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Lucio Albuquerque

A POLÍTICA PÓS-CUTUBAS E PELES-CURTAS


 Lúcio Albuquerque

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(Consultoria do historiador Abnael Machado de Lima)

Na edição de ontem viu-se uma síntese da vida política na região desde a criação dos primeiros municípios, Santo Antonio e Porto Velho, até a cassação do mandato do deputado federal Renato Clímaco de Medeiros, em 1964.

Dois fatos contribuíram para a mudança de rumo político da região rondoniense a partir de 1964: o fato de o governo federal ter voltado suas atenções mais para essa área, o que trouxe centenas de milhares de famílias de outros estados, muitos já com experiência política, para explorar a última fronteira agrícola e se beneficiar do que o eldorado podia oferecer e, também, porque com a aposentadoria  do coronel Aluízio Ferreira e a cassação do médico Renato Medeiros, causaram um esvaziamento das velhas práticas políticas e isso representou o ocaso das correntes cutuba e peles-curtas.

Quando Renato Medeiros foi cassado o seu vice, o funcionário do Banco da Amazônia (atual Basa) Hegel Morhy, de Guajará-Mirim, foi convocado e tomou posse, mas não tinha a força de Renato. Em 1966 a ARENA lançou candidato o ex-governador coronel Paulo Nunes Leal, que foi eleito, derrotando Hegel Morhy, pelo MDB. Paulo Leal assumiu e logo depois se licenciou, indo para a vaga o seu suplente, seringalista e jornalista Emanuel Pontes Pinto, que em 1970 tentou a reeleição e perdeu.

Quem ganhou no ano do tricampeonato mundial brasileiro foi o advogado goiano Jerônimo Garcia de Santana (MDB), reeleito em 1974 derrotando o médico Leônidas Rachid Jaudy, da ARENA.

Aquele período foi marcado pela entrada em campo de um importante cabo eleitoral do partido do governo: o INCRA, aplicando o Projeto de Colonização Rondônia, sob a coordenação do capitão agrimensor Sílvio Gonçalves de Faria, que se tornou uma espécie de liderança do Território, tal a força que o INCRA, na época, representava aqui.

Ainda em 1969 o presidente Costa e Silva determinou a realização de eleições para vereadores nos Territórios, e aqui aparece um fato curioso: dentre os eleitos em Porto Velho pelo partido do governo, a ARENA, estava o jornalista e dirigente comunista Dionísio Xavier da Silveira, o Velho Dió.

Na época estudantes, dirigentes de entidades comunitárias, jornalistas e praticamente toda a sociedade iniciaram um movimento Pró-Rondônia Estado, surgindo então uma nova liderança no partido governista, o advogado acreano Odacir Soares Rodrigues.

Em 1972, nova disputa municipal e em Guajará-Mirim foi eleita a professora Eliete Matha Morhym esposa do ex-deputado federal Hegel Morhy. Ela foi a primeira mulher eleita em Rondônia, e reeleita em 1972, enquanto em Porto Velho a primeira representante feminina só seria eleita em 1976, a professora Marise Castiel.

E foi na eleição de 1976 que Rondônia conheceu a força política das comunidades ao longo da rodovia BR-364 na disputa pelas vagas à Câmara porto-velhense – as terras do município se estendiam até Vilhena: dos 13 vereadores, sete vieram daquelas comunidades: Um de Vilhena, um de Pimenta Bueno, um de Cacoal, um de Presidente Médici, dois de Ji-Paraná e um de Ouro Preto.

Na disputa municipal de 1976 vereadores e outros dirigentes do MDB decidiram peitar a liderança de Jerônimo Santana em Porto Velho. Ele apoiou um grupo de candidatos, e fazia comícios em locais bem distantes dos promovidos pela ala jovem comandada pelo secretário-geral do partido, Enjolras Araújo Veloso, que elegeu três dos quatro emedebistas da capital – o restante da bancada que se tornou majoritária veio do interior.

Jerônimo Santana tinha sido eleito duas vezes deputado federal pelo MDB, sempre com o mesmo discurso: a favor da garimpagem manual, defesa do colono e da criação do Estado (*). Em 1978 o presidente Ernesto Geisel fez aprovar mensagem que abriu mais uma vaga a deputado federal por Território. Líder do partido oposicionista, Santana, conhecido pela alcunha de Doutor Bengala não acatou a proposta da ala jovem, que queria indicar um nome dentre os quatro candidatos, e lançou uma chapa composta por ele próprio, Walmi Daves de Moraes, Carlos Alberto dos Santos e Mario Bohemundo Braga.

Desde a noite da véspera da convenção do MDB o secretário-geral Enjolras Araújo Veloso e os vereadores Cloter Mota, Paulo Struthos e Abelardo Castro foram para a estação rodoviária, então funcionando num terreno da esquina da s ruas Sete de Setembro com João Goulart para receber os convencionais vindos dos municípios da R e de Guajará-Mirim.

