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Montezuma Cruz

Naqueles tempos, um vale de lágrimas


Naqueles tempos, um vale de lágrimas - Gente de Opinião
 RONDÔNIA DE ONTEM

MONTEZUMA CRUZ
Editor de Amazônias

 

O vale de lágrimas existiu nesta parte da Amazônia Ocidental. Durou o tempo todo em que a gente rondoniense esperneou à espera da transformação do território federal em estado.

 

Choravam lágrimas de gente e também de crocodilo. Estas, despejadas por quem se encontrava na cômoda situação de resolver algo e nada resolvia.

 

Não foi apenas um vale de lágrimas que aumentava na medida em que os colonos morriam de malária no interior das glebas e eram levados enrolados na rede para a cova rasa dos cemitérios na floresta. Foi mais. Houve muita miopia da burocracia encastelada na capital deste rico País.
 

Quase três décadas depois de pertencer a um reduzido “exército de fiscais” da imprensa que se deblaterava contra desmandos administrativos (nunca foram novidade), grilagem de terras, invasão de terras indígenas, deparei-me em Brasília com o coronel Humberto da Silva Guedes, ex-governador do território (1975-1979.

 

Com seu jeito calmo de falar, ele confessou-me a frustração com parte dos ministros do presidente Ernesto Geisel. Fora nomeado para o cargo por esse general de têmpera alemã. Ângelo Calmon de Sá (Indústria e Comércio), aquele notório banqueiro (Econômico S/A), nunca pisara em Rondônia, por isso, teimava com Guedes que aqui havia muito minério de estanho. Logo, agricultura para quê? Nem sabia o douto ministro que Ji-Paraná importava arroz da Bolívia.

 

O então governador o aguardou um tempão, sentado numa cadeira da ante-sala do gabinete. Lembrou-lhe na ocasião que os paranaenses trouxeram sementes do melhor café do norte do Paraná, plantando vistosas lavouras em Cacoal. Ser território implicava “engolir sapos”. O coronel também engoliu os seus, sem ter nos revelado quais, na época. Calmon sumiu do mapa.

 

Remexendo os recortes amarelecidos da “Folha de S.Paulo”, do qual fui correspondente em Porto Velho, localizo frases retratando o status político desta terra de Rondon. “Não podemos continuar simplesmente como uma colônia do Ministério do Interior” (Odacir Soares, presidente da Arena).

“Basta de território! Já sofremos demais e nunca, jamais nos interessaria, hoje, passar à condição de território autônomo, quando caminhamos rumo à condição de estado, como andam apregoando” (deputado federal Isaac Newton, situacionista).

 

“Não tendo Assembléia Legislativa, Tribunais de Justiça e de Contas, os territórios têm no Executivo o absolutismo para manipular os recursos orçamentários, sem obrigação de qualquer prestação de contas” (deputado federal Jerônimo Santana, oposicionista).
 

Li nesta semana que um juiz substituto recebe salário superior a R$ 19 mil e ainda faltam juízes aqui. Não lamentem: no tempo do vale de lágrimas, Rondônia virava estado por suas qualidades, mas um tanto a fórceps. Não tinha juízes.

 

Em 1979 a comarca de Porto Velho acumulava 10 mil processos, todos bem empilhados no Fórum Rui Barbosa, conforme atestava o juiz Clemenceau Pedrosa Maia. Mais dolorosa que a falência do colono — sem saúde, sem financiamento bancário, sem assistência técnica e até sem o título definitivo do lote — era a falência do Poder Judiciário.

 

 

NOTA

Por inspiração da editora do Correio Popular (Ji-Paraná), Mary Camata, iniciei esta semana uma série de artigos semanais, lembrando a Rondônia territorial e o advento do novo Estado. Os artigos são publicados lá, aqui e no site RondôniaSim, de Paulo Queiroz.

* O conteúdo opinativo acima é de inteira responsabilidade do colaborador e titular desta coluna. O Portal Gente de Opinião não tem responsabilidade legal pela "OPINIÃO", que é exclusiva do autor.

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