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Gente de Opinião

João Paulo Viana

João Paulo Viana diz que 'democracia está se enraizando no Brasil'



Professor, o Brasil é democrático de fato?
Conte-nos como chegou a tal estado
.

De fato, podemos dizer que o Brasil é, sem dúvida alguma, um estado democrático. Após 21 anos de ditadura militar de 1964 a 1985, nós temos aí cerca de pouco mais de ¼ de século de democracia que se consolida diariamente na sociedade brasileira. A democracia, tanto do ponto de vista formal, no sentido de liberdade de expressão, de eleições livres, quanto do processo de inserção de boa parte de cidadãos que estavam às margens das decisões, às margens das condições sociais, de escolaridade e de renda.

João Paulo Viana diz que 'democracia está se enraizando no Brasil' - Gente de Opinião
Cientista político João Paulo Saraiva Leão Viana

Do ponto de vista das eleições, o Brasil tem uma tradição riquíssima no que diz a respeito a realização de eleições, apesar de o voto ter consistido durante muito tempo num direito de poucos. Pra você ter uma idéia, o analfabeto ficou mais de 100 anos sem votar, desde 1881, 1882, com a Lei Saraiva do Império, até 1988. Vota-se no Brasil desde 1821, ainda éramos colônia de Portugal e as eleições aqui eram realizadas para as cortes Algarves e Lisboa. Então, nós temos uma tradição riquíssima em eleições. Atualmente somos o terceiro, quarto, maior eleitorado do mundo, só perdemos para a Índia e para os Estados Unidos.
Inegavelmente, nossas instituições vêm se consolidando nesse quarto de século, de 1985 a 2011. No início dos anos 80, a campanha das Diretas Já levou milhões de brasileiros às ruas, exigindo a retomada dos direitos políticos e a realização de eleições presidenciais.

Certamente, houve um incremento significativo dessas demandas. Isso nós podemos ver na participação política, mais de 135 milhões de eleitores, dois partidos que se revezam no poder há dezesseis anos, um grupo de centro-esquerda, outro grupo de centro-direita, que ao que tudo indica se revezarão no poder ainda por algum tempo, enquanto as coisas permaneceram como estão, enquanto o sistema político continuar a ser organizado a partir do sistema proporcional, a partir multipartidarismo, eu vejo com bons olhos esse desenvolvimento da democracia brasileira.

Particularmente, sou contra uma reforma política que vise ter como objetivo mudar por completo nosso sistema eleitoral, pois a democracia está se enraizando no Brasil. Quanto ao voto proporcional, ele retrata melhor a heterogeneidade existente na sociedade brasileira no ponto de vista regional, cultural, social, e sem dúvida alguma nós podemos dizer, e nos animar, apesar de que temos ainda muita coisa pra fazer, mas, nós podemos afirmar ainda que o Brasil é um estado democrático.

Qual a importância do voto direto nos pleitos municipal, estadual e federal?

O voto direto nos pleitos municipal, estadual e federal é de suma importância para a representação política brasileira. Se nós analisarmos a conquista do sufrágio universal, como isso foi conquistado pela sociedade européia, pela sociedade a partir do século XIX, isso foi conquistado com muita luta, com muita reivindicação, com muita sede de participação política e no Brasil não foi diferente. Poucos sabem, mas nós liberamos o voto para as mulheres em 1932, com o Código Eleitoral de Getulio Vargas, logo após a Revolução de 1930, e a França, por exemplo, que é o berço das lutas pela liberdade e pela igualdade, só veio liberar o voto à mulher em 1946, no Pós-Guerra.

Então, o voto direto é de suma importância, é a conquista da cidadania e a expressão da vontade popular, da soberania popular, do desejo popular. É uma ferramenta que o cidadão, o eleitor, tem para decidir sobre aqueles que vão governar, sobre aqueles que vão representá-lo durante os próximos quatros anos. Além de um dos pontos primordiais da democracia, pois possibilita a rotatividade do poder. É por intermédio do voto direto que o cidadão pode colocar ou retirar do poder aqueles que ele acha que merecem ou não seu voto, merece ou não merece a sua confiança.

