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Matias Mendes

A CORRUPÇÃO CONSENTIDA: O Calvário dos Competentes


Por MATIAS MENDES

A despeito do fato de que retomamos a campanha do segundo turno das eleições de 1990 imbuídos da certeza de que a vitória estava de fato já nas nossas mãos, tivemos um sério acidente de percurso que nos dificultou bastante o projeto. Acontece que houve uma dissidência da ala mais intelectualizada do PTB de Olavo Pires, liderada por Teobaldo Viana, que resolveu descumprir o acordo de aliança já firmado por conta das infundadas suspeitas de que Oswaldo Pianna teria algum envolvimento com o assassinato do senador petebista. Essa ala dissidente tinha muita influência na Imprensa escrita da época e a ela se juntou o jornalista Paulo Queiroz, do jornal O Estadão, que começaram a detonar a figura de Pianna de forma sistemática. A assessoria de Imprensa, já controlada pelas empresas de publicidade, não dava aos verrinários ataques de Paulo Queiroz e Teobaldo Viana as respostas convenientes, ocasionando o desgaste do candidato do PTR. Ao detectar pelo nosso sistema de inteligência do qual participava o jovem Tenente-PM esposo da  Helen Rute, sobrinha do Pianna, eu resolvi assumir o papel de fazer a contraofensiva no plano da Imprensa. E foi assim que iniciei o duelo verbal com o Paulo Queiroz que, depois que vencemos a eleição, por orientação do grupo próximo do Governador  eleito Oswaldo Pianna, ele (o Paulo) usou como mote para me atacar e melar  a minha nomeação para a Casa Civil, conforme desejava a dona Hélia Pianna. Quem acabou sendo nomeado para a  Chefia da Casa Civil, a um preço que eu nunca pagaria, foi um outro membro histórico do PDT,  o advogado Hugo Parra Mota, integrante da República do Caiari, que tempos depois cederia o lugar ao advogado Amadeu Machado para assumir o cargo vitalício de Conselheiro do Tribunal de Contas. Mais tarde Amadeu Machado, ligado a Chiquilito Erse, também seria alçado ao cargo vitalício de Conselheiro do Tribunal de Contas.

A famigerada República do Caiari não havia participado da campanha política indigente de Oswaldo Pianna, surgiu somente depois de le fait accompli, depois da eleição vencida, até como uma espécie fantasmagórica de cutubas redivivos, todos focados nas vantagens imediatas sem qualquer preocupação com o futuro do Estado de Rondônia, tal como os cutubas sempre haviam agido no antigo Território Federal de Rondônia. Em tal cenário, quem era do Guaporé, como eu, estava irremediavelmente fadado à defenestração, ao escanteio, ao isolamento irremediável. A República do Caiari  era simplesmente impermeável... E foi com base na República do Caiari que o deslumbrado Governador Oswaldo Pianna montou o arcabouço do seu governo destinado ao insucesso e à sua inevitável queda para o abismo do ostracismo político, repetindo o erro do experiente Jerônimo Santana, favorecendo a prática da corrupção desenfreada.

Ao ser eleito pelo ingente esforço de um reduzido grupo de servidores do Poder Legislativo, o deputado de escassos votos Oswaldo Pianna não estava atrelado a nenhum forte grupo financeiro que o houvesse financiado para que fosse eleito. No entanto, por conta do seu envaidecimento pela vitória que a tantos políticos experientes e influentes parecia impossível, Pianna perdeu-se logo na montagem do seu secretariado. É certo que acertou em raros casos, por exemplo, como nomear o competente Paulo Saldanha para gerir o Beron já arruinado pela ação predatória da turma de Marcelino Federal Hermida, de resto errou em quase tudo, principalmente na esfera militar do Governo. Ao invés de nomear o Coronel-PM Valnir Ferro para comandar a Polícia Militar e nomear o Tenente-Coronel-PM Eudes Rosa Cabral para a Chefia da Casa Militar, Pianna forçou a barra e fez o inverso. Nomeou o Coronel Valnir Ferro para chefiar a Casa Militar e promoveu o Tenente-Coronel Eudes Rosa Cabral ao posto de Coronel, nomeando-o em seguida para o Comando Geral da Polícia Militar. O atropelamento da hierarquia no terreno militar foi desastroso, dentro de poucos meses houve um motim na Polícia Militar e o Exército teve de intervir na Polícia Militar do Estado de Rondônia, enviando um Coronel do Exército para comandar a instituição.

Abramos neste ponto um conveniente parêntese para esclarecer um episódio nebuloso em relação ao guaporeano Paulo Saldanha, gestor do Beron durante o Governo Pianna e artífice da sobrevida da instituição financeira do Estado saqueada já pela quadrilha comandada por Marcelino Federal Hermida. Paulo Saldanha, originário da famosa família aportada na região ainda no início da segunda década do século XX, tendo como líder o Coronel da Guarda Nacional Paulo Cordeiro da Cruz Saldanha, Oficial do Exército que comandou o Forte de São Joaquim na região de Roraima que naquela época ainda era parte integrante do Estado do Amazonas, havendo travado renhidos combates com os ingleses da vizinha Guiana Inglesa pela posse do território de 19.000 quilômetros quadrados que os britânicos acabaram ganhando pela arbitragem parcial do rei da Itália, tio-avô do Paulo Saldanha do Guaporé, enfim, o gestor do Beron no Governo Pianna procedia de fato de uma linhagem de varões bem situados nas vizinhanças da nobreza, família abastada cuja fortuna havia sido iniciada com a instalação de fazendas de gado no lavrado roraimense pela visão diferenciada do jovem Oficial do Exército, que se afastou da Força Terrestre para dedicar-se aos  negócios e à política.

