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Gente de Opinião

Dom Esmeraldo Farias

Sal da Terra e Luz do Mundo


A Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) trabalhou em sua última assembleia geral (maio próximo passado) o texto intitulado “cristãos leigos (as) na Igreja e na sociedade (Sal da Terra e Luz do Mundo)”.                         

Como texto de Estudos da CNBB, o subsídio já foi enviado a todas as dioceses do Brasil a fim de que possa ser refletido entre os leigos(as), consagrados(as), conselhos pastorais, conselhos de leigos(as), diáconos, presbíteros e bispos. As sugestões deverão ser encaminhadas à comissão da CNBB encarregada de apresentar o texto modificado na próxima assembleia.

Gente de Opinião

O Concílio Vaticano II, grande reunião dos bispos do mundo inteiro realizada em alguns períodos de outubro de 1962 a dezembro de 1965, cujo cinquentenário do seu encerramento estaremos celebrando em 2015, trouxe uma nova visão do cristão leigo(a) ao afirmar: “Por leigos entende-se aqui o conjunto dos fiéis, com exceção daqueles que receberam uma ordem sacra ou abraçaram o estado religioso aprovado pela Igreja, isto é, os fiéis que, por haverem sido incorporados em Cristo pelo batismo e constituídos em povo de Deus, e por participarem a seu modo do múnus sacerdotal, profético e real de Cristo realizam na Igreja e no mundo, na parte que lhes compete, a missão de todo o povo cristão” . E acrescenta: A índole secular é própria e peculiar dos leigos (...) Aos leigos compete, por vocação própria, buscar o reino de Deus, ocupando-se das coisas temporais e ordenando-as segundo Deus. Vivem no mundo, isto é, no meio de todas e cada uma das atividades e profissões, e nas circunstâncias ordinárias da vida familiar e social, as quais como que tecem a sua existência. Aí, os chama Deus a contribuírem, do interior, à maneira de fermento, para a santificação do mundo, através de sua própria função; e, guiados pelo espírito evangélico e desta forma, a manifestarem Cristo aos outros, principalmente com o testemunho da vida e o fulgor da sua fé, esperança e caridade. A eles, portanto, compete muito especialmente esclarecer e ordenar todas as coisas temporais, com as quais estão intimamente comprometidos, de tal maneira que sempre se realizem segundo o espírito de Cristo, se desenvolvam e louvem o Criador e Redentor” (LG 31).

Esta visão é importante porque, geralmente, a palavra leigo indica alguém que não tem conhecimento do assunto. Mesmo depois de cinquenta anos, esta visão positiva do leigo ainda não está de todo assimilada. Então, todos necessitamos descobrir e assumir que o cristão leigo(a) tem uma missão muito bonita e fundamental na sociedade e na Igreja e esta missão lhe é dada por Deus já no Batismo; sendo confirmada na Crisma.

O mesmo Concílio dedicou um de seus documentos ao Apostolado dos Leigos. Vinte e cinco anos depois, o Papa João Paulo II convocou um Sínodo sobre a vocação e a missão dos cristãos leigos(as) na Igreja e no mundo e publicou em 1988 uma exortação apostólica sobre o assunto, com o título de “Christifideles laici”. Em 1999, a assembleia geral da CNBB fez conhecer um documento importante sobre Missão e Ministérios dos cristãos leigos. O Papa Francisco, na exortação apostólica “Alegria do Evangelho” (EG), dá muita importância à missão dos cristãos leigos e leigas na vida da Igreja e na sociedade. Veja a profundidade dessas palavras do Papa: “Cada um dos Batizados, independentemente da própria função na Igreja e do grau de instrução da sua fé, é um sujeito ativo de evangelização, e seria inapropriado pensar num esquema de evangelização realizado por agentes qualificados enquanto o resto do povo fiel seria apenas receptor das suas ações. A nova evangelização deve implicar um novo protagonismo de cada um dos batizados. Esta convicção transforma-se num apelo dirigido a cada cristão para que ninguém renuncie ao seu compromisso de evangelização, porque, se uma pessoa experimentou verdadeiramente o amor de Deus que o salva não precisa de muito tempo de preparação para sair a anuncia-lo, não pode esperar que lhe deem muitas lições ou longas instruções. Cada cristão é missionário na medida em que se encontrou com o amor de Deus em Cristo Jesus; não digamos mais que somos “discípulos” e “missionários”, mas sempre que somos “discípulos missionários” (EG 120).

Durante este ano, temos a oportunidade de refletir sobre o texto de Estudos, a fim de aprofundarmos este assunto. Aqui, apresento alguns aspectos gerais.
 

