governo Sarney, era tudo tabelado, os ficais (povo) do Sarney não davam trégua. Aí fali de verdade, perdi tudo que tinha e fiquei na "lona". Passei uns três meses sem fazer nada. Em 1990 montei um trailer na esquina da José de Alencar com a Carlos Gomes. Em 1995 mudei para o canto da Casa da Cultura que ainda estava sendo construída, pela Carlos Gomes com a Presidente Dutra.


Zk – E esse local onde você está hoje quem foi que cedeu?

Seu João – O Presidente da Funcetur era o Ruy Motta e quando foram inaugurar o prédio ele chegou comigo e disse: "Moreno, tu vais ter que sair daí. Para você não ficar desempregado, faz um negocinho ali atrás, faz um negocinho simples, não faz muito caro, porque vai ficar fora da arquitetura do projeto da casa". Foi o que fiz e estou aqui até hoje.


Zk – Quem foi que chegou com você e disse que você tinha que sair do local?

Seu João – Foi o Luiz Carlos Venceslau. Ele chegou comigo e disse que eu tinha que sair porque isso aqui era da Casa da Cultura. Ele veio numa quarta feira e disse que eu tinha que sair até na sexta. Diante disso entrei na justiça reivindicando meus direitos. Eu com onze anos aqui dentro e o cara me manda sair assim sem trazer um Memorando, um documento oficial. Quer dizer, o tempo que passei aqui, servindo a Casa da Cultura e até sendo o vigia da Casa porque o governo não ligava pra isso aqui, não conta, e a consideração.


Zk – Fala sobre o funcionamento da Casa antes da reforma?

Seu João – Isso aqui era tudo aberto e os meninos que trabalhavam na casa como o Carlinhos Maracanã, Flávio Carneiro, Bubu, sempre estavam fazendo atividades culturais, como o Projeto Cinco e Meia, a Sexta as Seis, aos sábado sempre tinha uma roda de samba e que servia o pessoal era eu, quem cedia pratos, copos e mesas era eu. A mesma coisa era quando acontecia lançamento de livros, abertura de exposição, enfim qualquer atividade, quem colocava a estrutura de mesa e geleiras era eu. Aí vem o Venceslau e diz que eu tenho que sair a toque de caixa! Procurei meus direitos acontece que agora Justiça deu ganho de causa para a Secel e u vou ter que sair.


Zk – Não tem mais apelação?

Seu João – Judicialmente, acho que não, agora politicamente acho que sim. Se eu fosse parente, aderente de um político com certeza não sairia daqui. De qualquer maneira apelo aos amigos políticos, vereadores, deputados, senadores, secretários, enfim todos que exerçam poder para solicitarem ao governo estadual a minha permanência aqui.


Zk – O que você tem como justificativa pára permanecer?

Seu João – Posso afirmar, que aqui é ponto de referencia cultural, aqui se marca encontro para fazer hora para desfilar na Banda do Vai Quem Quer, Galo da Meia Noite e tantos outros blocos que saem do bairro Caiari. Aqui a gente criou aos sábados, o café da manhã regional que é freqüentado por poetas, músicos, cantores etc. É aqui que se fica sabendo da agenda cultural da cidade. É aqui que a turma vem ler a coluna do Zekatraca que sai no Diário da Amazônia todo dia. É aqui que as "meninas" cabeleireiras vêm me aprontar no dia do desfile da Banda. Aqui freqüentam deputado, senador, prefeito, secretários, intelectuais, poetas, jogadores, pescadores, caçadores e outros mentirosos.


Zk – Você quer dizer mais alguma coisa?

Seu João – Quero agradecer a todos que até hoje freqüentam a nossa lanchonete. Foram onze anos convivendo na paz e harmonia, muitos anos contando e ouvindo estórias sobre a nossa cidade e estado. Espero que alguém se comova ao ler essa entrevista e fale com o governador para que deixe a gente permanecer com a lanchonete aqui, até porque a lanchonete não atrapalha em nada as atividades da Casa da Cultura, muito pelo contrário. Deixem a Lanchonete do Seu João funcionando aqui. Obrigado!

Fonte: [email protected]
 

* O conteúdo opinativo acima é de inteira responsabilidade do colaborador e titular desta coluna. O Portal Gente de Opinião não tem responsabilidade legal pela "OPINIÃO", que é exclusiva do autor.

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