Sexta-feira, 26 de abril de 2024 | Porto Velho (RO)

×
Gente de Opinião

Serpa do Amaral

BREVIÁRIO PARA (DES)ENCANTAR OS PORTO-VELHENSES


O Velho do Porto, após profundo mergulho sócio-político, descobriu um breviário dos políticos porto-velhenses. Trata-se de um manual feito para se aprender a domesticar os que vivem no eterno sofrimento causado pela politicagem e pelo desrespeito. É uma verdadeira cartilha antidemocrática, mas é o instrumento corriqueiramente utilizado por quem deseja amesquinhar os direitos dos cidadãos e fazer riqueza com a coisa pública.

“No primeiro momento, proclame-se de esquerda. Use jeans e blusa vermelha com um homem de barba na foto. Diga-se amante da Democracia, igualdade, respeito, dignidade. Não tolere nenhuma insinuação de falta de Ética. Bata no peito e brade que a causa popular é o seu único objetivo. Compre algumas bandeirinhas e contrate um séquito para acompanhá-lo nas reivindicações.

Quando participar dos cansativos debates, cite como fonte bibliográfica autores com nomes complicados. De preferência, utilize autores franceses, russos ou alemães: Foucault, Gilles Deleuze, Dostoievski, Nietzsche e Schopenhauer. Também mostre conhecimento sobre autores nacionais: Machado de Assis, Cora Coralina, Nelson Rodrigues, Monteiro Lobato, Clarice Lispector e Drummond. Fale de teatro e do sonho de que a arte seja uma ferramenta de construção social do indivíduo.

Mostre sua mulher como boa dona-de-casa. Porém, ressalte os talentos intelectuais dela e de sua densa formação acadêmica. Uma primeira-dama de ferro é sinônimo de voto. Seus filhos devem aparecer abraçados e a brincar com intensa felicidade.

Para conquistar o apoio popular, ataque veementemente à gestão regente. Mostre as mazelas que tomam conta da cidade. Fique indignado e, quando possível, chore por saber que tudo poderia ser melhor. Converse com o Povo. Visite as casas e abrace os moradores. Diga que o tempo da mudança chegou e que as coisas vão melhorar, bem como que, após a vitória dos que amam Porto Velho, Povo será o regente do governo.

Com a eleição, chore copiosamente no palanque. Diga que o Povo, depois de muito sofrimento, tomou o poder e que, a partir de agora, a máquina administrativa terá como única função a satisfação do interesse público. Ressalte que quem sempre viveu às expensas da obtenção de vantagem ilícita perante a Administração tem seus dias contados e que, no primeiro dia do mandato, toda corrupção vai acabar. O homem de bem será o maestro e o paradigma a ser implantado definitivamente no setor público.

Utilize formulas genéricas para justificar as medidas adotadas para composição dos problemas que a sociedade apontar. Não se esqueça de utilizar a primeira pessoa do plural nas comunicações. Eis alguns exemplos: ‘faremos tudo dentro possível’, ‘temos trabalhado muito’, ‘a população precisa entender que nos esforçamos’, ‘alertamos para que as pessoas cooperem’, ‘lutamos para a cidade ser melhor do que antes’, ‘nós fizemos mais e melhor’.

Se essas expressões não surtirem efeito, busque ser poeta ou filósofo: ‘a chuva, que aqui chove, não chove como lá’, ‘Porto Velho ou não, eis a nossa questão’, ‘um Povo que não se contenta com pouco, não se satisfaz com nada’, ‘Porto Velho por todos e todos por Porto Velho’, ‘não percamos o bonde e a esperança, nossa cidade vai melhorar’, ‘Porto Velho luta, logo existe’, “Ame esta Capital ou deixe-a’, ‘A vida em Porto Velho também é sofrimento’.

Faça também uma densa propaganda sobre as suas obras. Ressalte que a sua gestão fez muito mais por Porto Velho do que todas as anteriores: em qualidade e quantidade. Emocione-se a citar as maravilhas feitas na cidade. Peça para alguém, previamente contratado, para elogiar a sua gestão. Coopte pessoas com um linguajar claro, cantante e gramaticalmente ajustado. Como exemplo de fala: ‘estamos profundamente felizes com as obras feitas pela Prefeitura. Nunca alguém olhou para a gente. Agora, tudo mudou e estamos muito satisfeitos com as obras no nosso bairro’. As pessoas precisam acreditar que vivemos tal qual a música: nesta rua, nesta rua tem um bosque...

