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Montezuma Cruz

Gênese rondoniense (3) – No xadrez sucessório, a continuidade de Cury espremeu Teixeirão


Sede do Banco Mundial em Washington, DC. (Foto AFP) - Gente de Opinião
Sede do Banco Mundial em Washington, DC. (Foto AFP)

Depois da exoneração de William Cury e do êxito do Polonoroeste, o INCRA daria conta de titular 3,4 milhões de hectares de terras em Rondônia, somando-se os assentamentos ocorridos entre 1979 e 1983. O estado então crescia a passos largo: até junho de 1984 seriam mais 358,9 mil ha. O Núcleo Estadual Responsável por Migrações recebia do IBGE a confirmação da taxa de crescimento de 15,80% da população rondoniense, superando as médias de outros estados, especialmente os do Centro-Oeste

Dos Núcleos Urbanos de Apoio Rural (NUARs), de Ariquemes foi o que mais rapidamente cresceu, avalia Cury. O tamanho médio dos lotes era de cem hectares. Cinquenta por cento eram ocupados, e a outra metade  formada por culturas alimentares. 


Houve ruidosa negociação para manter Teixeirão no cargo de governador. Pouco mencionado na história recente do estado, o senador Tancredo Neves agia nos bastidores políticos e firmava um acordo com diversos parlamentares para a continuidade do coronel.

–  Ele ‘enrolaria’ o MDB até as eleições – as primeiras do novo estado. Mas o senador morreu, e nomeação do vice José Sarney para o cargo de presidente pôs tudo abaixo. Sarney não havia participado daquele compromisso – comenta Cury.

A respeito do período entre a fase territorial e o início do novo estado, o jornalista Lúcio Albuquerque assinala: “Teixeirão citou nomes para sucedê-lo, entre eles, o do presidente da Codaron. Talvez quisesse ser colocado de lado numa possível corrida sucessória, para poder tocar os primeiros movimentos da instalação do estado, mas o que ele pretendia efetivamente, levou para o túmulo.”

Quando secretário da agricultura, Cury pediu preços mínimos para a produção (Reprodução do Alto Madeira) - Gente de Opinião
Quando secretário da agricultura, Cury pediu preços mínimos para a produção (Reprodução do Alto Madeira)

Conforme publicamos anteriormente nesta série, o diretor do Banco Mundial para América Latina, Robert Skilling, havia acenado: “Ele queria que eu fosse governador”, disse o próprio Cury.

A pressão emedebista resultou na indicação do deputado professor Ângelo Angelin para o mandato-tampão. O novo governo brasileiro recebia o slogan de “Nova República.” A migração seguiu crescendo. *

“Teixeirão foi um militar político”, afirma o economista Sílvio Persivo, graduado pela Universidade Federal do Ceará, doutor em Desenvolvimento Socioambiental no Núcleo de Altos Estudos Amazônicos.

Economista Sílvio Persivo: "Ele tinha proeminência muito grande no palco" (Foto Secom-RO) - Gente de Opinião
Economista Sílvio Persivo: "Ele tinha proeminência muito grande no palco" (Foto Secom-RO)

Ex-servidor da antiga Seplan estadual, ele afirma que “dividia as pessoas entre as que lhes eram úteis ou não.” E não duvida: “Bem possível que, naquelas circunstâncias, o Cury só tenha deixado de ser útil.”

“Bola da vez”

“Reconhecidamente, ele foi um dos técnicos que teve grande participação na consolidação do estado. Há muitos grandes nomes iguais a ele que não foram devidamente reconhecidos, a exemplo de Assis Canuto (ex-coordenador regional do INCRA nos anos 1970), que deixaram de ser técnicos e se tornaram políticos”, opina.

“A visão que tive na época foi a seguinte: quase sempre, quando alguma coisa não acontece como se previa é preciso arranjar alguém para ser culpado. Cury tinha uma proeminência muito grande no palco, até se apontava a possibilidade de um dia ser governador, então, ele foi escolhido como a bola da vez. Em política, como se sabe, não importam os fatos, o que vale é a narrativa dos que ganham”, aponta.

Embrapa levou Cury

Agrônomo Luiz Carlos Menezes diz que a Embrapa notabilizou Cury (Foto Diário da Amazônia) - Gente de Opinião
Agrônomo Luiz Carlos Menezes diz que a Embrapa notabilizou Cury (Foto Diário da Amazônia)

Na criação da Unidade de Pesquisa (UEPAE), em 1975, o agrônomo Luiz Carlos Menezes ocupava o cargo de secretário-adjunto da Emater, quando a direção da Embrapa buscava apoio logístico e recursos humanos em Rondônia. "Cury era gerente de pecuária na Aster, sempre, com reconhecido trabalho sobre a pecuarização em Rondônia desde 1974. Então, nós cedemos o Cury para implantar a UEPAE, da qual ele foi chefe e chegou até a ganhar um prêmio outorgado pela Embrapa."

Durante cinco anos a Embrapa constatava a existência de terras de boa e média fertilidade em Rondônia. “Existe um quadrilátero bem consolidado de Ariquemes até Cacoal, onde há solos de boa e média fertilidade, e ainda, de Colorado do Oeste, descendo por Cabixi.”

