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Renato Gomez

Crônicas do Velho Porto: O Mendigo


Morava na rua desde os sete anos de idade. A mãe morreu no parto. Quando o pai morreu de infarto em seus braços se viu sozinho no mundo. Não tinha parentes próximos, os distantes não queria saber dele, aliás alguns nem sabiam de sua infame existência. Ficou na casa por um tempo, vivia do que conseguia arrumar fazendo pequenos serviços pros vizinhos. Porém fora despejado pelo proprietário quando já venciam seis meses de aluguel. Juntou o que podia carregar e procurou um abrigo onde pudesse morar e guardar seus pertences. Acabou debaixo de um viaduto.

Seu pai não tivera estudo, mas prezava o que chamava de “o único bem eterno” e seu filho já lia e escrevia com pericia quando ficou só no mundo. Desta forma, dentre os bens que levara para o viaduto estavam os poucos livros que seu pai conseguira comprar.

Durante os anos que morou embaixo do viaduto entre um bico e outro, com o dinheiro que recebia comprava comida e livros, muitas vezes mais livros do que comida, e lia, lia desesperadamente, quando a fome apertava devorava os livros e saciava sua sede de viver uma vida diferente. Comprou tantos livros que no seu aniversário de dezoito anos já tinha uma pequena biblioteca debaixo do viaduto.

Aos trinta foi descoberto pela mídia, virou celebridade instantânea, era chamado de o “Mendigo Intelectual”, fez comerciais, ganhou muito dinheiro, comprou casa, carro, moto, roupas novas, muitas roupas novas, fez a barba e cortou o cabelo, as quais nunca tinha sequer aparado. Era outra pessoa. Deu dezenas de entrevistas e fez outras dezenas de comerciais, mas não lera mais nenhum livro sequer.

Um dia enquanto se encaminhava para fazer mais um comercial, passou pela sua morada de anos,  e olhou um outdoor recém-instalado sobre a beirada do viaduto e se orgulhou de ver sua imagem em uma propaganda ali no local onde passara a maior parte de sua existência. Era o símbolo da guinada que deu em sua vida. Conforme foi se aproximando viu um livro caído ao chão. Parou o carro e foi em busca do livro, pois certamente era um dos seus que por descuido ficou no local. Ao recolher o livro do chão, percebeu que era um dos primeiros que seu pai comprou, um dos que ele mais gostava, e se culpou por tê-lo esquecido ali, uma vez que o mesmo se encontrava tão desgastado pelas chuvas e sóis que pegara desde sua partida.

Abriu-o na página que se encontrava o marcador de páginas e leu a seguinte poesia:

“De onde tu vieste?

Pra onde tu irás?

O círculo da vida

que aqui te trouxeste

aqui, te levarás...”

Vendeu tudo que conquistara  e negociou com a prefeitura a compra do terreno abaixo do viaduto. Sim, o terreno que deveria lhe pertencer por usucapião, e montou uma biblioteca de verdade, passou o resto de seus dias ali lendo livros.

* O conteúdo opinativo acima é de inteira responsabilidade do colaborador e titular desta coluna. O Portal Gente de Opinião não tem responsabilidade legal pela "OPINIÃO", que é exclusiva do autor.

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