No tocante ao voto direto obrigatório, o que você tem a dizer sobre isso?

Trata-se de uma discussão filosófica que parte de um princípio, mais ou menos da seguinte forma: Se o voto é um direito por que é também um dever? Então partimos de uma premissa de que se é um direito por que é também um dever. Ora, pois a própria cidadania é um conjunto de direitos e deveres. Você tem direito, mas ao mesmo tempo você tem que cumprir deveres, você tem certos deveres que sem eles, sem cumpri-los você não exerce, não efetiva a sua cidadania. Eu, particularmente, acredito que numa sociedade onde o cidadãos cada vez mais estão preocupados com as questões individuais, com as questões de interesses privados, e se afastam cada vez mais das questões de interesse público, de interesse coletivo, nós precisamos ter um certo comprometimento com essas questões.
Tem um texto clássico do Francês Benjamim Constant, que se chama “Da liberdade dos antigos comparada a liberdade dos modernos” onde ele mostra justamente isso. No período clássico, pegando a Grécia antiga, por exemplo, liberdade era poder participar da vida política, era poder participar das decisões políticas, das decisões coletivas, cidadania acima de tudo era isso. Alguns vão dizer que nós vivemos na pós-modernidade, mas na modernidade essa cidadania se expressa, sobretudo, no exercício da liberdade individual, no exercício do individualismo.

Eu vejo que numa sociedade onde a democracia está se enraizando como a sociedade brasileira, onde nós não temos mais do que 25, 26 anos de democracia, isso se for pegar a constituição de 88 formalmente nós não temos 25 anos de democracia ainda, eu não vejo, dentro desse quadro, como você inserir o voto facultativo. Pesquisas mostram que se o voto fosse facultativo no Brasil nós teríamos uma participação em torno de 50%, Hoje, mesmo com o voto obrigatório, nós temos cerca de 80% de comparecimento é o que a Alemanha tem, por exemplo, com o voto facultativo, mais ou menos 80% de comparecimento. Na França foi registrado 85% na eleição do Sarkozy, mesmo sendo facultativo.

Sendo assim, nós enfrentamos esse perigo, ao adotarmos o voto facultativo teríamos boa parte da população, dos cidadãos brasileiros, dando as costas para as decisões políticas e isso de certa forma elitiza o processo eleitoral, porque quem votaria segundo essas mesmas pesquisas seriam aqueles eleitores mais esclarecidos, de nível de renda elevado e de instrução, escolaridade mais elevada, ou seja, nós corremos o risco, ao implementar o voto facultativo, de excluir os pobres do processo eleitoral.

Professor, como se deu a retomada da democracia ampla, geral e irrestrita no começo dos anos 80?

Retomando a questão da conquista da democracia na sociedade brasileira. Nós tivemos, após 21 anos de ditadura militar, o início de um processo democrático a partir 1985, concretizado com a Constituição de 1988 e as eleições presidenciais de 1989, após 29 anos sem eleições para Presidente da República. O último presidente eleito havia sido Jânio Quadros em 1960, que renunciou e o vice João Goulart assumiu a presidência, apesar de muita resistência de setores da direita, graças ao movimento da Campanha da Legalidade, liderado pelo então governador do Rio Grande do Sul, Leonel Brizola. É então implantado o parlamentarismo, mas em 1963 volta o regime presidencialista e 1964 um golpe derruba João Goulart e o Brasil entraria em um processo longo de 21 anos de ditadura, a partir de 1964.

