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RONDON: ALÉM DA LINHA TELEGRÁFICA - MINAS DE URUCUMACUAN


RONDON: ALÉM DA LINHA TELEGRÁFICA - MINAS DE URUCUMACUAN - Gente de OpiniãoEMANUEL PONTES PINTO

Ao retornar a Mato Grosso, com a saúde recuperada após longa permanência no Rio de Janeiro, Rondon esteve algum tempo em Mimoso, sua cidade natal, para visitar os jazigos de seus ancestrais, revendo, também, os parentes, amigos e as paisagens de sua infância. Depois, passou em trânsito por Cuiabá, pois marcara a data de 12 de outubro de 1911, para inaugurar à estação telegráfica de Nhambiquaras, em cerimônia assisti da pelos silvícolas ali residentes e por outros das redondezas, regressando, após, a Vilhena.

Quando percorria as frentes de trabalho próximas à estação de Barão de Melgaço, apressou a limpeza do picadão, a distribuição de postes e a colocação do fio telegráfico até as vertentes dos rios da Dúvida e Ananás, Rondon recebeu a notícia de sua promoção a coronel.  Foi dupla a sua alegria, pois, na ocasião, havia encontrado um grupo de Nhambiquaras, até então arredios e aceitou o convite para visitá-los. Dias depois, ao chegar à aldeia, foi recebido com efusão e observou que todos os índios estavam desarmados. Alguns chegaram com suas armas e o cacique ordenou que as guardassem, dando-lhes sinais de paz.25

A área de campos naturais circulando as malocas era imensa, com excelente pasto de capim gordura, milhã e outras espécies de gramíneas, onde poderiam ser instaladas fazendas para promover o desenvolvimento da pecuária entre os nativos. Depois, para comemorar a consagração da paz com os Nhambiquaras que, até então, constituíam uma tribo “feroz e irredutível”, Rondon inaugurou, em 13 de julho de 1912, a estação telegráfica denominada José Bonifácio com cerimônia militar solene, na presença dos seus caciques e representações de nativos de outras etnias, com quem se comunicava amistosamente “(...) em linguagem onomatopaica e gestos expressivos (...)”.26          

Reiniciado o percurso por um trecho de densas florestas através da escarpa oriental da serrania, os expedicionários acamparam na nascente de um rio, que Rondon denominou de Comemoração de Floriano. Ao observar o aspecto da área, ele justificou o nome de Serra do Norte dado pelos exploradores do século XVIII a “esses taludes da fratura do chapadão”. 27

As observações e as pesquisas feitas por Rondon, naquela área, revelaram existirem inúmeros sítios contendo aluviões auríferos e ficou convencido, pelas análises das amostras colhidas, que havia encontrado “as celebradas minas de Urucumacuan, de cujo sítio se perdeu completamente a tradição...” 28

Após um período de permanência na estação de Vilhena, para planejar a reorganização administrativa da Comissão e as suas futuras atividades, Rondon contratou o engenheiro de minas Francisco Moritz, de nacionalidade norte-americana, para efetuar pesquisas minerais no vale do rio Apidiá, onde havia identificado anteriormente diversas áreas auríferas.2 9

A expedição chefiada por Moritz saiu de Vilhena em 30 de setembro de 1912, por um pique de 52 quilômetros na direção do ribeirão Veado Preto, que ele descreveu como afluente da margem esquerda do rio Cabixi, apresentando, na sua foz, a largura de 30 metros, 2m5 de profundidade e a velocidade da água 6 km por hora. As pesquisas retardaram, por ter sido necessário construir uma ubá, para explorar o seu curso. Somente no dia 6 de novembro prosseguiu a exploração, com pequenas paradas para pernoites, até se deparar com uma cachoeira de aproximadamente cinco quilômetros de extensão e um desnível de 55 metros, na data que lhe deu o nome: 15 de Novembro. Ali foi improvisado um acampamento, com a embarcação abrigada em uma pascana por ter sido impossível a sua condução para jusante daquele obstáculo hidrográfico. O transporte das tralhas e dos equipamentos foi realizado por uma picada de contorno, até a margem do tombo final. As pesquisas foram reiniciadas daquela área, através de um percurso de 220 quilômetros, quando paralisaram por ter adoecido a maioria do pessoal. A intensidade das chuvas e dos repiquetes, forçaram o regresso da expedição ao acampamento instalado na cascata.

Quando retornou, Moritz apresentou a Rondon o relatório sobre a formação geológica da área explorada, esclarecendo não ter pesquisado o cascalho nas margens e no leito do ribeirão Veado Preto, por causa das inundações. Porém, confirmou ter encontrado no igarapé Anta, situado nas suas imediações, indicações da existência de ouro em todas as bateadas, sempre de duas a dez pepitas, algumas do tamanho de um grão de arroz.

