Sexta-feira, 19 de abril de 2024 | Porto Velho (RO)

×
Gente de Opinião

Elson Martins

Varadouro 24: missão cumprida


 
 
Um pé de maconha em fotografia arregaçada na capa do jornal? Só o jornal Varadouro tinha tanta ousadia! Afinal, o ano era 1981, o país ainda vivia sob uma ditadura militar e o Acre – meu Deus! – que garantia podia oferecer a um grupo de jornalistas que há quatro anos cutucava a onça com vara curta? Mas estava lá, na capa da edição 24 (a última) que circulou em dezembro, a matéria com o título “Maconha: ilusão ou busca”?

Por que maconha na capa do Varadouro? – indagam os próprios editores do jornal pensando na explicação que queriam dar no Varadouro 24: missão cumprida  - Gente de Opiniãopequeno editorial (sempre disfarçado de “neste número”) na segunda página:

“Em primeiro lugar, porque para nós não existem temas proibidos. Todos os assuntos de importância social são tratados com franqueza e coragem”. O jornal informa que a maconha joga milhares de jovens na marginalidade e nas garras da polícia, e que em Rio Branco teriam sido presos 100 fumantes entre janeiro e outubro daquele ano.

Na pagina 6 a matéria é desenvolvida com o título: “Por que se fuma maconha? E são os usuários que respondem: uma universitária, uma funcionária pública e um artista deram depoimento falando de suas experiências com a droga. Claro, sem serem identificados. A fotografia que ilustra a matéria mostra uma jovem caminhando junto a um muro onde se lê a pichação: “Cresça, faça a cabeça”! Na contracapa da edição, mais provocação: o desenhista Branco faz uma viagem pelo “Dai-me astral”.

No mais, era o Varadouro de sempre, com destaque para a matéria das páginas centrais: “O que o acreano espera de 82”, ou seja, qual a expectativa da população sobre as eleições daquele ano? A secretária da associação das lavadeiras de Rio Branco, Maria Costa dos Santos, nascida em Sena Madureira, 30 anos e 10 filhos, dá uma resposta consciente e engajada: “Estou confiante não por causa dos políticos, mas por causa do povo”.

Na página 18 tem uma matéria que até hoje sugere reflexão: “Seringueiro não vira colono paranaense”. Nas assembléias dos seringueiros organizados em sindicatos a partir de 1975, era comum ouvir-se que eles não queriam trocar sua colocação de seringa dentro da mata, com 300 hectares de floresta, por um lote do Incra de 100 ou menos, voltado para a produção agrícola. Anos depois (1990) eles conquistariam as Reservas Extrativistas.

Desta forma, com brilho, Varadouro fechou seu curto ciclo de vida. Mas seus editores nunca imaginaram que aquela edição era a última, como bem observou o sociólogo Pedro Vicente Costa Sobrinho, no seu livro Comunicação Alternativa e Movimentos Sociais na Amazônia Ocidental (2001). Segundo ele, Varadouro estava fadado a acompanhar o destino dos irmãos alternativos do resto do país. “Na notícia do desaparecimento do jornal Movimento, que foi veiculado neste número 24, Varadouro cometeu uma grave omissão: deixou de também incluir no texto o seu próprio desaparecimento, pois a partir daí sumiu sem uma explicação para o seu público” – escreveu.


Fonte:  Elson Martins
 

* O conteúdo opinativo acima é de inteira responsabilidade do colaborador e titular desta coluna. O Portal Gente de Opinião não tem responsabilidade legal pela "OPINIÃO", que é exclusiva do autor.

Gente de OpiniãoSexta-feira, 19 de abril de 2024 | Porto Velho (RO)

VOCÊ PODE GOSTAR

‘Entra Meton, você não precisa pedir licença’

‘Entra Meton, você não precisa pedir licença’

  ELSON MARTINS Editor do Almanacre Ele foi precoce na boemia. Se enturmou com os mais velhos na pacata Macapá da segunda metade dos anos sessenta e s

Floresta do meu exílio

Floresta do meu exílio

  ELSON MARTINS Editor do Almanacre Li o livro do Capi faz algum tempo e sei que ele aguardava que escrevesse algum comentário, mas eu vinha sentindo

Deus nos acuda

Deus nos acuda

  ELSON MARTINS Editor do Almanacre   As alagações não são novidades na Amazônia. E no Acre temos notícia de que no passado aconteceram algumas maiore

'Na aldeia, você é membro de uma grande família'

'Na aldeia, você é membro de uma grande família'

  Imagem do filme A gente luta mas come fruta, a respeito do manejo em terras Ashaninka /DIVULGAÇÃO ELSON MARTINS Almanacre No período de 2007 a 2010

Gente de Opinião Sexta-feira, 19 de abril de 2024 | Porto Velho (RO)