A partir de 1974, com o início do governo Geisel, há uma certa preparação, que alguns estudiosos chamavam de distensão lenta e gradual, para uma abertura política. Em 1979, a anistia dá os primeiros passos, dando sinais de que pouco depois nós retornaríamos ao regime democrático. Eu vejo que essa questão da retomada da democracia na sociedade brasileira, isso foi acompanhado, na América do Sul, a partir de meados da década de 80 e no decorrer da década de 90, associada diretamente a introdução de regimes neoliberais. Os governos introduziram o modelo econômico neoliberal com a preocupação de estabilidade monetária, contenção da inflação, de abertura econômica de mercados, liberalização econômica e, sobretudo, isso não consegue promover a inserção de boa parte dos cidadãos que continuam nesse período abaixo da miséria, da linha de pobreza.

Então, o que nós assistimos com essa redemocratização na America Latina, particularmente na America do Sul, é que esses governos de cunho neoliberal que acompanham a retomada da democracia no continente, no caso do Fernando Collor no Brasil, Menem na Argentina, Fujimori no Peru e outros, não lograram êxito na capacidade de inserção social. No decorrer na década de 90, nós temos no Brasil a implantação de uma série de políticas de cunho neoliberal, baixas taxas de crescimento econômico, mas também há êxitos durante o Governo Fernando Henrique Cardoso que não podem ser esquecidos. A questão da estabilidade monetária, a Lei de Responsabilidade Fiscal, em alguns casos as privatizações deram certo, em outros nós sabemos que o processo não foi como esperávamos.

O importante é que no inicio do século XX essa democracia anteriormente associada a governos de cunho neoliberal, começa a mudar de rumo e no caso do cone sul (Brasil, Argentina, Uruguai, Chile) observamos governos de caráter mais social-democrata, governos de centro-esquerda que chegam ao poder embalados pela vontade popular. E nos países andinos, digamos, temos uma série de governos de retórica nacionalista, mais à esquerda, em uma realidade fortemente marcada por clivagens étnicas e forte desigualdade, como é o caso da Bolívia, do Equador, do próprio Peru, agora com a eleição de Humala. Governos mais à esquerda, dotados de uma retórica mais nacionalista e temos também o caso do Chávez que seria muito diferente desses países andinos, que tem essas questões de natureza étnica, clivagens étnicas bastantes acentuadas. Mas, sem dúvida alguma, para a mídia, é o Chavismo que representa a esquerda nacionalista latino-americana.

No caso brasileiro, eu analiso que temos 16 anos de bons governos. Sem dúvida o Lula conseguiu ampliar os ganhos do governo Fernando Henrique, pois as estatísticas mostram que nos últimos dez anos o Brasil conseguiu incorporar 40 milhões de indivíduos à classe média, o que é sem dúvida um feito extraordinário. Isso representa inserção social, melhoria na qualidade de vida, representa acesso ao consumo, acesso aos bens fundamentais, à escola, à saúde, ao lazer e a cultura. Entretanto, nós ainda temos que caminhar muito para universalizar isso.

Lei da Ficha Limpa funcionou para o pleito passado?

A Lei da Ficha Limpa representou um marco para a sociedade brasileira. Entretanto, não me compete entrar no mérito de uma discussão jurídica, girando em torno de questões sobre se a lei seria inconstitucional, se a lei não respeita o princípio da anterioridade eleitoral que veda mudanças no processo político a menos de um ano da eleição.

Eu acredito que o que vale é o interesse público e ele deve estar em primeiro lugar. A Lei da Ficha Limpa expressa, sem dúvida, os anseios da sociedade brasileira, do cidadão que não agüenta mais pagar impostos e ver cotidianamente os recursos públicos serem mal administrados pelos próprios governantes. Contudo, é importante frisar também que ela não pode tudo, pois é apenas metade do caminho. O que tem que haver é punição, ora, se o nosso sistema, se o processo judicial brasileiro, é lento, moroso, se você tem dinheiro pra pagar um bom advogado, se você tem boas condições financeiras pra isso, você consegue protelar, você consegue ganhar os recursos possíveis, é evidente que alguma coisa precisa ser feita, tendo em vista esse sistema que pune pouco, ou quase não pune, como o sistema brasileiro.