De lá levaram a maioria dos convencionais para um hotel e no dia seguinte no pequeno espaço da velha Câmara Municipal, na ladeira Comendador Centeno, o grupo apresentou sua chapa: Enjolras Abelardo e Struthos (a quarta vaga era do candidato natural, o próprio Jerônimo). Os rebeldes venceram e no dia seguinte Enjolras e Struthos desistiram ficando apenas Abelardo na chapa.

Ao ser anunciado o resultado da convenção, Foi notório o constrangimento. Sentado num canto, encolhido, o até então todo-poderoso Doutor Bengala assistiu a proclamação e à festa dos vencedores. E ainda teve de aturar os seus discursos a lhe garantir apoio, mimoseando-o, chamando-o grande líder. Jerônimo deve ter se sentido como a rainha da Inglaterra, aquela que governa, mas não manda. (Trecho do livro O Jantar dos Senadores que narra a política rondoniense de 1912 a 1998, em fase de edição final, do autor Lúcio Albuquerque, presente àquela convenção).

Na ARENA, rompido com o governador Humberto Guedes, o presidente regional Odacir Soares indicou a seguinte chapa: ele mesmo, os vereadores de Porto Velho Antonio Leite e João Bento e o bancário guajaramirense Isaac Newton. Odacir já era tratado por deputado em suas idas à Câmara Federal antes da disputa. Na convenção um tumulto: alegando ter um documento que lhe havia sido enviado via fax pelo ministro do Interior Maurício Rangel Reis, o coronel Carlos Augusto Godoy exigia uma vaga na chapa, mas ficou de fora.

COMO SE FABRICA UM DEPUTADO

(Capítulo do livro O Jantar dos Senadores que narra a política rondoniense de 1912 a 1998, em fase de edição final, do autor Lúcio Albuquerque).

Isaac Newton  era um funcionário do Banco do Brasil, semi-gago, morador de Guajará-Mirim. As chances dele ser eleito eram tantas quanto a de um elefante passar num buraco de fechadura. Mas o governador Humberto Guedes, conforme se falava abertamente àquela altura, teria recebido de Brasília uma determinação de apoiar qualquer um menos Odacir.

Guedes decidiu encarar os fatos: escolheu Isaac e colocou a máquina administrativa para trabalhar a favor dele, com o vital apoio do capitão Sílvio Gonçalves de Faria, senhor todo-poderoso do Incra que detinha, então, a melhor estrutura e o melhor orçamento dentre todos os órgãos do Território, mais que o próprio governo territorial.

Em 20 dias de campanha, levando o desconhecido funcionário do Banco do Brasil a tiracolo, Guedes ganhou a parada e humilhou Odacir que teve de contentar com uma suplência e assumir a titularidade apenas um ano, antes de ser eleito senador em 1982.

Quem esteve envolvido diretamente naquela disputa lembra ainda de detalhes da eleição de Isaac Newton.

Vinte e oito anos depois, em 2006, em frente ao Hotel Nacional em Pimenta Bueno, o técnico agrícola Paulo Brandão ria muito ao contar como foi cooptado para fazer campanha por Isaac, que eu nem conhecia nem nunca tinha ouvido falar.

Um dia ele foi convocado para uma reunião com o governador Humberto Guedes e o capitão Sílvio Farias, seu chefe no Incra. Os dois o comunicaram da decisão.Eu nem pude opinar,lembrou Paulinho do Incra.

E continuou: Eu era responsável pela ação do Incra na faixa de Pimenta Bueno a Vilhena (que ia até Pimenteiras e Cabixi).Fui informado que iria ser o coordenador da campanha do Isaac e que ele nem iria lá. Ganhar ali era responsabilidade minha, disseram.

Eu nunca havia feito discurso e estava em Colorado para a estréia. Não saía nada da minha garganta até que alguém da platéia jogou uma piada e eu disse que era para votar no nosso candidato, lembrando que se ele não ganhasse os colonos não receberiam o documento que lhes dava direito à terra que ocupavam. Meu discurso acabou aí. No final, o candidato que a gente nem conhecia ganhou de lavada. Ordem dada e executada.

Encerrada a contagem de votos de 1978 o MDB reelegia Jerônimo Santana e Isaac Newton, autêntico azarão político, com apoio do governador Humberto Guedes e do INCRA, foi eleito e ganhou seu espaço na política local

Em 1981 foi criado o Estado e a primeira eleição nessa condição em Rondônia foi em 1982, mas a partir de agora é outra História política.

(*) Em entrevista concedida ao autor desta série, o ex-deputado federal Isaac Newton (ARENA, 1979/1983) repetiu que Santana absteve-se na votação do projeto de criação do Estado, mesmo com o apelo que Isaac diz ter feito para que votasse a favor. Depois da votação – Isaac Newton afirmou – Santana tentou mudar seu voto, mas a questão já estava encerrada.

Amanhã

1964 EM RO (6 – Final)

O LEGADO DO MOVIMENTO MILITAR EM RONDÔNIA

* O conteúdo opinativo acima é de inteira responsabilidade do colaborador e titular desta coluna. O Portal Gente de Opinião não tem responsabilidade legal pela "OPINIÃO", que é exclusiva do autor.

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