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Gente de Opinião

Serpa do Amaral

Zapata Perdeu a Vida. Lula Perdeu a Voz


 
Por Antônio Serpa do Amaral Filho

Lula pisou na bola: silenciou quando deveria ter falado e falou quando deveria ter silenciado. Fez comparações estapafúrdias e disse coisa nenhuma, quando deveria ter sido a caixa de ressonância da crítica e da autocrítica da esquerda latino-americana. Perdeu, assim, a oportunidade histórica e dialética de se firmar como porta-voz da justiça social com democracia e respeito aos direitos humanos. As traças do poder parecem estar corroendo o estofo ético e ideológico do Filho do Brasil.

Ele tropicou e caiu feito um mocorongo que leva uma topada. No meio do caminho tinha uma pedra esperando-o na esquina do tempo. Seu nome: Orlando Zapata Tamayo, um dissidente cubano recentemente falecido, cuja morte engasgou o presidente-operário. Zapata fazia greve de fome e lutava por melhores condições de vida dentro do cárcere onde expiava sua condenação. O petista se comportou como um fervoroso militante esquerdista da década de 60, apaixonado pelo comunismo, mas incapaz de exercitar um mínimo de crítica às truculências praticadas nos bastidores da Cortina de Ferro. Lula preferiu a dissimulação a postura crítica, fez opção pelo pragmatismo ético e amarrou seu burro no convencionalismo diplomático da não-interferência em detrimento da grandeza do humanismo que não se submete às etiquetas da política de boa vizinhança. Cuba já foi a menina dos olhos da esquerda brasileira. Assim como o comunismo, à moda soviética ou chinesa, ou albanesa, também tomou ares de verdade histórica incontestável entre nós. O Muro de Berlim ruiu, a Albânia desapareceu, a China transformou-se e a União das Repúblicas Socialista Soviéticas sucumbiu para sempre, varrida do mapa pelas ondas intrínsecas e turbulentas da perestroika e glasnost. Só a velha Cuba se mantém de pé – a um custo social altíssimo, o que é sabido por todos, menos por Lula, que cinicamente finge não ter a menor idéia do que se passa sob as barbas de Fidel.

Quando um líder político abre mão de valores essenciais à afirmação dos direitos humanos, sem dúvida que é chegada a hora de ser olhado com desconfiança e cautela, porque isso é um claro sinal de que sua alma está encomendada ao culto do poder pelo poder, ao culto do personalismo ideológico, ao inferno dos interesses de governo que transaciona com governo no estrito limite do que seja vantajoso para ambos. O socialismo é uma forma de humanismo, mas, circunscrito ao exercício do poder pelo homem, só vai até onde vão os interesses de Estado, de cúpulas e cópulas do poder com o Príncipe e seus correligionários. O humanismo verdadeiro, ao contrário, tem combustível moral para ir muito além das marcas recordes do socialismo real, tupiniquim ou cubano. E, no exercício do poder, para falar a verdade nua e crua, o humanista não precisa ter aquilo roxo não, basta ter a firme convicção de o homem está sempre acima dos governos, das ideologias, do partido e do Estado. Esse é o diferencial entre a política como ferramenta de administração e essa mesma política com expressão do comprometimento total com os interesses do habitante da polis, o homem.

Lula quer emplacar Dilma. Ela, que hoje é pré-candidata à presidência da república, pelos seus feitos em plena ditadura militar, fosse uma combatente cubana, estaria agora jogada às baratas num fedorento cárcere do quintal de Fidel Castro. Se eleita, Dilma deve mostrar ao companheiro Lula que, quando se pega em arma para defender a liberdade, a voz não deve calar nunca, enquanto houver uma centelha de consciência ardendo na alma de quem tem o poder do Estado enfeixado em suas mãos.

Orlando Zapata era um operário, lutou e perdeu a vida. Lula também era um operário, ganhou duas eleições e perdeu a voz.

* O conteúdo opinativo acima é de inteira responsabilidade do colaborador e titular desta coluna. O Portal Gente de Opinião não tem responsabilidade legal pela "OPINIÃO", que é exclusiva do autor.

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