Sábado, 20 de abril de 2024 | Porto Velho (RO)

×
Gente de Opinião

Frei Betto

ERA DOS AVATARES - Por Frei Betto



Frei Betto

Mudou o Natal e mudamos nós, admitiria hoje Machado de Assis. Com as novas tecnologias de comunicação o mundo encolheu. Minha avó talvez nem soubesse que o Afeganistão existe. Hoje a bomba que explode na Síria incomoda os nossos ouvidos e as chuvas torrenciais na China respigam em nós no Brasil.

Mudou sobretudo a política. Com a queda do Muro de Berlim, em 1989, o século XX terminou, assinalou Eric Hobsbawm. Agora o planeta está hegemonizado pelo capitalismo; o Estado de bem-estar social já não se faz necessário para conter a ameaça comunista; e um novo dogma é proclamado: fora do mercado não há salvação!

Vale tudo por dinheiro! Inclusive na política. Ah, mas e a corrupção?, perguntam os incautos que acreditam que a raposa é capaz de cuidar do galinheiro. Roberto Campos já dizia que, no capitalismo, “não há corrupção, há negócios”. Tudo se resolve atrás do balcão. E não estamos falando do assalto ao dinheiro público desviado dos cofres da Petrobras. Trata-se de algo muito mais grave, de um crime de lesa-democracia: o flagrante de o presidente da República conspirar nos porões do palácio com um bandido orientado a não ingressar pela porta da frente, e ainda se apresentar na portaria com nome falso.

A lógica do neoliberalismo reduz o nosso ângulo de visão. Vemos apenas a sucessão de árvores, e não a floresta. Os fatos são ludibriados pelas interpretações. A história é reduzida a uma sequência de episódios pitorescos, bizarros, dos quais ficam sumariamente excluídos os conceitos de povo, nação, classe social e modos de produção.

Nesse mundo supostamente desideologizado e conturbado são descartados os programas estratégicos, as propostas de longo prazo e as utopias libertárias. Torce-se o nariz para políticos e partidos. Cede-se à síndrome do corpo de bombeiros: em plena crise, peça-se socorro urgente a quem parece estar acima das instituições corrompidas e conceda-lhe todos os poderes!

Foi assim que a Revolução Francesa desembocou em Napoleão; a Alemanha se ajoelhou aos pés de Hitler e a Itália, de Mussolini. É assim que, hoje, o Reino Unido se ilha ainda mais ao se desconectar da União Europeia na esperança de levar vantagem. É assim que os eleitores estadunidenses elegem Trump e, os franceses, Macron. Essa mesma lógica entregou a João Doria a prefeitura de São Paulo, e faz Bolsonaro figurar entre as preferências presidenciais dos eleitores brasileiros.

Não adianta chorar diante do leite derramado. É hora de dar respostas para certas perguntas: por que o povo brasileiro não ocupa as ruas? Por que não se arrancam as máscaras da minoria que insiste em reduzir o caráter das manifestações a atos de vandalismo? Por que nenhum setor progressista, salvo o MST e o MTST, faz trabalho de base de formação política de militantes? Por que muito se discutem nomes para as eleições de 2018, e pouco programas e critérios? Por que o reduto da esquerda envolvido em corrupção não faz autocrítica? Por que a ambição de ganhar eleições é, hoje, mais notória do que o projeto de mudar as estruturas da sociedade brasileira?

Enquanto não houver respostas claras e práticas a essa questões, o Brasil também ingressará na era dos avatares.

Frei Betto é escritor, autor de “Ofício de escrever” (Anfiteatro), entre outros livros.


Copyright 2016 – FREI BETTO – Favor não divulgar este artigo sem autorização do autor. Se desejar divulgá-los ou publicá-los em qualquer  meio de comunicação, eletrônico ou impresso, entre em contato para fazer uma assinatura anual. – MHGPAL – Agência Literária (m[email protected]http://www.freibetto.org/>    twitter:@freibetto
 


 

* O conteúdo opinativo acima é de inteira responsabilidade do colaborador e titular desta coluna. O Portal Gente de Opinião não tem responsabilidade legal pela "OPINIÃO", que é exclusiva do autor.

Gente de OpiniãoSábado, 20 de abril de 2024 | Porto Velho (RO)

VOCÊ PODE GOSTAR

Esquerda, o resgate do sonho

Esquerda, o resgate do sonho

         Pertenço à geração que teve o privilégio de fazer 20 anos nos anos 60: Revolução Cubana, Che, Beatles, Rei da Vela, manifestações estudanti

Democracia e valores evangélicos

Democracia e valores evangélicos

       No tempo de Jesus, a questão da democracia já estava posta, porém apenas em uma região distante da Palestina: a Grécia. Dominada pelo Impér

Pergunte à história

Pergunte à história

Eleitores nem sempre votam com a razão. Muitos votam com a emoção.

O cardeal eletricista

O cardeal eletricista

O cardeal polonês, de 55 anos, é o principal assessor do papa

Gente de Opinião Sábado, 20 de abril de 2024 | Porto Velho (RO)