Nós precisamos de uma dose maior para que o indivíduo, o mau gestor, o político corrupto, pra que ele seja punido, fazendo com que ele não consiga se eleger, com que ele não consiga acesso ao parlamento, ao executivo, ao legislativo como um todo. Então, ainda que a Lei da Ficha Limpa não possa tudo, ela, a meu ver, é uma grande conquista da sociedade brasileira.

O que o senhor acha de um Senador ser eleito, assumir e pedir afastamento para que seu suplente assuma a vaga para qual não foi eleito?

Inicialmente, eu sou completamente contra a figura do senador suplente. Se nós observamos historicamente, o suplente do senador tem sido aquele que na maioria das vezes banca a campanha, que arca com os recursos da campanha do senador, em grande parte uma campanha milionária. Então minha posição é totalmente contrária a figura do suplente senador. Por que não, se o primeiro se afasta, se o primeiro perde a vaga, por que não entra o segundo mais votado? Ou no caso de quando dois são eleitos para o senado, por que não entra o terceiro mais votado? É simples! Simples! Partindo desse pressuposto, de ser contrario a figura do suplente de senador, acredito que a pergunta já está respondida, seria uma imoralidade permitir que na ausência o outro utilizar-se do mandato.

O povo brasileiro sabe votar?

Na questão da democracia, ela tem se enraizado na sociedade brasileira, mas freqüentemente nós escutamos que os brasileiros “não sabem votar”, “que o parlamento é o retrato da sociedade”, que “cada povo tem o governante que merece”. Eu acredito que essas colocações são, um tanto quanto, generalistas e guiadas pelo senso comum. Também uma dose muito forte de senso comum que em muitos outros casos não explica a realidade de uma democracia que tem 25 anos, ¼ de século.

Nosso processo político está amadurecendo. Por exemplo, na eleição de 1989, tínhamos 22 candidatos à Presidência da República, na eleição de 2010 já tivemos um número menor de candidatos e dois partidos se revezando no poder desde meados da década de 1990. Eu utilizo esse argumento para demonstrar, ou pelo menos para instigar uma discussão maior sobre os partidos no Brasil. Será que a democracia no Brasil não existe? Será que os partidos realmente não existem? Será que nosso sistema partidário é o pior do mundo, será mesmo? Nós temos, há 16 anos, dois partidos que nasceram em São Paulo, PT e PSDB, que estão se revezando no poder, guiando, liderando dois grupos, um de centro-esquerda e outro de centro-direita. Será que nossos partidos são realmente frágeis? Será que eles não representam nada? Não representam nenhum interesse? Eu não penso assim.

Tenho uma opinião mais otimista sobre a democracia, sobre o eleitor brasileiro. Eu acho que nós precisamos de mais transparência, de informação, e isso tem acontecido nos últimos anos. O TSE hoje e todos os Tribunais Regionais Eleitorais têm a possibilidade de levar ao cidadão muita informação do ponto de vista da transparência. A própria imprensa tem o papel fundamental denunciando, divulgando quem são os políticos, quem são os candidatos, o que eles fizeram no passado e o que eles pensam para o futuro, isso é importante. Eu não afirmaria, de forma alguma, que o brasileiro não sabe votar, não acredito nisso. Nós estamos num processo de amadurecimento democrático e isso é comprovado a cada eleição.


Professor, com tantos partidos políticos e cada vez se criando mais, com isso o eleitor se confunde na hora de votar?

A liberdade de criação de partidos é altamente salutar. A lei dos partidos de 1995 estabeleceu que para criar um partido no Brasil é necessário 0,5% de assinaturas do número de eleitores que votou na última eleição para deputado federal, com a exigência de no mínimo 0,2% em 9 estados. A princípio nós pensamos que é fácil, mas não é fácil conseguir esse número de assinaturas, não é tão simples criar um partido no Brasil.