Fale com alegria e convicção sobre as grandes construções da Municipalidade. Diga que são produtos das mais modernas teorias da arquitetura. Mesmo que seja apenas uma rampa de terra e asfalto por cima com um fosso no centro, chame de viaduto. Diga que esse tipo de obra está em harmonia com a Arte e com a ‘cara de nossa gente’. Não demonstre hesitação em caso de demora na conclusão. Tome a palavra e utilize as lições aprendidas neste Breviário. O Povo vai reclamar e sofrer muito, mas diga que o preço do crescimento é a doação. De forma elegante, cite que o porto-velhense é um Povo grandioso e capaz de suportar as intempéries para alcançar a bonança.

Caso uma das veias abertas da BR Karipuna rebente, diga que isso foi um fato da Natureza e que nem o mais previdente humano poderia supor que essa tragédia aconteceria. Faça um paralelo desse acontecimento com o terremoto no Japão, o alagamento do Rio Branco e do Rio Itajaí ou o deslizamento em Angra dos Reis. As tragédias comovem as pessoas...

No final do mandato, agora com um terno italiano, inicie um complexo e planejado sistema de pequenos empreendimentos: troque o sentido das ruas, crie uma operação tapa-buracos, arborize a cidade, sinalize as ruas e multe os infratores de trânsito. Depois disso, mesmo com toda a rejeição política e a certeza de que dificilmente terá uma nova chance eleitoral, lamente o fato de algumas circunstâncias alheias à vontade não terem permitido a realização de uma gestão melhor. Em comunicado à TV, despeça-se com lágrimas e fale que não faltou empenho para trabalhar por Porto Velho em todos esses anos. E que a oposição tenta macular a sua imagem como gestor e como pessoa. Mencione, ainda, que ama muito Porto Velho e que jamais deixará que pessoas desavisadas a desrespeitem.

Ao final, fuja para Ilhas do Caribe, compre bom vinho francês e prato de caviar. Celebre o saldo da sua conta corrente. Mande informação para a imprensa de que está na Europa para concluir o doutorado em Literatura e que vive em imóvel alugado, sem muito luxo, já que não tirou um centavo dos cofres públicos. Depois de alguns anos, candidate-se a deputado estadual. A imunidade parlamentar é importante para os processos...”.

Após essas linhas, o Homem do Madeira pensativo olha a ampulheta que desafoga as últimas gotas de areia. No horizonte, o crepúsculo do Rei. O tempo presente aponta para a renovação. Não para o coroamento de alguém sem lastro ético, mas para a construção de uma terceira margem do rio, a qual jamais poderá pactuar com o aviltamento e a destruição desta Capital: “Rei! Rei! Amanhã todos descobrirão a sua nudez!”.

Ação Popular: Respeitem Porto Velho!!!


 

* O conteúdo opinativo acima é de inteira responsabilidade do colaborador e titular desta coluna. O Portal Gente de Opinião não tem responsabilidade legal pela "OPINIÃO", que é exclusiva do autor.

Gente de OpiniãoSexta-feira, 26 de abril de 2024 | Porto Velho (RO)

VOCÊ PODE GOSTAR

 Os homens do poder sempre passarão; o bom humor, passarim!

Os homens do poder sempre passarão; o bom humor, passarim!

Apesar do vazio cultural, da perda irreparável para o humanismo e para a criatividade brasileira e do profundo incômodo emocional provocado pela par

A origem do nome das Três Marias – as estrelas cintilantes da nossa identidade cultural

A origem do nome das Três Marias – as estrelas cintilantes da nossa identidade cultural

Em Porto Velho, todo mundo sabe que as caixas d’água instaladas numa praça do bairro Caiari são popularmente chamadas de Três Marias! Porém, ninguém

 Brasil e o Guaporé, tudo a ver!

Brasil e o Guaporé, tudo a ver!

A obra do jornalista Zola Xavier, Uma Frente Popular no Oeste do Brasil, que será lançada em breve na Casa da Cultura de Porto Velho, desponta hoje

Os Trapezistas do Circo da Fuleragem Assaltaram o Mercado Cultural

Os Trapezistas do Circo da Fuleragem Assaltaram o Mercado Cultural

O bafo sonoro do berimbau de lata repercutiu azedo e cativante ao mesmo tempo, enquanto Dom Lauro verbalizava um canto tribal, tomando para si o cocar

Gente de Opinião Sexta-feira, 26 de abril de 2024 | Porto Velho (RO)