Nas explorações efetuadas no trecho do rio Cabixi e nos arredores da cascata 15 de Novembro, acentuou ter atravessado um córrego denominado Castanha, sem importância mineralógica, mas, adiante, cerca de dois quilômetros, encontrou o ribeirão Cachoeira correndo sobre camadas de cascalho aurífero, onde as bateadas revelaram abundância de ouro fino. A mesma formação geológica foi identificada nas margens do ribeirão Água Preta, que explorou com dificuldade por ficar entre brejos e peraus.30

O relatório de Moritz, foi assim sintetizado:

Em toda esta faixa de terreno que atravessei, verifiquei que a zona cristalina tem a extensão, mais ou menos, de 15 léguas de largura, e que a formação tem a direção N.W.S.S.E. Na travessia do acampamento da Cascata até chegar a Vilhena, caíram com febre todos os meus camaradas, com exceção de um único.Pelo exame que procedi, posso afirmar que se for bem feito outro, com os elementos indispensáveis e em tempo de seca, examinando os leitos dos rios e lugares fundos, os resultados serão magníficos, não duvidando que nesta zona se achem guardadas as minas importantes, conhecidas dos antigos, no Noroeste de Mato Grosso. A exploração feita não foi mais que um preliminar e teve por fim a descoberta de uma zona mineralizada. Falta-nos só outra exploração mais minuciosa, para que sejam achados os valores e os centros auríferos..31
 

Ao receber outra determinação de Rondon para examinar as ocorrências auríferas identificadas nas cabeceiras dos rios Comemoração de Floriano e Pimenta Bueno (Apidiá), Moritz saiu da estação de Vilhena com o seu grupo de exploradores, a 25 de janeiro de 1913, através do picadão da linha telegráfica até a estação José Bonifácio. Daí prosseguiu e, ao chegar à foz do rio Barão de Melgaço no dia 22 de março, iniciou as pesquisas nas suas margens e nas de seus afluentes, sem nenhum sucesso. Depois rumou para o oeste, explorando alguns igarapés com formação sedimentária, sem encontrar vestígios de ouro. Na confluência do rio Pimenta Bueno com o rio Ji-Paraná e no leito de alguns de seus afluentes, encontrou granito porfirítico vistoso, sem vestígios de ouro, o que considerou um resultado estranho, pois os terrenos com essa classe de formação geralmente são auríferos e, no seu relatório, disse: “(...) debaixo, pois, do ponto de vista mineralógico, nenhuma importância apresentou a zona que foi objecto desta segunda exploração (...)”.32Porém, ao finalizar o relato, disse que dois dos principais objetivos da expedição haviam sido parcialmente cumpridos: o primeiro por ter delimitado a zona aurífera e, o segundo, pela identificação que fizera da potencialidade da ocorrência.

Observa-se, porém, na descrição relacionada ao primeiro objetivo, o que ele apontou de importante foi à largura da faixa dessa zona e a sua posição geográfica e, quanto ao segundo, declarou somente ter sido impossível “(...) fazer exames mais minuciosos na zona aurífera, para conhecer aproximadamente o seu valor”. Mas, se ele tivesse efetuado, naquela área,  sondagens no sentido longitudinal e transversal para determinar as proporções entre os volumes de cascalho examinado e o peso de ouro encontrado, poderia calcular, com relativa precisão, a riqueza média da zona aurífera. Com esses dados, a avaliação da ocorrência poderia ser efetuada, pois, qualquer minerador experiente percebe as condições de uma área aurífera e o seu valor pelas sondagens, observações do terreno (solo e subsolo), análises do cascalho, argila ou piçarra (a cama do ouro), quantidade e, por fim, pela qualidade do ouro encontrado em cada lavagem da bateia.33

Ficou constatado, depois de algum tempo, que o rio designado por Moritz de Cabixi é, de fato, o rio Apidiá ou Pimenta Bueno, afluente do rio Ji-Paraná e ali se situa a cascata 15 de Novembro. O rio Cabixi, afluente do rio Guaporé, nasce na Serra do Norte, nos arredores de Vilhena. O rio “Não Sei” é o rio Apidia - denominação atribuída aos índios Massacás -. Entre o rio Cabixi e as cabeceiras do rio Apidiá, corre o rio Corumbiara.    

Ao terminarem as pesquisas minerais efetuadas naquela área, Rondon encaminhou ao presidente da República, Hermes da Fonseca (1910/1914), detalhada comunicação sobre a potencialidade dos veios auríferos e diamantíferos existentes na campanha de Urucumacuan, assinalados com a evidente pretensão de serem explorados por entidade estatal com os  resultados revertidos em benefício dos povos indígenas que ali habitam.

A proposta, porém, não foi aceita, sob o fundamento de caber as empresas privadas nacionais com experiência nesse ramo, a exploração de empreendimento dessa natureza.34

O sonho acalentado por Rondon há muitos anos, foi, sem dúvida, tornar economicamente próspera a região que desbravara, com benefícios aos povos nativos que nela habitavam.

Estava esperançoso que as minas de Urucumacuan procuradas por bandeirantes e sertanistas desde os tempos coloniais, situadas nos remotos vales dos rios Apidiá e Corumbiara, de um lado, e o rio Juruena e o rio da Dúvida,  de outro, se fossem devidamente exploradas, poderiam contribuir, também, para apressar a integração daquele distante espaço geográfico.