O boom do número de partidos no sistema político brasileiro ocorreu de 1985 a 1995. De 1979 a 1985 nós tínhamos cinco partidos políticos: o MDB transforma-se em PMDB, a Arena em PDS, o PDT Brizolista é criado, o PTB e o PT, ou seja, cinco partidos. Havia também o PP do Tancredo, mas esse não chegou nem a disputar a eleição por causa do voto vinculado na eleição de 1982 e desapareceu rapidamente. Então de 1979 a 1985 nós temos cinco partidos políticos. Entretanto, esse número aumentaria para mais de trinta de 1985 a 1995.

O que houve foi uma explosão de partidos, pois a idéia era não restringir, não limitar. Qualquer restrição seria vista como “resquícios da ditadura”. Diante disso, o constituinte preferiu, digamos que “lavar as mãos” sobre a criação de partidos. Nos debates da assembléia nacional constituinte de 1988 praticamente não existiu discussão sobre o sistema político, nem sobre os partidos políticos. Em relação ao sistema e a forma de governo ficou definido um plebiscito a ser realizado em abril de 1993. A partir de 1995, com a introdução da lei de partidos esse número praticamente se estabiliza.

Atualmente nós vamos ter cerca de 30 partidos registrados no TSE com 16, 17 partidos representados na Câmara dos Deputados. É um numero alto? Acredito que o número representado seja realmente elevado, mas não vejo o bom funcionamento do sistema partidário brasileiro com menos de 08 partidos, 08, 09 partidos no parlamento. A heterogeneidade da sociedade brasileira requer a manutenção do voto proporcional, do multipartidarismo, isso é expresso pelas clivagens, não de cunho ético, não de cunho religioso, mas de cunho regional, de cunho cultural e principalmente de cunho social que existe na sociedade brasileira.

Explique os modelos de sistema eleitoral distrital e proporcional.

O voto distrital, o voto majoritário para as assembléias, para os parlamentos, é o modelo mais antigo em vigor no mundo. Esse modelo de sistema eleitoral majoritário para as eleições parlamentares, que nós conhecemos também por voto distrital, nasce na Inglaterra e é adotado posteriormente por grandes democracias, como Canadá, Estados Unidos. Uma das suas principais características é o fato do território ser divido em distritos eleitorais que correspondem, no caso dos distritos uninominais, ao mesmo número de parlamentares. Por exemplo, no Reino Unido nós temos cerca de 600 parlamentares, seriam cerca de 600 distritos. Vou dar um exemplo: cada distrito corresponde a uma cadeira no parlamento. Assim, o parlamento do Reino Unido é divido pelo número de distritos que corresponde ao numero de parlamentares.

É muito simples, trata-se de uma eleição nos moldes majoritários, cada partido apresenta um candidato no distrito e o candidato mais votado está eleito. Há uma série de fatores em defesa e uma série de fatores contrários a esse sistema. Os argumentos mais usados pelos defensores do voto distrital é que ele produz no parlamento uma representação fiel dos interesses do distrito. O deputado fica mais próximo do eleitor porque ele é deputado do distrito“X”.

Outro argumento é de que haveria um controle maior do representante pelo cidadão do distrito. Esse sistema produz necessariamente uma redução do número de partidos representados no parlamento porque como o próprio nome diz majoritário, maioria, ganha quem tiver o maior número de votos. Observe, só é válido o voto do primeiro candidato. Nesse caso, necessariamente, tal sistema conduziria, ao diminuir o número de partidos, a uma maior governabilidade, com um menor número de partidos no parlamento, e com isso a possibilidade de manejo maior por parte do partido que está no poder.

