Segunda-feira, 20 de outubro de 2025 | Porto Velho (RO)

×
Gente de Opinião

Montezuma Cruz

Aquela que um dia foi Prosperidade


Aquela que um dia foi Prosperidade  - Gente de Opinião



RONDÔNIA DE ONTEM

MONTEZUMA CRUZ


Prosperidade era o nome de uma gleba no Distrito de Riozinho, em Cacoal. Lugar de sangue, suor e lágrimas, parafraseando a expressão do premiê britânico Winston Churchill em 1940, no começo da Segunda Guerra Mundial.


Quase 80 famílias perseguidas por jagunços ocupavam pedaços de terra cuja posse era defendida pelos fazendeiros paulistas Sílvio Lázaro e Moacir Ravagnani, sócios no grupo Bonanza, que contratavam na ocasião o escritório de advocacia de Amadeu Machado e Ney Leal.


Insultadas na beira da cerca de arame farpado, elas foram despejadas e impedidas de retirar as colheitas de café, arroz, feijão, mandioca, milho, banana, abacaxi, e alguns porcos, patos, galinhas e cães de estimação. Tudo era confiscado.


Antes da chegada dos soldados da Polícia Militar à área, pulavam miúdo nas mãos de oficiais de justiça. Houve dois despejos ali: num deles, depois de três dias e três noites presos numa cela fedorenta, Jovino de Souza, da linha nove, relatou: “Não deu tempo para pegar nada: eles apareceram às 8h. Seis jagunços mandaram a gente pôr as mãos na cabeça e depois retirar os trens para fora de casa. Depois, fomos saber que eles jogaram tudo no Rio Machado”.


“Catem tudo, que eu vou queimar a casa!”, gritou um policial, cercado por jagunços. O casal de posseiros Florivaldo Honório Xavier e Carmelita Xavier viu o casebre ir abaixo. Por trás desses jagunços estava o capitão-de-Exército Antônio Domingos Sanson, vindo de São Paulo. Posseiros viram pistolas e metralhadoras nas mãos dos jagunço. Nenhum inquérito foi aberto para apurar o uso dessas armas privativas.


Em junho de 1978, um batalhão de soldados da PM executou a tiros o segundo despejo. Duas grávidas passaram mal. Quem mais amedrontava as famílias era José Joaquim dos Santos, o conhecido “Zé Bahia”. Quando ele aparecia, ranchos vinham abaixo com motosserras. O coordenador especial do Incra, Bernardes Martins Lindoso, ameaçava: “Tiro eles de lá na hora que quiser e quando bem entender, do jeito que fizemos no (seringal) Muqui”. “As acusações do advogado e do deputado de nada valem e pouco vão influenciar o nosso trabalho”.


O advogado era Agenor Martins de Carvalho, assassinado em 1980, e o deputado, Jerônimo Santana, que teve três legislaturas. O ex-servidor da Funai, Alceu de Araújo Veras, transformou-se no principal líder dos posseiros.


Os abusos corriam a BR-364. Outro oficial de justiça requisitara a PM para despejar posseiros nas terras do fazendeiro Fernando Iberê, em Pimenta Bueno. O então juiz de Direito e mais tarde desembargador, César Montenegro, decretara o despejo de apenas cinco famílias. O oficial decidiu despejar 70 (!), valendo-se da PM comandada pelo coronel Ivo Célio da Silva. Depois, o demitiram.

Aquela que um dia foi Prosperidade  - Gente de Opinião


Representando as famílias, Antenor Penasco, Manoel Alves dos Santos e Valdivino Martins Vieira foram de ônibus protestar em Porto Velho. Queriam indenização e denunciavam recibos dos fazendeiros, supostamente falsificados, de comum acordo com funcionários do Incra, em maio de 1977.


O juiz substituto da Comarca de Porto Velho, Bruno Ferreira, não quis reintegrar as famílias. Seu colega José Clemenceau Pedrosa Maia, que gozava férias, assinou liminar mantendo a posse temporária em favor dos fazendeiros. O advogado Agenor de Carvalho contestou-a, requerendo a anulação do despejo.


Só em janeiro de 1979, por maioria de votos, o Tribunal de Justiça revogava a decisão do juiz Clemenceau Maia e determinava o retorno das famílias aos lotes.


Os interrogatórios visavam também à imprensa, seja pelo depoimento ou pela espionagem nua e crua. Desta maneira, o secretário de Segurança Pública José Mário Alves da Silva convidou-me para um cafezinho, às 9h da manhã, em seu gabinete.


A conversa ia bem, até que ele se voltou para a secretária, dizendo: “Dona Fátima, tome os termos”. Começava mais um inquérito policial que se transformaria em processo judicial movido pelo governo territorial contra este repórter. Forças do bem o abortaram.


Sem o azul e o vermelho que caracterizavam a primeira página de “A Tribuna” — não havia tinta em estoque —, o editor Paulo Queiroz deu o título em duas linhas numa capa negra: “Só resta medo na gleba que um dia foi Prosperidade”.


Publicado simultaneamente nos sites www.rondoniasim.com.br   e www.gentedeopiniao.com.br   e no jornal Correio Popular.

 


Siga Montezuma Cruz noGente de Opinião

 
www.twitter.com/MontezumaCruz
 

 

Outros Artigos
► Energia elétrica a carvão passou raspando
► Cacau chega à Alemanha, sob conspiração baiana
► Ministro elogia os 'heróis da saúde'
► Naqueles tempos, um vale de lágrimas

* O conteúdo opinativo acima é de inteira responsabilidade do colaborador e titular desta coluna. O Portal Gente de Opinião não tem responsabilidade legal pela "OPINIÃO", que é exclusiva do autor.

Gente de OpiniãoSegunda-feira, 20 de outubro de 2025 | Porto Velho (RO)

VOCÊ PODE GOSTAR

Ditadura deu cadeia a militar que governou Rondônia duas vezes, operando milagres

Ditadura deu cadeia a militar que governou Rondônia duas vezes, operando milagres

A história do tenente-coronel paraquedista Abelardo e Alvarenga Mafra, ex-governador do extinto Território Federal do Guaporé não aparece em livros, t

Bacellar agrada no 1º ano de governo

Bacellar agrada no 1º ano de governo

Em 1º de janeiro de 1918, passados 107 anos, a edição nº 65 do jornal Alto Madeira via "tudo azul", ou seja, o Estado do Amazonas estava bem em sua gi

Gênese rondoniense (4 - final) - Aos olhos de observadores, William Curi foi “vítima de conspiração do partido do governo”

Gênese rondoniense (4 - final) - Aos olhos de observadores, William Curi foi “vítima de conspiração do partido do governo”

O agrônomo William Curi teve efêmera passagem pela Assembleia Legislativa do Estado de Rondônia, onde ensaiou seus passos políticos, sem obter o mes

Gênese rondoniense (3) – No xadrez sucessório, a continuidade de Cury espremeu Teixeirão

Gênese rondoniense (3) – No xadrez sucessório, a continuidade de Cury espremeu Teixeirão

Depois da exoneração de William Cury e do êxito do Polonoroeste, o INCRA daria conta de titular 3,4 milhões de hectares de terras em Rondônia, somando

Gente de Opinião Segunda-feira, 20 de outubro de 2025 | Porto Velho (RO)