E com este intuito registrou no cartório do município de Vila Bela e no Juizo da 1ª Vara do município de Guajará-mirim, ambos pertencentes ao Estado de Mato Grosso, um manifesto manuscrito afirmando ter sido ele o descobridor das riquezas existentes na campanha que “(...) na antiguidade tomou o nome de Urucumacuan(...)”, que não chegaram a ser lavradas devido a tenaz resistência dos indígenas do vale e do planalto dos Parecis:

“MANIFESTO DO DESCOBERTO DA MINA DE OURO DO RIO  APIDIÁ, OU  RIO NÃO SEI,

      ANTIGAMENTE URUCUMACUAN, NO    ESTADO DE MATO GROSSO”.

 

Snr. Juiz da 1ª Vara. Município de Guajará-Mirim.

Cândido Mariano da Silva Rondon, casado, natural deste estado, residente na Capital Federal, engenheiro militar e General do Exército, brasileiro, descobriu, em julho de 1909, por simples inspeção e guiado pelos roteiros dos bandeirantes de 1771, uma mina de ouro, no vale da cabeceira principal do rio Pimenta Bueno, um dos formadores do Ji-Paraná, batizado em 1912 pelo nome de rio “Não Sei”, reconhecido em 1930 ser o rio Apidiá dos índios Massacá. supõe ser essa mina a que na antiguidade tomou o nome de “Urucumacuan” que não chegou a ser lavrada por terem sido aqueles bandeirantes tenazmente perseguidos pelos índios do vale e do planalto: tal como aconteceu na lendária mina dos Martírios. ela está situada nas circunvizinhanças de Vilhena, atualmente município de Guajará-mirim, abrangendo o vale do Apidiá ou rio “Não Sei” e a vertente oriental do rio Curumbiara pelo seu afluente Omeré na extremidade ocidental do planalto da Rondônia, de onde promana o rio Ji-Paraná, na mesma zona em que os antigos locaram erroneamente as cabeceiras do rio Jamari, entre os meridianos de 60º e 61º a w. de greenwich e os paralelos de 12º e 13º, próximo dos talhadões do planalto, formados pelas águas do rio Guaporé. a ponta mais meridional da zona aurífera dista de Vilhena cerca de nove léguas. o conjunto está afastado de Vila Bela ou cidade de Mato Grosso, dois graus de paralelos. para que o descoberto não ficasse em simples suposição que a inspeção geológica do terreno lhe proporcionou, mandou em setembro de 1912 o engenheiro de minas Francisco Moritz pesquisar com bateia o aludido vale, tendo como resultado as conclusões que apresentou em relatório que foi publicado pela comissão telegráfica sob nº 31 e anexo nº 2 em 1916. completou o reconhecimento pela exploração que executou na fronteira  do rio  Guaporé, quando  à inspeção  de  fronteira o levantou em maio e junho de 1930. e como deseja pesquisar a área da descoberta no sentido de locar a extensão da mina para conhecer a sua potencialidade aurífera, indica como área do mesmo descoberto os vales do Apidiá e do Curumbiara, abrangidos pelos paralelos da foz do ribeirão Veado Preto, afluente da margem direita do Apidiá, ou rio Não Sei, e do quilômetro 164, a partir daquela barra do Veado Preto sobre o referido rio Não Sei ou Apidiá onde terminam as terras altas das margens e aparece brejo nas mesmas. dentro da zona aurífera estão compreendidos: o córrego Mutum, os ribeirões Rosado, Borboleta ou Irivalzú, Faca, Cachoeira Perdida, Mutuca, Capivara e córrego Anta, todos afluentes da margem direita do supra mencionado Não Sei, e acima da cascata “15 de novembro”, locada abaixo da barra do Veado Preto 20 léguas aproximadamente. tem ela 5 quilômetros de desenvolvimento com declive de 55 metros nessa extensão. abaixo da cascata e pela margem esquerda existem o córrego Castanha e o ribeirão Cachoeira; na margem direita, abaixo deste último, o ribeirão Água Preta.

Na zona assim delimitada deverão ser feitas as pesquisas definitivas para sua exploração racional.

O terreno em que assenta a mina descoberta é devoluto e já foi objeto de duas concessões, ora caducas, requeridas por Assensi & Cia., e Dr. Flávio da Silveira, de cujas companhias, então em organização, o descobridor fez parte como Diretor Técnico.

Para assegurar o seu direito ao descobrimento desta mina vem, ainda em tempo, antes que seja tarde, apresentar esta comunicação, idêntica a que registrou no Município da cidade de Mato Grosso, na persuasão de estar à mina no seu território compreendido, para que seja tomado por termo no livro competente, de acordo com a lei nº 4265, de 15 de janeiro de 1921, e seu regulamento.

Rio de Janeiro, 21 de maio de 1934.

Ass. Cândido Mariano da Silva Rondon”.35

* O conteúdo opinativo acima é de inteira responsabilidade do colaborador e titular desta coluna. O Portal Gente de Opinião não tem responsabilidade legal pela "OPINIÃO", que é exclusiva do autor.

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