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Elson Martins

Cartas do Acre


 

Cartas do Acre - Gente de Opinião
Corrêa Neto e Elson Martins: amizade antiga e jornalismo em defesa da Amazônia /ÁLBUM PESSOAL

 
 

ELSON MARTINS
Almanacre – Página20

 

Em Macapá, capital do Amapá, onde vivi boa parte de minha vida, conheci o jornalista Antônio Corrêa Neto, que honra nossa profissão. Atualmente com 71 anos, sofrendo de diabete, doença que o obrigou a amputar uma das pernas, ainda consegue manter seu site (www.correaneto.com.br) como fonte de consulta confiável sobre o que acontece de bom e de ruim no Estado.
 

Fizemos bom jornalismo juntos na Folha do Amapá, de 1991 a 2000, e a partir de 2003, já de volta ao Acre, colaborei com seu site escrevendo algumas cartas. A que publico a seguir foi escrita em 2004, ano em que o Amapá sofria com a dengue e outras doenças, entre as quais a política, que, lá, representa desesperança e vergonha.
 

Caro Corrêa:
 

Espero que tenha voltado de suas anunciadas curtas férias. Fico imaginando o que pode acontecer de pior por aí quando você resolve baixar as armas, ainda que por pouco tempo. Nos últimos dias, só consigo ver o Amapá estirado numa rede, com dengue. Sei que a imagem é esquisita – um Estado de 143 mil quilômetros quadrados, em forma quadrangular com pontas, esticado numa rede – mas não me vem outra, com o que leio pelos jornais.
 

Cada vez mais acredito no que o ex-governador e agora senador cassado pelo Sarney e seu poder judiciário, João Alberto Capiberibe, dizia sobre vontade política: tudo de bom ou de ruim que acontece numa administração pública vem daí, dessa vontade política, de fazer tudo ou não fazer nada e até de fazer o errado em vez do certo.
 

Não tenho visto o Amapá na mídia nacional senão pelo lado ruim, como nos velhos tempos daquela família patética (de um ex-governador militar) com seus filhotes aprendizes. Aliás, você fica divulgando no seu site que ela ainda rola por aí e está sendo resgatada pelo atual governo (Valdez Góes). Você não está exagerando não?
 

O governador Waldez participou da grande passeata na Avenida FAB contra os desmandos que aconteciam em 1993/1994; puxou o cordão dos jovens rebeldes e das professoras maltratadas da época, tanto que se tornou a grande e promissora liderança política para as eleições que se seguiram, até obter êxito neste começo de terceiro milênio. Onde se meteu o jovem político, engajado na luta em favor das causas sociais? Se está acontecendo coisa pior do que podíamos imaginar, a julgar pelos acordos que fez para chegar ao Governo do Estado, por favor, me poupe de tanta deformidade.
 

 Voltando a falar de mídia nacional: o Amapá soçobrou, sumiu, pelo menos da mídia que cria esperanças. Agora quem brilha sozinho é o Acre, com justificadas razões. Aqui, apesar de alguns excessos de mando, respira-se otimismo. Outra coisa boa que vem acontecendo neste começo de 2004, aqui na terra do imperador Galvez, é a agitação cultural. Assim como no Amapá a tradição musical é notória, com bons músicos compondo, tocando instrumentos e cantando, no Acre o forte é o teatro (se bem que a musicalidade cresce com várias bandas jovens se formando e ganhando a noite).
 

Atualmente, uns 15 grupos de teatro estão atuando com produção de espetáculos. De certo modo, o que favorece a agitação cultural é uma lei estadual de cultura que permite que empresários apliquem parte do que deve ao fisco estadual nos projetos culturais. O valor de isenção atinge R$ 1 milhão ao ano, dividida em parcelas de 5, 10 e 15 mil reais para cada projeto. Uma boa!
 

No mais, Corrêa, só muita chuva, como de resto está acontecendo em todo o País. No Acre estamos no auge da temporada invernosa que termina em abril. Este ano, o rio que divide a capital, Rio Branco, em duas, anda preguiçoso: até agora não ameaçou alagação e as famílias que residem nas áreas baixas da cidade se encontram precavidas. Muitas constroem tablados, uma espécie de assoalho provisório a um metro, metro e meio acima do assoalho verdadeiro e se dão por tranquilas.
 

Anos atrás, durante o carnaval, um folião que se julgava precavido deu um nó de seringueiro nos punhos da rede para deixa-la mais alta, bem acima da alagação. Ao sair do carnaval se meteu nela para um sono pesado. Horas depois, sonhou que estava morrendo afogado num barril de cerveja e não conseguia gritar, que é aquela saída clássica do pesadelo. Só que não era nada de sonho: as águas do rio Acre tinham subido de madrugada e encobriram sua rede. Não sei, de verdade, dizer se ele escapou.

 

Cartas do Acre - Gente de Opinião

* O conteúdo opinativo acima é de inteira responsabilidade do colaborador e titular desta coluna. O Portal Gente de Opinião não tem responsabilidade legal pela "OPINIÃO", que é exclusiva do autor.

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