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Silvio Santos

EDILSON LUCAS DE MEDEIROS: Seringueiro o desbravador da Amazônia


Na última quinta feira, estávamos escutando o programa “A Bronca é Sua a Ajuda é Nossa” na Rádio Caiari, quando a Cristiane Lopes começou a entrevistar um cidadão que estava divulgando seu mais novo trabalho literário. De repente o entrevistado começou a falar sobre a vida no seringal e mais, que no livro que ele escreveu sobre o assunto e que vai estar nas livrarias dentro em breve, narra fatos por ele vividos nos seringais da bacia do rio Jaru e rio Machado. “Vivi minha infância no seringal Pirapora justamente onde hoje está o município de Vale do Paraíso”. Peguei o gravador e parti rumo à emissora católica e lá encontrei o ex seringueiro e hoje escritor Edilson Lucas de Medeiros. Esperei o programa terminar e então pedir licença a Cristiane e gravei a entrevista com o professor aposentado pelo estado de Rondônia que hoje mora em Teresina no Piaui.

Edilson Lucas de Medeiros nasceu no município de Ceará - Mirim no Rio Grande do Norte. Por motivos financeiros ainda criança deixou a terra nordestina, mudou-se para a cidade de Manaus e depois para o Território Federal do Guaporé hoje Rondônia. As histórias do ex seringueiro e professor aposentado são interessantes e nos leva a entender melhor a lida do seringueiro nos seringais de Rondônia.

 
 

EDILSON LUCAS DE MEDEIROS: Seringueiro o desbravador da Amazônia - Gente de Opinião


 

E N T R E V I S T A 
 

Zk – Como o senhor chegou até esse livro?

Edilson Lucas – O primeiro objetivo é fazer com que a história da ocupação da Amazônia, a história do nordestino, do seringueiro, do soldado da borracha, não fique apagada no tempo. A gente sabe que na verdade, a história do extrativismo da borracha, a maioria do pessoal formado em curso superior, não tem conhecimento.

 

Zk – Por quê?

Edilson Lucas – Porque foi um conteúdo que não foi escrito, o que se sabe até hoje sobre o extrativismo da borracha é apenas através da história oral.

 

Zk – O que lhe respalda a afirmar que o seu livro vai fazer a diferença entre tantos que tratam do assunto?

Edilson Lucas – Acontece que fui extrator de borracha, minha vida, desde os quatro até os 17 anos de idade, foi dentro dos seringais, depois, tive a oportunidade de fazer o curso de História na Universidade Federal de Rondônia com especialização em História Regional pensei: Por que não juntar esse conhecimento acadêmico com a minha convivência naquilo que passei nos seringais como extrator de borracha! Não tenho de maneira nenhuma o objetivo de me envaidecer e nem tão pouco pensar em aparecer, quero apenas contribuir com o estado de Rondônia contando histórias do passado que pouca gente conhece.

 

 Zk – Quer falar sobre sua vinda para a região que hoje faz parte do estado de Rondônia

Edilson Lucas – Vim para a cidade de Porto Velho aos 17 anos de idade, analfabeto. Saímos do seringal Pirapora que hoje é a região do município Vale do Paraíso. Me criei ali, Pirapora, Santa Cruz, Curralinho que fica na beira da estrada. Então minha infância foi vivida nessa região, cortando seringa, extraindo caucho. Trabalhei também na BR 364 quando criança com meu pai. Sou proletário, sou trabalhador, tive a oportunidade de fazer um curso superior graças a Deus e mudei de vida.

 

Zk – Qual a diferença entre a extração do caucho e a da seringa?

Edilson Lucas – O caucho é um vegetal que é extraído da seguinte maneira: Você usa um facão e uma marreta, faz um pique no meio da floresta localizando as árvores, então pega, sangra e depois derruba aquela árvore, em seguida anela toda e extrai o leite que depois de coalhado é transformado em pranchas. O caucho só se extrai uma vez, porque quando você derruba a árvore ela não vai mais produzir.

 

Zk – Como é na realidade o processo para colher o leite do caucho?

Edilson Lucas – Você limpa um local, faz uma espécie de panela (buraco) no chão e o leite cai ali dentro, quando fica sólido você recolhe bate a areia o barro aí traz para casa coloca de molho bate novamente e imprensa formando o que chamamos de prancha.

 

Zk – E a seringa?

Edilson Lucas – Primeiro você tem que formar o que eu chamo de Centro de Produção da Borracha que é a colocação. A colocação é integrada pela casa do seringueiro, o defumador, Depois você abre as estradas. Cada seringueiro tem direito a três estradas para trabalhar, então você passa a extrair o látex da seringueira com a faca de seringa, cortando nas “reações”, coloca a tigela, o leite vai pra dentro da tigela, depois você recolhe, defuma ou bota pra coalhar. A seringueira produz durante muito tempo, dificilmente ela chega a morrer. Na verdade ela tem uma produção contínua. Não é o caso do caucho.

 

Zk – Como é que funciona esse negócio de bandeira no corte da seringueira?

