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Lente Crítica

Desabafo e indignação com a saúde de Rondônia


Bom dia a todos,
 

Me chamo Tiago Lins de Lima e escrevo como cidadão, que paga impostos e que se indigna com a situação da saúde pública em Rondônia.
 

Escrevo para confessar um grande defeito que possuo, “a capacidade de me indignar”. Chamo de defeito, porque é assim que grande parte dos que estão no controle de tudo que é nosso por direito consideram essa capacidade.
 

Para estes, aquele que se indigna não o faz porque busca melhorias ou aponta erros que prejudicam a sociedade. Para eles aquele que se indigna não passa de um marginal que tenta desfazer seu trabalho com o objetivo de lhes prejudicar. Não conseguem enxergar que a indignação do outro é verdadeira e que os problemas que o indignado aponta realmente acontecem e causam grandes males a todos. Não conseguem enxergar porque seus olhos estão cegos pela vaidade, pelo egoísmo e até mesmo pela corrupção e má-fé.
 

Mas o motivo maior do envio dessa mensagem e de minha indignação, que propositalmente será repetitiva em meu texto, é para contar uma história, uma experiência vivida nas últimas duas semanas.
 

Recebi em minha casa um Senhor de 63 anos, o senhor José - um trabalhador digno, exímio pedreiro e carpinteiro - que reside em Espigão do Oeste/RO e é amigo de minha família. Seu José veio a Porto Velho acompanhar sua esposa, Dona Maura, que passou mal em sua cidade, foi transferida para o Hospital Regional de Cacoal e depois de nove dias lá, transferida para UTI do Hospital de Base Dr. Ary Pinheiro, em Porto Velho/RO. Sua esposa tinha problemas renais e seu quadro era grave.
 

É inadmissível pessoas em situação gravíssima terem de se deslocar mais de 600 Km, de ambulância, para receberem tratamento médico e fazerem exames que deveriam ser corriqueiros em qualquer posto de saúde.
 

Maura passou nove dias em Cacoal à espera de um milagre, que veio através de liminar judicial, que determinou o prazo de 8 horas para a chegada de um avião em Cacoal para transportá-la à UTI do Hospital de Base, em Porto Velho. Como nossa fé é pouca (ou os deuses e políticos zombam da gente o tempo todo), o avião que chegou a Cacoal não cabia uma maca! Terá sido um desses aviõezinhos usados por fazendeiros para passar veneno em plantações? Não consigo imaginar como um avião para transporte de pacientes não comporte uma maca, os equipamentos básicos de saúde e a equipe de enfermeiros que deve acompanhá-lo!
 

Maura teve de vir de ambulância, por conta e risco da família, suportando os buracos da BR 364, a falta de solidariedade dos motoristas e o tráfego caótico da entrada de Porto Velho. Apesar de tudo isso, deu entrada no HB e sobrevivei por mais nove dias, pois amava a vida e queria viver.
 

Dona Maura faleceu ontem, 16/12/2012, deixando saudade, tristeza e indignação. Depois de conseguir melhoras em seu quadro clínico geral, normalizar as plaquetas e voltar a se alimentar, morreu vítima de choque séptico e sepsia grave (popularmente, infecção generalizada), decorrente de infecção bacteriana contraída no próprio espaço do hospital.
 

Dona Maura era boa mãe e boa esposa. Ministra de Eucaristia e ministra da Palavra na Igreja Católica, militante da Pastoral da Saúde e do Conselho Municipal de Saúde, em Espigão do Oeste. Lutava por uma saúde equânime, criticava as injustiças e as impiedades e organizava campanhas de auxílio aos mais pobres. Era grata a Deus, paciente e nunca a ouvi se queixar das mazelas próprias. Mesmo nas últimas horas, bendizia a Jesus e se submetia à Sua vontade.
 

Ao ir visitá-la, acompanhado de seu esposo, o senhor José, me deparei com uma placa afixada na entrada do hospital com os seguintes dizeres: REFORMA DA RECEPÇÃO DO HOSPITAL DE BASE DR. ARY PINHEIRO. Achei aquilo estranho.


 

Desabafo e indignação com a saúde de Rondônia - Gente de Opinião

Então adentrei a recepção e tive uma surpresa que me deixou muito feliz, uma linda recepção de fazer inveja até mesmo aos hospitais particulares de Porto Velho.

 

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Comentei com a atendente como estava feliz e como era bom ver que o hospital havia melhorado. Em seguida tive a seguinte resposta: “É tudo fachada meu filho! Isso aqui é só para enganar o povo”. Não queria acreditar e quando peguei a autorização para visita na UTI me deparei com uma antiga realidade, uma realidade que acompanho desde criança. Um hospital velho que precisa muito mais do que uma recepção nova. Necessita de uma reforma geral e urgente, para atender a “população de Rondônia” e mais do que isso, necessita do aumento de seu quadro de profissionais de saúde.
 

No primeiro dia que visitei dona Maura ela estava sedada e se alimentando por uma sonda que repassava proteínas necessárias para recomposição de seu sistema imunológico. Apesar do seu quadro grave, dona Maura, com o passar dos dias foi melhorando e o inchaço de suas mãos havia sumido, recuperou a consciência e já havia passado a se alimentar e beber líquido, o que não fazia desde sua internação em Cacoal.
 

Um dia depois da sua melhora os enfermeiros, ao término da visita, pediram para conversar com os familiares, e então expuseram uma grave situação. A equipe de profissionais da UTI adulta estava reduzida (me média apenas 05 pessoas, entre médico, enfermeiros e auxiliares de enfermagem nos plantões), e uma grande quantidade de pacientes em estado grave.
 

Foi informado aos familiares ainda, que isso acontece no hospital há alguns anos e que todas as providências haviam sido tomadas por eles, inclusive através de pedido de intervenção junto aos Conselhos de Medicina, Enfermagem e através de denúncias ao Ministério Público, e que ainda não haviam recebido respostas. A equipe relatou que se dois pacientes ou mais necessitassem de intervenção ao mesmo tempo, eles teriam de socorrer o que tivesse maiores possibilidades de vida.
 

Me indigno por não aceitar um governo de um médico destratar a saúde de seu Estado, por ter a coragem de reformar apenas a recepção e o estacionamento do Hospital de Base, mascarando o restante! Tentando ludibriar o povo.
 

Conversando com os servidores do hospital pude perceber a situação alarmante em que se encontram. Sem espaço e as condições adequadas para trabalharem, tem a vontade de denunciar o descaso, porém temem sofrer represálias.
 

Quando informaram que realizaram denúncias junto ao MP não obtiveram resultados que fossem satisfatórios.
 

Escrevo esse depoimento para relatar o sofrimento que passei nesses dias junto com o Sr. José e dona Maura. Isso me serviu como lição de vida.
 

Ao acompanhar dona Maura, pessoa simples que era, e ao ver o amor tão grande que toda sua família e a cidade tinham por ela, pude ver como isso é muito maior do que o dinheiro e o poder que tanta gente faz questão de ter e os utilizam para o mal, para a morte. O verdadeiro valor de uma vida não são os bens que acumulamos, mas a saudade, admiração, respeito e o exemplo que deixamos.
 

Descanse em paz dona Maura.

 

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Segurando os presentes.

Fonte: Tiago Lins

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