Mais de dez anos antes de Teixeirão a mecanização de lavouras no centro-sul e no sul do País incorporava pequenas áreas por grandes fazendeiros, e isso resultou na expulsão do agricultor – lembra Menezes.

Ele conheceu o agrônomo Assis Canuto e o coordenador regional do INCRA, capitão Sílvio Gonçalves de Farias em janeiro de 1970, segundo relata, “no banho do Cézar Zoghbi”, em Porto Velho.

Formado pela Escola Superior de Agricultura e Agronomia Luiz de Queiroz de Piracicaba (SP), Canuto fez alguns agrícolas em Israel e veio escolher a melhor onde seria instalado o Projeto Integrado de Colonização Ouro Preto, que foi criado em julho de 1970, com o objetivo de assentar quinhentas famílias.”

Missão na África

Jornal do Brasil (RJ) acompanhou o início do novo estado brasileiro (Reprodução) - Gente de Opinião
Jornal do Brasil (RJ) acompanhou o início do novo estado brasileiro (Reprodução)

Após deixar o governo de Rondônia, Cury foi apresentar soluções agropecuárias para repúblicas africanas, por recomendação do Banco Mundial:

– Entramos nas tribos, respeitamos usos e costumes e demos orientações para eles implementarem projetos agrícolas – relatou Cury. Ele classifica de “indescritíveis” suas experiências na Costa do Marfim, Gabão e Marrocos.

– Só não trabalhei em países de língua portuguesa por causa da guerra. Vi muito sofrimento na Argélia.

Quarenta e três anos depois do Polonoroeste, o estudo Equilíbrio Delicado para a Amazônia Legal Brasileira – um memorando econômico, coordenado por Marek Hanusch, do Banco Mundial, assinalava:

–  As cidades enfrentam dificuldades para proporcionar bons empregos, e a informalidade é alta. Como a Amazônia Legal já é bastante urbanizada, 6,5 milhões da população pobre vivem em áreas urbanas (a maioria dos pobres da região) e 3,8 milhões em áreas rurais. Há lacunas significativas na prestação de serviços públicos.

Serviços públicos no campo

Houve um progresso considerável com serviços de energia elétrica, mas a região ainda carece de muitos outros serviços: em 2019, 34% dos pobres rurais não tinham acesso a serviços de esgotamento sanitário aprimorados; 46% praticavam defecação a céu aberto; e 86% não tinham acesso à coleta de resíduos sólidos.

Não é declaradamente um “mea culpa”, mas o resultado de longa pesquisa feita por mais 20 analistas a serviço do Banco Mundial em toda Amazônia Brasileira.

A Covid-19 expôs algumas das fragilidades dos sistemas de saúde da Amazônia Legal, muitos dos quais estavam sobrecarregados durante a pandemia. Dados preliminares demonstram que a mortalidade nos hospitais da região Norte (que inclui sete dos nove estados da Amazônia Legal) foi mais alta que em qualquer outra região brasileira. De fato, a mortalidade entre os pacientes internados em unidades de terapia intensiva foi de 79% na região Norte (a mais alta do País).

O estudo antevê o futuro, inclusive para Rondônia:

– Um modelo de crescimento mais equilibrado e uma política com foco na intensificação agrícola são internamente compatíveis e podem criar um ambiente mais propício para a regularização fundiária que favoreça mais fortemente a conservação das terras naturais em vez da grilagem e da agricultura extensiva.

O financiamento para a conservação poderia fornecer mais incentivos. E acrescenta:

– Para ser eficaz, a regularização fundiária esclarecerá primeiramente a categoria de posse das áreas não destinadas, incluindo a destinação, o mapeamento, a demarcação e o registro de todas as áreas protegidas propostas em nível federal e estadual. A conclusão desse processo esclareceria os direitos fundiários e aumentaria os custos legais previstos e consequência da grilagem e de latifúndios.
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SAIBA MAIS 

 Instituto Brasileiro de Reforma Agrária (IBRA) e Instituto Nacional de Desenvolvimento Agrário (INDA) deram origem ao Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA).

 Entre janeiro e junho de 1984 haviam chegado mais 82 mil pessoas ao estado, e até dezembro elas seriam 130 mil. Sucessores do trabalho do coordenador regional do INCRA, Reynaldo Galvão Modesto, Ernane Coutinho e o subcoordenador Ney Carvalho recebiam a Coordenadoria do INCRA sob o impacto da maior migração da história amazônica.

 Para assentar apenas um terço desse contingente, o governo estadual estimava investimentos de 12 bilhões de cruzeiros apenas para os projetos do INCRA Desse total, oito bilhões seriam consumidos pela abertura de estradas vicinais.  [Pesquisa do autor]

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 Foto da abertura da matéria: sede do Banco Mundial em Washington, DC (Agência France Press

* O conteúdo opinativo acima é de inteira responsabilidade do colaborador e titular desta coluna. O Portal Gente de Opinião não tem responsabilidade legal pela "OPINIÃO", que é exclusiva do autor.

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