1. Irmandades, Confrarias, Associações e a Ação Católica

Antes do Concílio Vaticano II, os leigos(as) no Brasil foram se organizando através das Irmandades, Confrarias, e Associações (algumas vieram ainda do tempo colonial com características mais sócio-religiosas numa dimensão mais espiritual e/ou de assistência). Na década de 1930, o Cardeal Sebastião Leme, do Rio de Janeiro, e outros bispos buscaram articular várias formas organizativas dos leigos. Para ajudar nesse trabalho, foi criada a Confederação das Associações Católicas com atuação especial no Rio de Janeiro, são Paulo e Olinda e Recife. Em 1935, foi oficializada a Ação Católica Geral e mais tarde a Ação Católica especializada, articulada em âmbito nacional. Esta procurava atingir os jovens através dos vários setores: juventude agrária católica (JAC),  estudantil (JEC); operária (JOC); profissionais liberais ou independentes (JIC), universitária (JUC). Esse modo organizativo muito contribuiu para que os católicos aí associados fossem descobrindo que a sua missão na Igreja e na vida da sociedade decorria do batismo. Isto era e é muito importante porque, às vezes, pode-se dar a impressão que a ação dos leigos(as) depende do mandato do padre ou do bispo. Essa consciência de que a missão provém do batismo e que se faz necessário uma organização em vista de sua atuação não conduzia a uma independência onde cada grupo seguisse por sua livre vontade, mas a uma integração com o que a diocese com suas paróquias fossem organizando.

Lembro-me muito bem de Júlia que, no início dos anos 60 no município de S. Miguel das Matas – BA, desempenhou um papel importantíssimo e em seguida foi escolhida como secretária nacional da JAC. O município onde nasci é vizinho de S. Miguel das Matas.
 

2. Importância das Comunidades Eclesiais de BASE (CEBs)

Na década de sessenta, vemos o nascer e florescer das Comunidades Eclesiais de Base (CEBs) que se tornaram forte oportunidade para a participação e formação da consciência e missão dos leigos(as) tendo como centro a Palavra de Deus e as realidades dos pobres. Essa privilegiada forma de vivência comunitária se espalhou pelo Brasil, em especial pelas periferias das cidades, área rural e ribeirinha. Na Conferência de Medellín (1968), ganhou reconhecimento: “a comunidade cristã de base é o primeiro e fundamental núcleo eclesial, que deve, em seu próprio nível, responsabilizar-se pela riqueza e expansão da fé, como também pelo culto que é sua expressão. É ela, portanto, célula inicial de estruturação eclesial e foco de evangelização e atualmente fator primordial de promoção humana e de desenvolvimento” (Med 15,10). O Papa Paulo VI, na exortação apostólica sobre a Evangelização no mundo contemporâneo de dezembro de 1975, destaca:“O Sínodo ocupou-se largamente destas "pequenas comunidades" ou "comunidades de base", dado que, na Igreja de hoje, elas são frequentemente mencionadas” (EN 58)  A partir de 1975, foram organizados os encontros intereclesiais. O último aconteceu em Juazeiro do Norte (CE) em janeiro próximo passado, reunindo mais de quatro mil animadores(as) de CEBs de todo o Brasil, além de outras pessoas provenientes  de países da América Latina, Europa, África...  O Papa Francisco enviou uma mensagem especial para a abertura desse 13º encontro realizado no Ceará, incentivando as CEBs.
 

3. As Pastorais Sociais e a Participação dos Cristãos Leigos (as).

A participação nas Comunidades eclesiais foi também importante para que muitos leigos(as) pudessem perceber a situação de sofrimento de tantas pessoas e grupos e se disponibilizassem para atuar como membros das pastorais sociais que “significam a solicitude e o cuidado de toda a Igreja missionária diante de situações reais de marginalização exclusão e injustiça” (Texto de Estudos sobre os Cristãos Leigos e Leigas, nº 193). Em muitas dioceses, a atuação das pastorais sociais  tem deixado uma marca singular profética de solidariedade, indo além do assistencialismo. Entre as principais pastorais sociais, citamos: Pastoral da Criança, do Menor, da Sobriedade, da Pessoa Idosa, Afro-Brasileira, Carcerária, Familiar, dos Migrantes, da Mulher Marginalizada, dos Nômades, dos Pescadores, da Saúde, da Mobilidade Humana, dos Brasileiros no Exterior. Temos ainda várias entidades que são ligadas à CNBB, como: Comissão de Justiça e Paz, Conselho Indigenista Missionário (CIMI), Comissão Pastoral da Terra (CPT), Centro Nacional de Fé e Política (CEFEP)...
 