Edilson Lucas – Bandeira é também chamada de “reação”. Nos seringais tinha uma tabela: Um Palmo e Uma Polegada, digamos assim, de 25 a 30 cm que começa a uma altura de 2 metros acima do solo e vai descendo. Ela é cortada em diagonal que é pro leite corre dentro do traço que é um riscozinho e cair dentro da tigela. Você corta a seringa e embute a tigela pela parte da manhã e na parte da tarde recolhe o leite no balde, coloca no saco e leva para o defumador com a fornalha pra transformar o líquido em sólido que é a borracha.

 

Zk – Como é que acontece o processo da defumação?

Edilson Lucas – Esse processo de defumar é uma coisa interessante: No defumador você tem a fornalha, o porão que é um buraco no chão de 2 X 2 metros X 2 metros de fundura, em cima da fornalha tem o bojo onde se joga o cavaco (geralmente esse cavaco é de côco babaçu), embaixo tem o suspiro que serve também para a gente tocar fogo, depois que o côco começa a queimar surge uma pressão muito forte e sai um tubo de fumaça na parte de cima através de um orifício de 10 cm de diâmetro e então você molha a borracha com o leite da seringa com uma cuia e imediatamente, leva pra fumaça que está em alta temperatura e o leite líquido se transforma em sólido formando a pela da borracha. O outro processo é que chamamos de coalho.

 

Zk – Como funciona esse processo?

Edilson Lucas – O coalho é simples você colhe o leite da seringa e coloca pra coalhar e pronto

 

Zk – É através do coalho que se faz a manta da seringa em vez da pela?

Edilson Lucas - Não! Aquele processo de manta é quando a borracha é beneficiada como acontecia aqui na Usina São Domingos que funcionava no bairro do Areal. Na fábrica de Borracha como a gente chamava a Usina, a borracha era cortada e passava pelo processo de beneficiamento, era tirada a Borracha Fina e a Entre Fina e depois era transformada em Mantas pra ser comercializada.

 

Zk – E o sernambi?

Edilson Lucas – O sernambi na realidade é uma borracha de terceira qualidade. O que é o sernambi: Aquele leite que escorre do traço que você dá e cai no chão, depois que ele coalha o seringueiro recolhe e o coloca como parte da produção de 3ª classe. É o leite que escorre da tigela, que cai no chão, é o leite que fica na bacia. Todo aquele detrito do leite coalhado que não foi defumado, é sernambi.

 

Zk – Qual a diferença do sernambi virgem para o sernambi rama?

Edilson Lucas – Na verdade, o que alguns seringueiros chamavam de sernambi Rama, era aquele que eles recolhiam do traço da seringa. Acontece que tem seringueira que tem o leite muito forte, grosso, como o seringueiro chama, quando a gente corta ela esborra, quer dizer, sai fora do traço. O seringueiro recolhia aquilo ali enrolava e chamava de Sernambi Rama. O Sernambi Virgem é o que é tirado do fundo do balde ou da bacia.

 

Zk – No meu tempo de menino a gente jogava futebol com bola de seringa. Qual o processo que o seringueiro usa para confeccionar essas bolas?

Edilson Lucas – O primeiro europeu, (está no nosso livro), a ter contato com os produtos da seringueira foi Cristóvão Colombo, isso na segunda viagem que ele fez a América. Ele se espantou quando viu alguns indígenas jogavam bola com uma bola que quando batia no solo saltava várias vezes. O processo para se fazer esse tipo de bola é: Você defuma um vidro, depois sopra fazendo um balão e então você enrola na capa da bacia. Capa da bacia é aquele leite que fica no fundo da bacia. Bom a gente vai enrolando o balão nessa capa. Fiz muito isso pra jogar futebol, só que a bola salta muito. O que a gente fazia, pegava pano molhava no leite da seringa cobria a bola e então jogava aquela capa da bacia por cima aí ela ficava quase igual à bola de couro.

 

Zk – E sapato?

Edilson Lucas – Assim como o sapato normal é feito através de forma o sapato da seringa também, só que a forma do sapato de seringa é de madeira. Do mesmo jeito que você defumava a borracha, você molhava aquela forma de madeira com leite e levava à fornalha ao tubo de fumaça em alta temperatura, fazia várias vezes até chegar a uma espessura recomendável, digamos 30 lavagens e deixava secar. Quando secava no sol passava dez dias secando já estava vermelhinho, você cortava, retirava da forma e usava.

 

Zk – Nos seringais por onde o senhor andou naquele tempo os índios atacavam?

Edilson Lucas – O primeiro seringal que trabalhamos foi no Alto Jaru seringal do senhor Afonso José dos Santos chamado de seringal Canarana. Nessa região eu era muito criança, não lembro, mas, era uma região que tinha bastante índio, tinha muito pium então, foi uma vida de sofrimento, inclusive faleceu um irmão meu e depois viemos para um seringal um pouco abaixo por nome Ouro Negro do senhor Raimundo Martins e lá, também faltava tudo, não tinha alimentação apesar de ter muita caça do mato, mas. Muitas vezes faltava até munição pra gente matar as caças e então meu pai foi parar no seringal Curralinho de propriedade do senhor Raimundo Ferreira dos Santos e aí nós ficamos até 1964 trabalhando ali no seringal Pirapora na região onde hoje é o município de Vale do Paraíso.

