Sábado, 22 de junho de 2024 - 07h55
Liberação de jogos de azar no Brasil? Era o que
faltava, tantas coisas fundamentais para serem analisadas e votadas, e em meio
a discussões verdadeiramente cruciais para mulheres e jovens, o Senado aprova,
com a maior cara de pau, o que só pode criar muitos problemas para as famílias,
que tanto dizem “proteger”. Jogos de azar. Quer que eu repita? Azar. E muito.
O país atônito, e lá vem essa pancada, como se estivéssemos
avidamente procurando ainda mais problemas. Desse jeito, azar, vamos acabar
achando mesmo, e dos bons: mais vícios, mais famílias destruídas por dívidas,
violência, corrupção e saúde mental abalada. Tudo com a velha argumentação de
arrecadação, que dizem será da ordem de R$ 22 bilhões anuais, mas não informam
quanto gastarão com os problemas que serão causados. Não estão aguentando nem
com eles, como vão fiscalizar o que já não fiscalizam? O jogo do bicho, aliás,
já vive em todas as esquinas, o zoológico inteiro em cartazes com sinalização.
As tais bets já causam severos endividamentos. Some-se agora a tudo isso a
criação de cassinos, novamente os bingos e aquelas casas tristes repletas de
aposentados solitários, os jogos online a dinheiro, as apostas em corridas de
cavalo. Não duvide se a qualquer hora – na calada da noite preta e obscura deste
Congresso - legalizarem as rinhas de galos, as corridas de cães, mais rodeios e
vaquejadas mortais.
O relator, senador Irajá (PSD-TO), diz que é uma
oportunidade de renda e empregos e uma forma de trazer para a legalidade
atividades à margem da lei. Discutir a legalização das drogas, do aborto, não
pode. Mas os tais jogos de azar – e vou repetir, azar - pode? O que esses seres
dirigidos por seus interesses em tempo de eleições estão fazendo de nosso país?
Até quando? Acham, acaso, que nesse Brasil paradisíaco invejado pelo mundo é
preciso isso para atrair turismo, este sim um setor criador de riquezas e
empregos? Quem precisa de jogos de azar?
Tenho uma “amiga” - digamos assim, no momento em que todos
temos de manter o anonimato porque anda bem difícil o entendimento - que
recordou uma história terrível e marcante que viveu na infância. Tinha 8, 9
anos de idade, no máximo. As coisas em casa entre o pai e a mãe não estavam
nada bem, as brigas se sucediam, e um dos temas era justamente o endividamento,
o apertado orçamento doméstico sendo consumido no carteado. Naquele dia que ela
nunca esqueceu, inclusive, estavam de férias no pequeno apartamento no litoral,
em Santos, até ele já comprometido porque o pai não tinha o que é necessário a
se contrapor ao azar, a chamada e rara sorte. Por conta disso, cada vez bebia
mais, se tornava mais irascível, tentando, tentando – quanto mais se perde,
mais se tenta jogar para tentar ganhar. Mais e mais se afunda.
Naquela tarde, recorda, o pai chegou, vindo de São Paulo
para o fim de semana – tinha perdido mais uma vez, e bastante. Chegou bravo,
bebeu, bebeu, brigou, bebeu mais, deitou no sofá e dormiu como se ao acordar
pudesse começar tudo de novo. Até hoje ela lembra de ter ido até a cozinha,
aberto a geladeira, e pego uma daquelas garrafas de vidro com umas ranhuras que
enchíamos de água, lembram? - ainda tem para vender - e que a gente pegava e
bebia escondido na boca da garrafa, escondido atrás da porta aberta. Não teve
dúvidas: pegou uma, bem cheia, bem gelada, a de tampa vermelha, recorda o
detalhe. Destampou. Foi até a sala e a despejou na cabeça do pai. A forma que
encontrou para acordá-lo, não só do cochilo, mas para a vida, para o que
sentia.
Resultado: nunca mais seu pai jogou e mantiveram até o fim
de sua longeva vida uma parceria inabalável e sincera, mesmo quando um ou outro
se metiam em encrencas. Você também deve conhecer muitos casos, e até de horror,
relacionados ao tema.
Lembrei disso tudo imaginando porque é que exatamente foram
desenterrar agora uma lei de 1946, há 78 anos, e que todas as vezes que
alteraram, como nos bingos, nas máquinas viciadas de bares, favoreceu só a
organizações criminosas que sempre buscam novas fontes de renda e para lavagem
de dinheiro, a morte, atentados e perseguição a quem tentou policiá-las ou
denunciar os clandestinos. Quais interesses reais estão envolvidos? O que andam
tramando? A quem querem agradar? Só não me digam que é para o bem do país. Não
me digam que é para captação de recursos, nem que desta vez as atividades serão
fiscalizadas, porque nem risadas conseguem mais. Quem já viveu sabe no que essa
roleta vai dar.
Azar. A palavra que precisa ser dita. Azar o nosso, com
gente assim fazendo e desfazendo leis.
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MARLI GONÇALVES – Jornalista, consultora de comunicação,
editora do Chumbo Gordo, autora de Feminismo no Cotidiano - Bom para mulheres.
E para homens também, pela Editora Contexto. (Na Editora e na Amazon). Vive em
São Paulo. marligo@uol.com.br / marli@brickmann.com.br
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