Sábado, 20 de abril de 2024 | Porto Velho (RO)

×
Gente de Opinião

Osmar Silva

Os Herdeiros


Gente, não precisa nem fechar os olhos, basta fixá-los num ponto para ver a cena como se fosse agora. Vejo aquele garotinho numa manhã invernosa de 1980. Cabelo liso, cheio, cortado à moda Pequeno Príncipe, com a franja caindo no meio da testa. Seguia segurando a mão da professora Júlia, os pés enfiados nas botas, como a mãe. Com sacolas de materiais nos ombros, seguravam sombrinha e guarda chuva. Ele ria ao enfrentar a lama espessa, escorregadia e grudenta, que atrasava a caminhada ao dar um passo para frente e meio para trás. George ia para a Escola Pingo de Gente, da professora Geni Panizzi, e ela para o Colégio Heitor Vila Lobos, onde ensinava.

A caminhada penosa começava na 5ª Rua do Setor 1, passando pela floresta às margens do bairro, onde hoje é o valorizado Setor 3, e a mata nativa da Setor Institucional até chegar na escola infantil no Setor 4 onde, diariamente,  surgiam novas casas. Era um exercício de malabarismo andar nas poucas ruas de Ariquemes sem cair e sem tomar um banho de lama dos carros que passavam. Normalmente eu os levava de carro. Mas naquele dia eu acabara de chegar do Jornal O Parceleiro, onde entrara na tarde do dia anterior e atravessara a noite para garantir a circulação, em toda Rondônia, de mais uma edição. Estava morto.

Parece referir-me há um tempo antigo. Mas não. Aquele garotinho, o grapiuna doutor George, nascido no Hospital Manoel Novaes, em Itabuna, Capital Mundial do Cacau, no Sul da Bahia, agora que chegou aos  40 anos. Hoje, um cirurgião dentista bem sucedido, comandando a sua Clínica Dr. George Patta, na 3ª Rua do Setor 3. Exatamente onde existia a floresta de onde vinham os sons de periquitos, papagaios e araras que ouvia quando ia pra escola. E onde brincava com os amigos de infância e tantos sustos nos deu. Às vezes escutávamos esturros de onças naquela floresta. Esse ambiente deve tê-lo marcado muito. E fez brotar um grande amor pela sua nova terra. Tanto que mesmo estudando em outros estados desde o segundo grau até se formar, e com oportunidades de ter ficado por lá, preferiu voltar para a sua Ariquemes.

É essa geração que está ocupando os espaços de Rondônia. Uma geração forjada no sacrifício, juntos dos seus pais, os pioneiros que domaram a selva enfrentando todo tipo de adversidade. Da falta de tudo ao ataque feroz das doenças que tantas vidas ceifaram. Cada um tinha travava sua própria luta. As derrubadas impostas pelo Incra, ceifavam vidas. As onças, cobras e até os índios também. A malária, o maior assassino, matava sem dó.

A tudo isso, a geração do doutor George enfrentou. Poucos, como ele, tiveram condições de estudar e se formar fora de Rondônia. Estávamos muito longe do pólo universitário de hoje. A nossa Unir ainda estava nos cueiros. E os custos da educação lá fora eram muitos altos. A absoluta maioria dos jovens ficou por aqui ajudando seus pais nas roças e nas cidades. Muitos destes são hoje dirigentes bem sucedidos dos negócios da família e só agora buscam o conhecimento acadêmico. A meu filho, doutor George, e seus contemporâneos, rendo esta singela homenagem, pois a eles cabe o direito de assumir os destinos desta terra que nos acolheu e que aprendemos a amar. 

Osmar Silva / [email protected]         

Gente de Opinião Gente de Opinião

Fonte: Jornalista Osmar Silva/DRT 1035 - [email protected]
Gentedeopinião / AMAZÔNIAS / RondôniaINCA / OpiniaoTV / Eventos
Energia & Meio Ambiente
/ YouTube / Turismo / Imagens da História

 

* O conteúdo opinativo acima é de inteira responsabilidade do colaborador e titular desta coluna. O Portal Gente de Opinião não tem responsabilidade legal pela "OPINIÃO", que é exclusiva do autor.

Gente de OpiniãoSábado, 20 de abril de 2024 | Porto Velho (RO)

VOCÊ PODE GOSTAR

Dominação - Escravização pela pobreza e ignorância

Dominação - Escravização pela pobreza e ignorância

Sabe porque o Dino desprezava seus pares no Senado e humilhava os congressistas da Câmara? Porque Alexandre de Moraes e seus pares, dão as costas pa

Para onde estamos indo?

Para onde estamos indo?

O Brasil e o Estado de Rondônia que vejo é bastante diferente do que muitos vêm. Torço e peço a Deus para que eu esteja errado. Talvez não tenha con

O golpe, a traição do Lula e o contragolpe

O golpe, a traição do Lula e o contragolpe

O Brasil todo acompanha, pelos noticiários dos veículos de comunicação e redes sociais, o tenso clima político e institucional em que o país mergulh

SOS BRASIL! – Você não conhece o Brasil

SOS BRASIL! – Você não conhece o Brasil

‘O Brasil não conhece o Brasil,O Brasil nunca foi ao Brasil,(...) O Brasil não merece o Brasil,O Brasil tá matando o Brasil,O Brasil, SOS, ao Bra

Gente de Opinião Sábado, 20 de abril de 2024 | Porto Velho (RO)