 

Zk – E histórias dos encantados da floresta como Mapinguari, Curupira, Matinta Pereira etc.?

Edilson Lucas – No livro que estamos lançando agora, escrevemos uma parte sobre isso e falamos do Mapinguari. Comumente a gente ouvia falar de Mapinguari, não era coisa do outro mundo, a gente criança ficava assustada quando contavam histórias de Mapingiuari.

 

Zk – Tem alguma história pra nos contar?

Edilson Lucas – Tem uma história baseada naquilo que nós ouvíamos no seringal, escrevemos aproximadamente 20 páginas, as professoras de português que corrigiram o livro ficaram encantadas. Mas como e tal! A gente faz um comentário a respeito do que ouvimos hoje. O pessoal que escreve sobre Mapinguari, dizendo que a boca é no abdome. Não tem nada disso, eu nunca ouvi falar isso no seringal. O que ouvíamos era que. O Mapinguari era um ser semelhante a um homem de 2 metros ou mais de altura, muito forte, tinha um olho só no meio da testa e era muito cabeludo e os pés parecidos com uma mão de pilão e que esse animal era muito feroz e quando vinha, vinha gritando, era uma negócio tenebroso e que pegava os seringueiros. Em cima disso contamos uma história que envolve dois paraibanos. Isso você só vai ficar sabendo ao ler o livro - “Seringueiro o desbravador da Amazônia”.

 

Zk – Vamos falar sobre sua família?

Edilson Lucas – Meu pai e minha mãe eram paraibanos e moravam no Rio Grande e de lá, no tempo do soldado da borracha, parte da minha família foi para o Acre e é aquela história que colocamos no livro. Por que o nordestino vinha pra Amazônia? Era comum quando o cidadão retornava da Amazônia dos seringais, chegava lá contando histórias importantes, que aqui se ganhava dinheiro muito fácil e era fácil de enricar, essas coisas. Ele nunca contava a situação de dificuldade, sempre contava vantagem. Muitos dizem, mas, o governo fazia propaganda, certo, mas o nordestino que retornava também fazia propagando positiva. Meu pai foi um dos que se iludiu com as histórias que o irmão dele contou sobre as vantagens. Tinha até um ditado “você precisa de um rodo pra juntar tanto dinheiro”.

 

Zk – E sua vinda definitiva para Porto Velho?

Edilson Lucas – Foi interessante, chegou um tempo que as coisas no seringal a cada dia ficavam pior. Aí teve uma irmã minha que adoeceu e meu pai disse: vamos pra cidade. Na verdade a gente ia pra Manaus, porém ao chegar a Porto Velho fomos ficando e ficamos até hoje. Eu sempre tive o intuito de estudar, no seringal aprendi a ler, mas, não aprendi escrever. Aí peguei essa oportuniddade e depois que meu pai foi voltar para o seringal disse que iria ficar na cidade e fiquei.

 

Zk – Sobre seus estudos?

Edilson Lucas – Interessante se eu te disser uma coisa tu não acreditas. Quando entrei pro Exército em 1964/65 um determinado dia o Sargento colocou a gente em forma e perguntou: Quem aqui não sabe escrever? Vários levantaram as mãos e eu estava nesse meio. Então colocaram a gente pra estudar na escola Regimental no Barão do Solimôes, minha primeira professora foi Maria da Paz que até hoje está aí. Quando saí do Exército fiquei desempregado e sem estudar, foi quando um amigo meu me arranjou um emprego de Lixeiro na prefeitura e então voltei a estudar isso em 1971.

 

Zk – Fez o que?

Edilson Lucas – Fiz o primário, naquele tempo tinha o Mobral e do Mobral a minha vida estudantil foi a Universidade. Nunca fiquei reprovado.

 

Zk – Na Universidade?

Edilson Lucas – Sou licenciado em Geografia depois fiz história na UNIR. Quando entrei na UNIR já era professor. Foram 31 anos dando aula como professor em sala de aula.

 

Zk – Você é de quando?

Edilson Lucas – Sou do dia 7 de Setembro de 1944.

 

Zk – Seus livros podem ser encontrados aonde?

Edilson Lucas – Temos três livros: Rondônia Terra dos Caripunas, A História da Evolução Sócio-Política de Rondônia e agora Seringueiro o Desbravador da Amazônia que chega às livrarias até o final desta semana. Os três são comercializados pela Loja do Livro e pela Exclusiva e no Sebo da Carlos Gomes

* O conteúdo opinativo acima é de inteira responsabilidade do colaborador e titular desta coluna. O Portal Gente de Opinião não tem responsabilidade legal pela "OPINIÃO", que é exclusiva do autor.

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