Paulo Saldanha, tio do pai do Paulo Saldanha do Guaporé, foi deputado pelo Estado do Amazonas, mas resolveu abandonar a cidade de Manaus depois que abateu em um duelo travado em plena rua um jornalista. Consta que o antigo Oficial do Exército era um temível atirador com os revólveres, ao nível de Guilherme Paraense (o primeiro medalhista olímpico brasileiro), Dilermando de Assis (o carrasco dos dois infortunados Euclides da Cunha, pai e filho), Carlos Lamarca (o Capitão que desertou do Exército para lutar ao lado das guerrilhas), Chaquib Cury (o lendário Comandante da Guerrilha do Guaporé) ou Joaquim Mendes, meu irmão mais velho que me ensinou os primeiros rudimentos do uso correto das armas de fogo. No entanto, ao transferir-se para o ermo do noroeste mato-grossense, até onde se sabe, o Coronel da Guarda Nacional Paulo Saldanha dedicou-se apenas aos negócios, à política e às mulheres nunca mais abateu nenhum desafeto, talvez porque nunca mais alguém o ameaçou com uma arma de fogo na mão. E os ramos comerciais aos quais se dedicou foram notadamente muito rendosos na época, envolvendo o Serviço de Navegação do Guaporé, a exploração de seringais, a administração da Guaporé Rubber Company e a pecuária bovina na Fazenda Ilha das Flores.

De tal modo, a Família Saldanha angariou na região uma fabulosa fortuna sem qualquer vício de origem, fato que possibilitou ao Paulo Saldanha do Guaporé nascer literalmente em berço de ouro, sem precisar sequer trabalhar na vida. Mas ele preferiu o caminho de continuar o trabalho e o acúmulo de riquezas da sua família tradicional e encaminhou-se na carreira bancária. Atingiu em tal mister os mais elevados postos em bancos estatais. Foi o responsável pela instalação do Beron durante a profícua gestão do Coronel Jorge Teixeira de Oliveira na transição histórica do Território Federal de Rondônia para o Estado de Rondônia. Muito rico e muito discreto, Paulinho Saldanha assumiu o Beron já saqueado pela quadrilha de Federal Hermida como a figura mais proeminente do Governo de Oswaldo Pianna. Foi a sua vasta experiência na área que salvou o Beron do naufrágio iminente depois da tempestade do assalto organizado feito pela quadrilha de salafrários que Jerônimo Santana importou do Estado do Paraná para agradar ao seu correligionário José Richa. No entanto, a despeito da reconhecida honestidade de Paulo Saldanha na gestão do Beron, o seu nome não foi poupado das aleivosias generalizantes. Sem levar em conta que passer à côté du saute-mouton ne fait personne être um vautour, pelo simples  fato de o herdeiro de parte substancial da fabulosa fortuna do Coronel Paulo Saldanha haver participado do mesmo Governo da turma da República do Caiari foi o bastante  para pipocarem infundadas acusações contra o rico herdeiro do clã Saldanha. Os maledicentes, por não saberem nada da História da região, desconhecem o fato de que só o tesouro do Coronel Saldanha em lingotes de ouro extraído das Minas de São Simão chegava a algumas toneladas, constando até que pelo menos mais de cem lingotes de ouro o generoso Coronel teria legado ao seu sobrinho-neto e homônimo, tesouro que se supõe que ainda hoje esteja muito bem guardado em alguma propriedade rural da família. O certo mesmo é que ao Paulo Saldanha do Guaporé pode até haver faltado em algum momento alguma grande soma em dinheiro para resolver algum negócio de imediato, mas nunca lhe faltaram centenas de cabeças de gado no pasto para resolver qualquer perrengue financeiro de natureza milionária até mesmo sem recorrer à reserva técnica do fabuloso tesouro em metal precioso que recebeu como herança do famoso tio-avô, tanto isso é verdade que seus bens nunca foram objeto de nenhum bloqueio judicial como acontece com as fazendas e apartamentos dos quadrilheiros que operam em Rondônia. Há quem diga que o patrimônio da família Saldanha, que tinha de pequenos barcos às grandes embarcações, inclusive até aviões que o próprio João Saldanha pilotava, era suficiente para fazer a fabulosa fortuna de Balbino Antunes Maciel parecer ninharia de reles remediado. No caso específico do Beron, Paulo Saldanha, com exemplar gestão, salvou foi o banco estadual da falência, sendo de todo descabido qualquer boato a respeito de tal assunto. O seu fabuloso estoque de lingotes de ouro pode até haver ficado reduzido depois da construção do maravilhoso hotel de selva que hoje integra o patrimônio da família, mas a sua honestidade está acima de qualquer suspeita.

Depois do esclarecimento necessário sobre a origem da fortuna da família Saldanha, vale lembrar também que na gestão tumultuada de Oswaldo Pianna no Governo do Estado foi exatamente no Banco do Estado que a República do Caiari não conseguiu fazer as estripulias que campearam em outros setores da administração estadual. Ao final do Governo Pianna sobrou apenas o calvário para os rondonienses que  ajudaram Oswaldo Pianna a subir ao poder na vã esperança de mudanças na política de Rondônia. A única mudança que de fato houve é que nunca mais os políticos nativos tiveram a oportunidade de assumir mais nada em parte alguma do Estado, sendo todos condenados a ocupar cargos eletivos irrelevantes pelas periferias do poder.                               

* O conteúdo opinativo acima é de inteira responsabilidade do colaborador e titular desta coluna. O Portal Gente de Opinião não tem responsabilidade legal pela "OPINIÃO", que é exclusiva do autor.

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