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Montezuma Cruz

Cinzas Nambikwara na História de Rondônia


Cinzas Nambikwara na História de Rondônia - Gente de Opinião

MONTEZUMA CRUZ

Em Rondônia e Mato Grosso, o termo “povo das cinzas” ou “povo cinza” foi amplamente empregado na década de 1980. Trata-se da referência genérica aos mais de 30 grupos que compõem a etnia Nambikwara, distribuída em três ecossistemas distintos: Serra do Norte, Vale do Guaporé e Chapada dos Parecis.

A cinza era o conhecido pó resultante da queima de alguma coisa. Lá no Egito e aqui também. Da beira da fogueira, na qual amenizavam noites frias, os índios amanheciam cobertos de cinzas.
Os mais antigos Nambikwara acumulavam conhecimentos de estrelas da Via Láctea.

O território geográfico Nambikwara, configurado pela BR-364, rios Juína e Doze de Outubro, é caracterizado por linhas demarcatórias em movimento que se deslocam por interesses temporários e que muitas vezes coincidiram e coincidem com as políticas de incentivos fiscais direcionadas à exploração dos recursos vegetais, minerais e hídricos da Amazônia Legal.

O penitente Moisés se cobria com cinzas e indumentárias próprias dos pecadores. Há mais referências:

“Disse, pois, Davi a Joabe e a todo o povo que com ele estava: Rasgai as vossas vestes, cingi-vos de panos de saco e ide pranteando diante de Abner. E o rei Davi ia seguindo o féretro.” (2 Samuel 3.31).

2) que a pessoa ou povo estavam passando por momentos de arrependimento: “Ai de ti, Corazim! Ai de ti, Betsaida! Porque, se em Tiro e em Sidom, se tivessem operado os milagres que em vós se fizeram, há muito que elas se teriam arrependido, assentadas em pano de saco e cinza.” (Lucas 10.13).

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(3) que a pessoa ou povo estavam passando por momentos de humilhação: “Pus um pano de saco por veste e me tornei objeto de escárnio para eles.” (Salmos 69.11).

A Bíblia diz que o pano de saco ou “cilício” [túnica, cinto ou cordão de crina] era um tecido grosseiro e resistente feito de pelos de cabra ou de camelo, utilizado para conter cereais, objetos e alimentos em geral.

Em 1980, o antropólogo, indigenista e documentarista Vicent Carelli, e o jornalista Milton Severiano (1980), então vinculados ao Centro de Trabalho Indigenista, escreveram “Mão branca contra o povo cinza: vamos matar esse índio?”.

A agropecuária assentava-se fortemente no Vale do Guaporé. Carelli e Severiano denunciavam diversas atrocidades pouco antes da aplicação do Programa Integrado de Desenvolvimento do Noroeste Brasileiro (Polonoroeste).

Estudo da doutora em História Anna Maria Ribeiro Costa, do Centro Universitário de Várzea Grande (MT) explica: “povo das cinzas” não é mais utilizado para referendar os grupos Nambikwara que habitam 14 Terras Indígenas.

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“Em seus Registros Gerais, os índios passaram a adotar um nome em língua portuguesa, ao lado da autodenominação de seu grupo. O termo Nambikwara, uma palavra emprestada do Tupi-guarani que quer dizer orelha furada, só deve ser associado aos grupos da Chapada dos Parecis, ou do Cerrado”.

“Os demais grupos da Serra do Norte e Vale do Guaporé repudiam com veemência tal designação. Exigem ser identificados por suas autodenominações, mesmo cônscios do sentimento de pertencimento de um único povo indígena”, ela revela.

Por causa das ações demarcatórias feitas pela Funai durante 30 anos, entre 1960 e 1990, em Mato Grosso e Rondônia, o imenso território ocupado pelos diversos grupos que compõem a sociedade NambiKwara tornou-se fragmentado.

Diversas Terras Indígenas foram a eles destinadas, localizadas em três ecossistemas que agrupam vários grupos que partilham de aspectos culturais comuns.

Segundo a pesquisadora, na região do Vale do Guaporé encontram-se a Terra Indígena Sararé, Terra Indígena Vale do Guaporé, Terra Indígena Alantesu, Terra Indígena Taihãntesu, Terra Indígena Pequizal, Terra Indígena Lagoa dos Brincose Paukalirahjausu [identificada e delimitada, à espera da demarcação] e Terra Indígena Aykatensu [registrada na Funai no Sistema Indigenista de Informações]; na Serra Norte acham-se a Terra Indígena Tubarão-Latundê, Terra Indígena Pirineus de Souza e Terra Indígena Morcegal [registrada na Funai no Sistema Indigenista de Informações] e Terra Indígena Parque do Aripuanã. Na Chapada dos Parecis, a Terra Indígena Tirecatinga e Terra Indígena Nambikwara, onde habitam os grupos Halotesu, Wakalitesu, Kithaulhu, Sawantesu, Niyahlosu, Siwaihsu e Hinkatesu.

A Terra Indígena Nambikwara do Cerrado está circundada pela união de três linhas demarcatórias: a rodovia Marechal Rondon (BR-364), o rio Juína e rio Doze de Outubro que, unidos ao Juruena e Camararé, respectivamente, delimitam a fronteira oficial.

“Face ao redimensionamento das políticas econômicas após 1964, o território ocupado pelos índios, à época da demarcação da Reserva Nambikwara, passou a ser de interesse das ações estatais e particulares, em especial, as terras férteis ocupadas pelos grupos Nambikwara do Vale do Guaporé”, descreve Anna Maria Ribeiro Costa.

Assim as terras arenosas da Chapada dos Parecis foram consideradas à época como improdutivas. “Por isso, o governo federal, tendo a Funai à frente, transferiu para lá grupos Nambikwara da Serra do Norte (Mamando e Negrote) e do Vale do Guaporé (Wasusu e Alantesu), na tentativa de deixar as terras férteis para a agropecuária que ali se instalaria.

Em 2005, o sociólogo e teórico político peruano Anibal Quijano observou: (...) Isso significou uma nova maneira de legitimar as já antigas ideias e práticas de relações de superioridade/inferioridade entre dominantes e dominados”.

(*) Com fotos de Vincent Carelli, Mapa Wikipedia e Kim-Ir-Sem Leal Pires

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