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Frei Betto

CARNAVAL, DO SAGRADO AO PROFANO



Frei Betto

Carnaval significa “festa da carne”. Aconselhados a se abster de consumo de carne e relações sexuais na Quaresma, os cristãos se fartavam de churrasco nos três dias anteriores à Quarta-Feira de Cinzas.

Foram os portugueses que, no século XVII, introduziram o Carnaval no Brasil, com o nome de Entrudo. A diversão descambava para a violência; os foliões atiravam, uns nos outros, água, pó, cal e tudo que tivessem às mãos.

O primeiro baile de Carnaval foi em 1840, no Rio. Confetes e serpentinas tinham tornado a festa menos violenta. Em 1846 surgiu o Zé Pereira, grupos de foliões tocando bumbos e tambores. Vieram em seguida os cordões, ranchos e blocos.

As quadrinhas anônimas cederam lugar a composições especialmente criadas para a festa graças à Chiquinha Gonzaga, com seu “Abre-alas”, em 1899. E os ritmos se diversificaram: samba, marcha-rancho, frevo, batucada etc.

A invenção do automóvel introduziu o corso, desfile de carros pela cidade. A primeira escola de samba, fundada em 1929, no Estácio, chamava-se “Deixa Falar”.

De festa religiosa, o Carnaval transmutou-se em folguedo profano, em que se brinca invertendo papéis sociais. O rosto coberto com a máscara do diabo ou do político; o homem vestido de mulher e a mulher em trajes masculinos; o rico à rua em farrapos e o pobre em trajes imperiais.

Outrora, em cada cidade do Brasil havia blocos, cordões, bailes, desfiles e carros alegóricos. Em avenidas e praças, adultos e crianças mesclavam-se na alegria. Ninguém saía à rua atento à bolsa ou à carteira. Pulava-se Carnaval sem drogas e violências, embora houvesse quem exagerasse na bebida e cheirasse lança-perfume.

Mudou o Brasil, mudamos nós. O Carnaval adquiriu, então, o caráter de folia - do francês folie, loucura. A sobrevivência difícil reduziu o nosso espaço de lazer e o império da TV o nosso tempo.

A festa de Momo restou como momento de catarse. Busca-se o prazer imediato no sexo e na droga; a transgressão de valores na nudez e na irreverência agressivas; a competição exacerbada na disputa de prêmios a fantasias, blocos e, sobretudo, escolas de samba.

Hoje, o Carnaval agoniza em muitas cidades brasileiras. É um feriadão. Deixamos de ser participantes para quedar-nos como meros (tele)espectadores. Despimos a fantasia do corpo para confiná-la na mente. Eis a globalização do voyeurismo. Refestelados na poltrona, vemos a mulata esfregar-se em nosso vídeo e volatilizar-se no carrossel de imagens. Ficamos reduzidos à condição de fregueses de um açougue mágico, cujas postas são pedaços de gente salpicados de purpurina e confete.

Restam, agora, poucos palcos: os sambódromos do Rio e de São Paulo, os trios elétricos de Salvador, os blocos de Olinda e Recife. Também ali o dinheiro supera o ronco da cuíca, os “bem-nascidos” e famosos tomam o lugar de pessoas anônimas, enredos e passistas são obscurecidos pelo nu explícito.

Eis, em nova (di)versão, a festa da carne.

Frei Betto é escritor, autor de “Reinventar a vida” (Vozes), entre outros livros.

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