Terça-feira, 7 de maio de 2024 | Porto Velho (RO)

×
Gente de Opinião

Serpa do Amaral

Debaixo dos caracois dos seus cabelos


Por William Haverly Martins

O jogo do ano! As chamadas televisivas giraram o mundo em vários idiomas e alcançaram meus ouvidos no nosso bom e velho português, a base materna da minha árvore genealógica advém daquelas distantes paragens: Reino de Leão e Castela. Nem precisava dizer que estou me referindo ao jogo do Real Madrid com o Barcelona, brasileiro de boa cepa, faço parte da legião dos apaixonados por futebol, abasteci-me de vinho produzido no Vale do São Francisco e auscultei minha expectativa, percebendo que ansiava por um jogo de afagos e cumprimentos à bola, com firulas e dribles de ambas as partes, mas, com o desenrolar do cronômetro, a peleja a mim me pareceu truncada, violenta, com escaramuças mútuas, o câmera man, envergonhado com a propaganda enganosa, passeou o foco pelas arquibancadas, uma faixa da torcida madrilena – VIVIMOS POR TI VENCE POR NOSOTROS – me teletransportou para Catalunha versus Madrid, a bola fora dividida ao meio: duas línguas - espanhol e catalão e em duas regiões da Península Ibérica - central e mediterrânica. Um país dentro de outro, com todo um passado de disputas hegemônicas, invasão de outros povos, conchavos familiares, raízes de um povo construindo a sua identidade.

O futebol perdia momentaneamente o viço e a História assomava meu cérebro por inteiro, massageando o cantinho da memória da leitura, dos estudos e da genética dos arquétipos coletivos deixados em mim pelo tempo. Perto do final do jogo, voltei do meu devaneio sob o compasso do bailarino Messi: balançando seus longos cabelos, traçou com dois belos gols a história daquele jogo, mas não imaginava o quanto de historia havia na trajetória perseguida no tapete verde, transformando a Espanha em monarquia constitucional. Lembrou-me a Espanha Muçulmana, a Reconquista, a Guerra Civil e a Espanha Moderna: foram vários gols de placa na memória de um povo com um dos mais significativos patrimônios históricos culturais da velha Europa, com participação expressiva de Portugal, consequentemente do Brasil.

De há muito venho batendo na tecla da insistência: precisamos chamar à responsabilidade o prefeito e o presidente da Fundação Iaripuna, no sentido único da valorização do nosso patrimônio histórico cultural. Sei que minha pena tem pouca penugem, mas a persistência não me incomoda, continuo lembrando da necessidade de se restaurar o prédio da velha prefeitura e da velha câmara, ali pertinho do nosso alcaide, na ladeira comendador Centeno, o prédio é tombado pelo patrimônio do município. Vale aqui parodiar Noel Rosa no “Samba da boa vontade”: “Comparo minha Porto Velho / A uma criança perdulária / Que anda sem vintém / Mas tem a mãe que é milionária”.

Já não pensamos a E.F.M.M., como símbolo da modernização do início do século XX, nem como interface tecnológica e econômica da modernidade, nos conformamos em tê-la como representante maior da nossa identidade material, com respingos importantes na cultura de nossa gente, somos gratos pela reforma do acervo, demorada como tudo que o prefeito faz, mas está sendo feita, inclusive com a mudança, de bagagens e cuia, do presidente da Fundação Iaripuna e sua trupe para o prédio onde funcionou a Estação, nada a reclamar. Fiquei sabendo, de fontes secretas e confiáveis, que o Consórcio de Energia Santo Antonio pretende colocar o trenzinho pra funcionar a partir de agosto deste ano e me ocorreu movimentar a ACRM no sentido de escolhermos uma data para termos um Vagão da Seresta, nos moldes do que é feito no dia 2 de dezembro no Rio de Janeiro – o Trem do Samba e nos festejos juninos em Pernambuco e Paraíba – o Trem do Forró! A E.F.M.M. precisa de mais atrativos para ser motivo de orgulho da exigente juventude de hoje.

