Sexta-feira, 29 de março de 2024 | Porto Velho (RO)

×
Gente de Opinião

Leonardo Boff

Encontro com Lula na prisão: espiritualidade e política


Encontro com Lula na prisão: espiritualidade e política - Gente de Opinião

No dia 7 de maio cumpriam-se 30 dias de prisão do ex-presidente Lula. Foi-lhe concedida pela primeira vez receber a visita de amigos. Tive a honra de ser o primeiro a encontrá-lo pela amizade de mais de 30 anos e pela comunhão de causa: a libertação dos empobrecidos e para reforçar a dimensão espiritual da vida. Cumpri o preceito evangélico: "estava preso e me visitaste".

Encontrei-o como o conhecemos fora da prisão: rosto, cabelo e barba, apenas levemente mais magro. Os que queriam vê-lo acabrunhado e deprimido devem se decepcionar. Está cheio de ânimo e de esperança. A cela é um amplo quarto, muito limpo, com armários embutidos, banheiro e chuveiro numa área fechada. A impressão é boa embora viva numa solitária, pois, à exceção dos advogados e dos filhos, só pode falar com o guarda de origem ucraniana, gentil e atento, que se tornou um admirador de Lula. Traz-lhe as marmitas, ora mais quentes ora mais frias e café, sempre que solicita. Lula não aceita nenhum alimento que os filhos lhe trazem, porque quer se alimentar como os demais presos, sem nenhum privilégio. Tem seu tempo de tomar sol. Mas ultimamente, enquanto o faz, aparecem drones sobre o espaço. Por precaução Lula logo vai embora, pois não se sabe qual seja o propósito destes drones, fotografá-lo ou, quem sabe, algo mais sinistro.

O importante foi a conversação de natureza espiritual na qual se misturavam observações políticas... Lula é um homem religioso, mas da religiosidade popular para a qual Deus é uma evidência existencial. Encontrei-o lendo um livro meu, "O Senhor é meu pastor", (da Vozes) um comentário do famoso salmo 23, o mais lido dos salmos e também por outras religiões. Sentia-se fortificado e confirmado, pois a Bíblia geralmente critica os pastores políticos e exalta aqueles que cuidam dos pobres, dos órfãos e das viúvas. Lula se sente nesta linha, com suas políticas sociais que beneficiaram a tantos milhões. Não aceita a crítica de populista, dizendo: eu sou povo e vim do povo e oriento o mais que posso a política para ele.

Na cabeceira da cama há um crucifixo. Aproveita o tempo de reclusão estrita para refletir, meditar, rever tantas coisas de sua vida e aprofundar as convicções fundamentais que dão sentido a sua ação política, aquilo que sua mãe Lindu (que a sente como um anjo protetor e inspirador) sempre lhe repetia: sempre ser honesto e lutar e mais uma vez lutar. Vê nisso o sentido de sua vida pessoal e política: lutar para que haja vida digna para todos e não só para alguns à custa dos outros. A grandeza de um político se mede pela grandeza de sua causa, disse enfaticamente. E a causa tem que ser produzir vida para todos a começar pelos que menos vida têm. Em função disso não aceita derrotas definitivas. Nem quer cair de pé. O que não quer é cair. Mas manter-se fiel a seu propósito de base e fazer da política o grande instrumento para ordenar a vida em justiça e paz para todos, particularmente aos que vivem no inferno da fome e da miséria.

Esse sonho possui grandeza ética e espiritual inegável. É à luz destas convicções que se mantém tranquilo, pois diz e repete: vive desta verdade interior que possui força própria e vai se revelar um dia. "Só quero", comentava, "que seja depois de minha morte, mas ainda em meu tempo de vida". Indigna-se profundamente por causa das mentiras que divulgam contra ele e sobre elas montaram o processo do tríplex. Pergunta-se, como podem as pessoas mentirem conscientemente e poderem dormir em paz? Faz um desafio ao juiz Sérgio Moro: "apresente-me uma única prova sequer, de que sou dono do tríplex de Guarujá. Se apresentar renunciarei à candidatura à presidência".

Recomendou-me que passasse esse recado à imprensa e aos que estão no acampamento: "Sou candidatíssimo. Quero levar avante o resgate dos pobres e fazer das política sociais em prol deles, políticas de Estado e que os custos que são investimentos entrem no orçamento da União. Irei radicalizar estas políticas para os pobres, junto com os pobres e dignificar nosso país".

A meditação o fez entender que esta prisão possui um significado que transcende a ele, a mim e às disputas políticas. Deve ser o mesmo preço que Gandhi e Mandela pagaram com prisões e perseguições para alcançarem o que alcançaram. "Assim creio e espero", dizia, "que é o que estou passando agora".

Eu que entrei para anima-lo, saí animado. Espero que outros também se animem e gritem o "Lula livre" contra uma Justiça que não se mostra justa.

* O conteúdo opinativo acima é de inteira responsabilidade do colaborador e titular desta coluna. O Portal Gente de Opinião não tem responsabilidade legal pela "OPINIÃO", que é exclusiva do autor.

Gente de OpiniãoSexta-feira, 29 de março de 2024 | Porto Velho (RO)

VOCÊ PODE GOSTAR

Boff diz ter misericórdia de Ciro e dá aula de elegância - Por Leonardo Boff

Boff diz ter misericórdia de Ciro e dá aula de elegância - Por Leonardo Boff

247 - O teólogo e escritor Leornado Boff, um dos mais importantes intelectuais do mundo, celebrado pelo papa Francisco como interlocutor privilegiado,

Boff manda recado aos mais pobres: não votem no opressor de vocês

Boff manda recado aos mais pobres: não votem no opressor de vocês

"Bolsonaro é inimigo dos pobres. Quer que paguem mais impostos, discrimina os negros/as, os nordestinos, além de minorias. A maioria dos pobres são ne

Libertemo-nos desta desgraça, diz Boff sobre Bolsonaro

Libertemo-nos desta desgraça, diz Boff sobre Bolsonaro

"Meu sentimento do mundo me diz que se Bolsonaro chegar à Presidência mergulharemos num grande caos social. Propiciará a volta dos militares.Ele não p

Boff: México acompanha Lula e também teme ascenso do autoritarismo

Boff: México acompanha Lula e também teme ascenso do autoritarismo

"Estou há uma semana no México falando em várias universidades sobre sustentabilidade e a crise ecológica. Percebi nos debates que acompanham de perto

Gente de Opinião Sexta-feira, 29 de março de 2024 | Porto Velho (RO)