Um outro modelo de sistema eleitoral, e esse diz respeito a nós brasileiros, é o sistema eleitoral proporcional. O sistema eleitoral proporcional nasce na Bélgica no final do século XIX, início do século XX, após uma reforma eleitoral. Um de seus grandes teóricos é o inglês John Stuart Mill, que escreveu a obra “O Governo Representativo”. No Brasil, um dos principais teóricos do sistema eleitoral proporcional é um cearense que foi inclusive deputado, mas ficou muito conhecido na literatura, chamado José de Alencar, um defensor fervoroso do sistema eleitoral proporcional.

O modelo proporcional, como o próprio nome já diz: proporção, visa garantir que todas as opiniões de uma determinada sociedade possam estar representadas no parlamento, protegendo assim as minorias políticas. Como o próprio nome já diz: proporção, se você tem 3% de votos o candidato ou partido terá aproximadamente 3% de representação no parlamento. É obvio que no caso dos sistemas eleitorais proporcionais, diferentemente do sistema majoritário distrital, onde ganha o mais votado, é necessário ser realizado um cálculo, uma fórmula, para que possa transformar votos em cadeiras. No modelo brasileiro nós temos um cociente eleitoral que é a forma utilizada, o mecanismo utilizado, para que nos possamos transformar os votos recebidos pelo partido ou coligação em cadeiras no parlamento. Trata-se de uma conta muito simples, você pega o número de votos válidos, excluindo os brancos e nulos, e divide pelo número de cadeiras que estão sendo disputadas. No caso das eleições para a Assembléia Legislativa do Estado de Rondônia vinte e quatro cadeiras, e no caso da nossa bancada federal, por exemplo, oito cadeiras. A partir daí, vão sendo preenchidas cadeiras por aqueles que conseguirem atingir o cociente.

Caso não se preencha todas as cadeiras, nós temos as sobras eleitorais que são calculadas pelo código de D’Hondt, em homenagem a um belga, Victor D´Hondt. O cálculo é feito a partir das sobras das cadeiras do parlamento. Só participam do cálculo das sobras os partidos que alcançarem pelo menos uma cadeira. Então você pega os votos conquistados pelo partido ou coligação e divide pelo número de cadeiras que cada partido conquistou mais 1. Quem conquistar a maior média vai preenchendo as cadeiras das sobras eleitorais. O voto proporcional está vigente no país integralmente desde 1945.

Esclareça o sistema de governo parlamentarista, presidencialista e a forma monárquica.

O sistema parlamentarista de governo é o modelo mais antigo em vigor no mundo. O parlamentarismo é resultado de um longo processo histórico que vai desde a criação do parlamento, ainda no século XIII na Inglaterra, até a Revolução Gloriosa de 1688, quando o parlamento passa a ter real poder de legislar. Isso dura em torno de quatro séculos, desde o século XIII ao final do século XVII, onde o parlamento foi gradativamente ganhando espaço até alcançar sua real função de legislar. O parlamentarismo pode ser tanto monárquico, como é o caso do parlamentarismo tradicional britânico, como republicano.

O sistema de governo parlamentarista é composto pelo Chefe de Estado e pelo Chefe de Governo, no caso das monarquias parlamentaristas, como o caso inglês, o rei é o Chefe de Estado e o primeiro ministro é o Chefe de Governo. No caso das Repúblicas Parlamentaristas, o Primeiro Ministro é o Chefe de Governo e o Presidente é o Chefe de Estado. As atribuições da chefia de Estado estão mais ligadas à representação diplomática, em tratados, acordos. No caso das monarquias, a questão da tradição é muito forte.

Já o Primeiro Ministro, na grande maioria dos países que adotam o sistema de governo parlamentarista, é um deputado do partido que detém o maior número de cadeiras no parlamento. Salvo engano, somente em Israel há eleição direta para primeiro ministro.