4. A presença e atuação dos Jovens

A atenção da Igreja não descuidou dos jovens que continuam participando da vida da Igreja e atuando na vida da sociedade. Para isto, temos as Pastorais da Juventude e outras expressões juvenis ligadas a movimentos eclesiais, congregações religiosas e novas comunidades. A CNBB incentivou e sugeriu que, em cada diocese, fosse dinamizado o setor juventude reunindo as várias expressões juvenis em vista de um trabalho de conjunto procurando estar mais próximos dos jovens. É uma forma de colaborar para que os leigos(as) jovens encontrem maior espaço na vida da Igreja e também da sociedade. Na arquidiocese de Porto Velho, o setor Juventude está se fortalecendo. Um sinal importante foi o lançamento, no dia da Festa de Pentecostes, da primeira Cartilha para as várias expressões juvenis. Esta Cartilha nasceu dos encontros e da reflexão com as lideranças dos vários grupos ligados à Igreja Católica que trabalham com jovens e de uma pesquisa feita com a participação de mais de quinhentos jovens. Estão previstas mais outras quatro Cartilhas para o final deste ano e para 2015.

5. Na estrutura pastoral paroquial e diocesana, tem se fortalecido a presença dos leigos(as) nos Conselhos pastorais e econômicos em nível de Paróquia, de região, de diocese; além do Conselho Diocesano, Regional e Nacional dos Leigos(as).

Concluo este breve escrito pedindo permissão ao Prof. José Detoni (de Porto Velho) para citar as trovas de sua autoria relacionadas com o texto “Estudos da CNBB 107” sobre os Cristãos Leigos (as) e também agradecendo pro esse trabalho.

  

O grande Vaticano II

Pra Igreja trouxe dias melhores

O Espirito iluminou a todos

E viu-se que não há maiores

Se Ele veio para servir

Os leigos não são cristãos “menores”.

A grande tecnologia

Uniu a todos sem eufemismo

Mas, por estranha contradição,

Produz isolacionismo

O maior perigo do homem

Ainda é o individualismo.

Entre mundanidade e vida cristã

Parece existir contradição

Deus não fez coisa errada

Possível é a superação

O leigo no mundo inserido

Pode ser um bom cristão.

Superar o antagonismo

Entre a Igreja e mundo “frio”

Exige discernimento,

Coragem e muito brio

O leigo ser sal da terra

E do mundo é o desafio.

Deus é o Senhor da história

Desde tempos imemoriais

A Igreja a Ele fiel

Entende as épocas nunca iguais

E sempre se atualizando

Lê dos temos os sinais.

Vencer o egoísmo

É  começo de vitória

É no dialogo com o outro

Que a missão é encarnatória

A Igreja não está alienada

Ela se insere na história.

Na alegria o Ressuscitado

A todos envia na missão

De superar o egoísmo

E produzir amor, paz e união

Produzir comunidade

Isso é meta do cristão.

Grupos, grupinhos e grupelhos

 O espírito da Igreja ultrapassa

Com muitas, regras e regrinhas

A ação se amordaça

O laicato é sal da terra

E fermento é na massa.

Ser Igreja é superar

Visão fechada, individual

É assumir responsabilidade

Com o outro sendo igual

Formar Igreja é portar-se

Como sujeito eclesial

Acima do bem e do mal

A fraternidade almeja

Pra superar o egoísmo

Não é fácil a peleja

Mas é na solidariedade

Que o cristão constrói Igreja.

Superar o clericalismo

É formar consciência eclesial

A hierarquia só é cristã

Se for serviço ao igual

Todos formamos o Reino

A partir da marca batismal.

Na “Christifideles” e outros

Avanços houve extraordinários

A hierarquia tornou consciência

De não guardar tesouro nos armários

Sem secundárias distinções

Somos todos missionários.

O Batismo é marca e fonte;

Qualquer cristão tem em seu peito

Não ensimesmar-se, nem ter massa

A realidade é dura, tem defeito

Mas o Cristão põe a mão à obra

Tornando-se eclesial sujeito.


 

Deus abençoe você e sua família. D. Esmeraldo.
 

(PS: em outros momentos, abordarei outros aspectos do Texto de Estudos 107 da CNBB).

* O conteúdo opinativo acima é de inteira responsabilidade do colaborador e titular desta coluna. O Portal Gente de Opinião não tem responsabilidade legal pela "OPINIÃO", que é exclusiva do autor.

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