O trabalho está só começando, logo estaremos solicitando da Assembléia Legislativa a criação do Dia da Identidade Cultural de Rondônia, festejando nas escolas e nas ruas, com passeata, trio elétrico e distribuição de panfletos, contando, todos os anos, a história de nossa cidade, do nosso estado, de nosso povo. Os deputados falam tanto em respeito que chegou a hora de respeitarem nosso lugar e nossa gente nos ajudando nesta empreitada cultural.

O pequeno grupo administrativo de Rolim de Moura, em debandada, não mais cobrará, gozando com a cara do povo, compromisso dos portovelhenses com a sua identidade cultural, muito menos preocupação com a autoestima, estamos livres do tratado de brucutulogia de um grupo que não se cansava de malhar nossos valores culturais advindos da educação e formação histórica de nossa gente.

Aos poucos, instituições como a ACRM – Associação Cultural Rio Madeira, a ACLER – Academia de Letras de Rondônia e outros grupos em formação haverão de orientar nosso povo na hora de cobrar de políticos e administradores maior compromisso com esta terra. Chega de se conformar com pouco: o Mercado Cultural veio pela metade, depois de mais de vinte anos de brigas, e com um quasímodo de concreto nas costas, mas foi entregue como o maior bem cultural já concluído por um prefeito. O simples asfaltamento de uma rua é motivo de propaganda municipal no horário nobre da televisão, como se não fosse a obrigação dele. Nada se fala dos absurdos viadutos implodidos pela incompetência, o povo merecia, em horário nobre, explicação.

Queremos mais, nosso povo está cansado do pouco anunciado como muito, usaremos, na oratória, palavras convincentes, como as tintas do pincel de Miró e na ênfase da persuasão algo como a genialidade do arquiteto Gaudí, vide Igreja da Sagrada Família, de Barcelona. No mais é acreditar nos nossos simbólicos sansões culturais da Secel e da Iaripuna, que eles mostrem a nosotros destas plagas do sol poente que embaixo dos caracóis dos seus cabelos existe uma história pra contar e reverenciar: a história de Porto Velho, a história de Rondônia.

William Haverly Martins: baiano de nascimento, mas rondoniense de paixão, cursou Direito na UFBA e licenciou-se em Letras pela UNIR, é professor, escritor, membro efetivo da ACRM – Associação Cultural Rio Madeira e ocupa a cadeira 31 da ACLER – Academia de Letras de Rondônia. [email protected]
 

* O conteúdo opinativo acima é de inteira responsabilidade do colaborador e titular desta coluna. O Portal Gente de Opinião não tem responsabilidade legal pela "OPINIÃO", que é exclusiva do autor.

Gente de OpiniãoTerça-feira, 7 de maio de 2024 | Porto Velho (RO)

VOCÊ PODE GOSTAR

 Os homens do poder sempre passarão; o bom humor, passarim!

Os homens do poder sempre passarão; o bom humor, passarim!

Apesar do vazio cultural, da perda irreparável para o humanismo e para a criatividade brasileira e do profundo incômodo emocional provocado pela par

A origem do nome das Três Marias – as estrelas cintilantes da nossa identidade cultural

A origem do nome das Três Marias – as estrelas cintilantes da nossa identidade cultural

Em Porto Velho, todo mundo sabe que as caixas d’água instaladas numa praça do bairro Caiari são popularmente chamadas de Três Marias! Porém, ninguém

 Brasil e o Guaporé, tudo a ver!

Brasil e o Guaporé, tudo a ver!

A obra do jornalista Zola Xavier, Uma Frente Popular no Oeste do Brasil, que será lançada em breve na Casa da Cultura de Porto Velho, desponta hoje

Os Trapezistas do Circo da Fuleragem Assaltaram o Mercado Cultural

Os Trapezistas do Circo da Fuleragem Assaltaram o Mercado Cultural

O bafo sonoro do berimbau de lata repercutiu azedo e cativante ao mesmo tempo, enquanto Dom Lauro verbalizava um canto tribal, tomando para si o cocar

Gente de Opinião Terça-feira, 7 de maio de 2024 | Porto Velho (RO)