Em todas as outras grandes democracias que adotam o parlamentarismo o Primeiro Ministro é o deputado líder do partido que detém o maior de cadeiras no parlamento. Em alguns casos ele necessita de aprovação. No caso inglês, da rainha, no caso da Alemanha, que é uma República Parlamentarista, há uma eleição dentro do parlamento onde só o líder do partido da maioria é apresentado aos parlamentares, é uma coisa mais protocolar, mais formal.

Dessa forma se dá o funcionamento do sistema de governo parlamentarista, o primeiro ministro nomeia um gabinete que vai juntamente com ele governar durante os próximos anos. É permitido também nos sistema de governo parlamentarista que o parlamento seja dissolvido e seja convocado novas eleições. Isso pode acontecer por perda da maioria parlamentar. Assim, é necessário o partido ter maioria no parlamento. Pode ser dissolvido também pelo voto de desconfiança que derrube o primeiro ministro.

No caso do sistema presidencialista historicamente ele já difere bem do parlamentarismo, pois já que o parlamentarismo é resultado de um longo processo histórico, o presidencialismo é fundado com a constituição americana de 1787, ele nasce com a constituição americana 1787. No presidencialismo a chefia de estado e a chefia de governo são entregues nas mãos da mesma pessoa, o presidente. Ele é ao mesmo tempo Chefe de Estado e de Governo. O Brasil foi uma monarquia parlamentar de 1822, o parlamentarismo às avessas, até 1889. Nós fomos o único país da America do Sul a ser uma monarquia. Em 1889 com a proclamação da república, a nossa Constituição de 1891, a primeira constituição republicana do Brasil, foi inspirada no modelo americano de 1787. Nós adotamos a forma republicana, o sistema presidencialista de governo, continuamos com o bicameralismo de Câmara e Senado, adotamos o federalismo, a separação de poderes típica dos regimes presidencialista. A partir daí, o nosso presidencialismo vivenciou uma série de crises históricas com golpes militares, suicídio, renúncia, impeachment. Contudo, nossas instituições, depois de um pouco mais de 25 anos de democracia, estão hoje, podemos dizer, consolidadas. Nosso presidencialismo passa por um momento de aperfeiçoamento institucional nítido.

O sistema parlamentarista caberia no Brasil?

Durante o século XX, o Brasil experimentou, ainda que rapidamente, uma experiência parlamentarista. Após a renúncia de Jânio Quadros, em agosto 1961, o vice João Goulart encontrava-se em viagem oficial à China e foi impedido de tomar posse. Graças a seu cunhado, o então governador do Rio Grande do Sul Leonel Brizola, que encabeçou um movimento denominado campanha da legalidade, “Jango” tomou posse como presidente. Entretanto, com seus poderes limitados por uma emenda constitucional que transformou o país num regime parlamentarista. Contudo, isso não durou muito tempo, de setembro de 1961 a janeiro de 1963, quando um plebiscito sobre o sistema de governo fez retornar o presidencialismo à democracia brasileira.

Em 1988, as discussões sobre formas e sistemas de governo praticamente não apareceram na assembléia nacional constituinte, o que ficou decidido por nossos parlamentares é que seria realizado um plebiscito em 1993 que decidiria sobre nossas formas e sistemas de governo. Em abril de 1993, o sistema presidencialista de governo e a forma republicana venceram o plebiscito com uma margem impressionante. Já houve plebiscito no Brasil sobre a forma com que o povo brasileiro queria ser governado e o povo disse não ao parlamentarismo.

Explique o “Boom Tirica” que foi eleito com mais de um milhão de votos, e com isso levou 03 políticos não muito confiáveis para o congresso.

O caso da eleição do Tiririca reflete bem uma anomalia que pode ocorrer dentro do sistema proporcional que é o fato de o candidato ser eleito com um milhão de votos e levar consigo, na sua coligação ou no seu partido, candidatos com um número ínfimo de votos. Isso aconteceu também em 2002, com eleição do Enéas, onde o ultimo eleito da coligação entrou com cerca de 300 votos pelo estado de São Paulo. Trata-se realmente de algo natural no sistema proporcional e as vezes o eleitor brasileiro não consegue compreender isso, justamente pelo fato que não se compreende a verdadeira ou a real função do partido político.

