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Desleixo faz Vila Bela perder turistas na Pantamazônia


 
 Desleixo faz Vila Bela perder turistas na Pantamazônia - Gente de Opinião
Ruínas de três séculos de história estão esquecidas pelo Governo de MatoGrosso e pelo Patrimônio Histórico Nacional /FOTOS JULIO OLIVAR
 


JULIO OLIVAR
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VILA BELA DA SANTÍSSIMA TRINDADE, Mato Grosso — Turistas estão "fugindo" de Vila Bela da Santíssima Trindade (MT), a 382 quilômetros de Vilhena. Ligada histórica e geograficamente a Rondônia, Vila Bela fica na fronteira com a Bolívia e conta hoje 14 mil habitantes. Teve o seu apogeu no Ciclo do Ouro e foi a primeira capital do Mato Grosso, condição que durou 83 anos. À época (1752 a 1835), sua jurisdição abrangia a área onde está o município de Vilhena, em Rondônia.

Várias referências específicas da história da região Sul de Rondônia dizem respeito a Vila Bela, sobretudo as cidades que compõem o Vale do Guaporé, sob influência da conhecida Pantamazônia, a zona de transição entre o Pantanal e a Amazônia Ocidental. 
 
Em Cabixi (a 787 km de Porto Velho), por exemplo, a lendária Tereza de Benguela veio da região da então capital para comandar o Quilombo do Piolho, povoado por negros, índios e mestiços. 

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Lixo se espalha nas ruínas da igreja matriz construída no século 18


 

Pimenteiras guarda influência negra

Não foram poucas as missões portuguesas que perambularam pela região como forma de integrá-la a mando de Portugal, evitando a invasão dos espanhóis. Em Pimenteiras do Oeste, outra cidade do Cone Sul, ainda hoje há resíduos da influência da cultura da ex-capital mato-grossense, na gastronomia e nos folguedos afros.    
 
No final da semana passada o repórter contatou in loco o desalento reinante na cidade. Com a rodovia de acesso bem conservada e sem trânsito, a viagem é tranquila. Ali, o que há de melhor é a natureza imperiosa, os modos hospitaleiros e pacatos da população. Mas, a preservação da memória vai ladeira abaixo.

 
Hotéis confortáveis, porém, vazios

A reclamação começou no hotel: havia apenas um hóspede. E a dona do estabelecimento não pensa em outra a coisa a não ser “passar para frente”. Segundo ela, o fluxo turístico despencou em dez anos. No total, são quatro hotéis em Vila Bela, todos bem estruturados e relativamente confortáveis, porém vazios.
 
A fuga dos visitantes não pode ser creditada à falta de atrativos. Potencial turístico a cidade tem de sobra, mas todos muito mal cuidados. O principal deles — as ruínas da Igreja Matriz, edificada no século 18 — têm lixo pelos cantos. No domingo de manhã havia garrafas e latas de cerveja e até papel higiênico espalhados pelo templo. 
 
Por mais de uma hora em que o repórter permaneceu no local ninguém visitou as ruínas dos espessos muros de taipa de pilão, construídos pelos escravos. 

 
Visitantes depredam ruínas

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Moradores lamentam que vândalos rabisquem as paredes, desprezando totalmente o que elas ainda representam

Em 2006, o Governo do Estado de Mato Grosso providenciou uma cobertura das ruínas. Apesar de enfear o ponto turístico, a medida foi necessária para minimizar a ação do tempo. O pior, porém, é a ação dos vândalos: nas paredes, muitos gostam de deixar sua marca, riscando os adobes com mais de três séculos. 
 
Um idoso que proseava nas imediações contou que alguns chegam a arrancar lascas dos tijolos para levá-las como souvenir. 

Não existem "lembrancinhas" que identifiquem a cidade. Há dois anos o Governo Federal ergueu um edifício para produção e comercialização de artesanatos, que fecha nos finais de semana. O único produto característico à venda no comércio é a canjinjin, uma bebida alcoólica de origem africana. É preparada à base de pinga, mel, canela, erva-doce e outros “ingredientes secretos”.

 
Palácio dos Capitães Generais é museu

Além das ruínas, Vila Bela tem um prédio dos tempos do Brasil Colônia. O Palácio dos Capitães Generais, antiga sede do Governo é, na verdade, uma construção rudimentar, bem simples, que funciona hoje como museu. A casa, próxima às ruínas, está mal conservada e há muito não vê reforma. Uma placa diz que está fechada para reparos, mas não se nota nenhum serviço em andamento.
 
O comerciante Joaquim Paulino, dono de uma mercearia, reclama:
  
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Canjinjin, bebida de origem africana, tem mel, canela, erva doce e “ingredientes secretos”

— As casas de adobe estão caindo e o pessoal da prefeitura deveria ter mais disposição. Poderiam abrir o museu aos domingos, ter quem informasse os visitantes sobre a história, ter guias para mostrar nossas belezas naturais, mas principalmente divulgar nossas riquezas e atrair as pessoas para cá.

Se a prefeitura não faz sua parte, a natureza tem feito a sua. O calor intenso pode ser aliviado nas belas cachoeiras do rio Guaporé, cujo leito é navegável. Paredões de pedra, matas fechadas, montanhas e pesca esportiva são alguns dos atrativos à mercê de uma nova descoberta de Vila Bela. 
 
 
A FORÇA DA NEGRITUDE
 
Quando capital, Vila Bela recebeu investimentos em infra-estrutura e incentivos fiscais. 
 
Dificuldades de povoar a região por conta de doenças e a falta de rotas comerciais e o estabelecimento de um importante centro comercial em Cuiabá forçaram a transferência da capital, em 1835. 

Moradores abandonaram a região, deixando para trás casas, estabelecimentos comerciais e escravos. São esses escravos abandonados que garantem a sobrevivência da cidade, constituindo no local uma comunidade negra forte, unida e fiel às suas tradições. 

Danças do Congo e do Chorado são exibidas durante a festa de São Benedito, em julho, e têm origem nas manifestações dos escravos africanos.

 
 

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