Quando nós votamos em alguém para o parlamento estamos votando num partido e no caso brasileiro também na coligação. Mesmo votando na pessoa, o nosso voto vai para a conta do cociente eleitoral que vai interferir diretamente naqueles que serão eleitos pelo partido ou coligação. É complexo explicar o sistema proporcional brasileiro porque pelo fato de termos um número extenso de candidatos, distritos de grande magnitude, número grande de partidos, cociente eleitoral, e as eleições serem realizadas para diversos cargos, deputado federal, deputado estadual, presidente da república, governador, senador, isso na cabeça do cidadão comum é de difícil compreensão. Por isso, muito facilmente, depois da eleição o cidadão esquece em quem votou. Então se nós não compreendermos a real função do cociente eleitoral, e principalmente, do partido político, o real papel do partido, a importância que o partido político tem, nós também não conseguimos compreender porque o indivíduo é eleito com um milhão de votos e consegue garantir a eleição de outro indivíduo do mesmo partido ou coligação que detém 300, 400 votos.


O mandato pertence ao partido, até quando?

O Tribunal Superior Eleitoral, e posteriormente o Supremo, entenderam que o mandato pertence ao partido e não ao político, não ao representante. Isso representou, de fato, uma grande mudança no quadro político brasileiro. A sociedade, a mesma sociedade que paga imposto, não agüentava mais ver o individuo ser eleito por um partido e, em alguns casos, antes mesmo de tomar posse mudar para outro e nada acontecer.

Entretanto, esse entendimento que o mandado pertence ao partido, e não ao representante, não é comum nas grandes democracias, muito pelo contrário. Na Alemanha, na Inglaterra, nos Estados Unidos, na Itália, na França, não há nenhuma lei que diga que o mandado é do partido. Agora, é obvio que temos nessas democracias, ainda que haja uma crise mundial da representação política, mas nessas democracias os partidos estão bem mais enraizados e é muito comum o individuo votar num candidato levando em conta o partido.

É notório que no Brasil o voto é personalista. As pessoas se identificam mais com o candidato, do ponto de vista pessoal, do que com o partido. Então pra que passar o mandato para o partido, será que a pena não é dura demais? Eu vejo que, se por um lado, isso reflete o anseio da sociedade que não agüentava mais ver os políticos mudarem tanto de partido, por outro lado é algo que entre as grandes democracias do mundo é desconhecido. Nessas democracias há uma tendência maior do eleitor a se identificar com partido político e penalizar aqueles que mudam de partido, penalizar nas urnas.

Vale lembrar que no caso brasileiro há casos e casos. Podemos citar como exemplo recente aqui no estado, o deputado estadual Euclides Maciel que trocou de partido na legislatura passada e na justiça provou que estava sendo pressionado pelos dirigentes partidários que exigiam cargos. A Justiça entendeu que neste caso o parlamentar deveria continuar no mandato. Diferente foi o entendimento no caso do ex-vereador David Chiquilito que perdeu o mandato porque se transferiu do PSB para o PC do B. Ora, no caso de David ficou claro que o ex-parlamentar mudou de partido para ter acesso à candidatura a prefeito de Porto Velho, tendo em vista estar sem espaço no PSB. Do ponto de vista ideológico, há muita diferença entre PSB e PC do B? Eu não vejo.

O que acredito ser necessário é uma lei sobre a fidelidade partidária. E a lei é feita por deputado, não por ministro do TSE ou STF. Mas aí é outra discussão. Enquanto isso, ao se perpetuar o desinteresse e a omissão do Congresso Nacional em certos casos, o judiciário começa a decidir. Não acho que isso seja bom para a democracia.

Fonte: Eli Nunes / Parada Obrigatória
 

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