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CHUTANDO O BALDE

RESENHA CRÍTICA: RITUAL DE CATARSE – POESIA COMO TERAPIA


RESENHA CRÍTICA: RITUAL DE CATARSE – POESIA COMO TERAPIA - Gente de Opinião 

Por William Haverly Martins              

Quando se conhece a integralidade da vida literária de um escritor polivalente, resenhar criticamente uma dessas obras é deveras gratificante a nosotros, amantes das artes literárias, principalmente quando o autor se supera a cada obra nova, quer seja no campo da crônica, do conto, dos haicais, das frases de efeito e, recentemente, no da poesia: Viriato Moura vai da prosa à poesia com uma desenvoltura ímpar, pensando a vida com os olhos, influência das artes visuais, que também lhes perpassam pelas veias, enxergando magia literária no lugar comum, transcendendo o óbvio com palavras simples, porém eloquentes, que o colocam, pelo Ritual de Catarse – Poesia como terapia, no panteão dos poetas de escol, mestres na arte de entrelaçar aos olhos a alma e o coração, como se os olhos do corpo, enfraquecidos pelo tempo, ganhassem um reforço do espírito/razão.

E as andorinhas voaram de mim
porque nunca mais contemplei os céus de fim de tarde
à espera de que elas voltassem...
Uma pena!...
Porque olhar o céu,
numa ponta do dia que se vai,
para ver aqueles pássaros,
poderia me servir para tantas coisas!...
Inclusive para amanhecer de novo.


Embora seus títulos sejam sugestivos e nos remetam a um novo patamar interpretativo, procuramos deixar os versos acéfalos, a fim de que o corpo da linguagem poética, independente do título, funcionasse como a essência dessa forma de expressão, que se caracteriza pela linguagem sugestiva, conotativa, metafórica, figurada, criativa, inusitada – conhecida teoricamente como função poética.


Sobre a morte,
todo o dizer nada diz.
Porque nada,
essencialmente, muda.
Nada!...
Um corpo morto não tem eco.
Só silêncio.
Absoluto.
A mais enigmática das respostas.

À medida que nos profundamos na leitura, encontramos o ver-sentir-pensar como verbo espiritual, brotando de uma longa disciplina, uma espécie de aprendizagem na escolha das palavras, para que a sua arte poética alcançasse o fim desejado, sugerido no título e subtítulo. Percebe-se, de imediato, que os versos não foram feitos de chofre; cumprem um ritual na trajetória da vida do poeta/médico, alguns já publicados outros inéditos, servindo ao outro como parâmetro; afinal, trata-se do desnudamento literário de um profissional bem sucedido na arte médica, que de há muito vem se aventurando no mundo das artes plásticas e das artes literárias, vendo a poesia como terapia, como alternativa para viver as neuroses do dia a dia, como a possibilidade de viver com a consciência mais leve, segundo o diagnóstico dos consultórios da vida:

Ir somente numa direção, / por melhor que seja o destino, / é pouco e tedioso. / A vida oferece muitos horizontes / para motivar escolhas, / incitar o caminhante / a não parar de caminhar. / Por isso, eu saio do rumo, / dobro esquinas, / subo, desço, / vou, volto...
***
Na procura / de mim, /vaguei além de mim. / Dilui-me nos outros / − tantos outros. /Muitos de quem sou um pouco, / poucos de quem muito sou.

***
Poeta.../ Ah, esses poetas!... / Passadores incorrigíveis / na fronteira sem guarda /das emoções!...
***
Podemos amanhecer para a vida / em qualquer instante, / em qualquer lugar.
***
A criança que ficou por lá, / mas que há muito está surda / a meus clamores adultos.
***
O poeta é apenas o veículo /que gesta a poesia, / fruto da relação incestuosa /consigo mesmo.

***
Minha poesia / não tem compromisso com nada / que foi dito ou silenciado. / Ela apenas é lançada / nas águas da vida / pendurada na linha da existência / − como anzol!...
***
Até que um dia, / de tanto pedir / um sol só para si, / foi atendido. / Mas não suportou:/ foi consumido, / virou cinzas, / queimado pelos raios do seu egoísmo...
***
Mesmo sabendo que não renasceríamos /no próximo amanhecer /pelo menos /deixaríamos como legado a luz /e não a melancólica treva / de algo que apagou.

***
Escrevo poemas / como quem martela letras / para crucificar versos.


***
Na vida de cada um, há passo e descompasso. / O caminho caminhado impõe que seja assim: / passos e descompassos. / Porque a iminência do descompasso / faz parte de cada passo, / que pode ser certo. / Duvidoso ou errado. / Assim é o ritmo da vida, / esse caminho incerto/como o próximo instante.

 

O século XX foi resumido pelos estudiosos como o século das imagens, o século do cinema, do existencialismo, do limiar da televisão, dos questionamentos metafísicos neuróticos, instigadores do fim prematuro, onde a morte era solução absoluta. Na transição continuada para o século XXI, a Internet e as mídias sociais resgataram das imagens uma poética vernacular de palavras contidas, que existe nas banalidades, superando o medo e o desespero, construindo com amor uma nova imagem do Deus opressor do velho testamento, mostrando ao mundo um novo tempo em que a palavra adquire alma, força interior para, se não suplantar, pelo menos se igualar à imagem. É nesse contexto que a poesia terapêutica, de versos comedidos, ganha créditos e se impõe nos corredores hospitalares, ajudando no enfrentamento das dúvidas místicas da vida, no caso em tela, mediante versos escritos por quem viveu e está vivendo o instante hospitalar, sabendo como poucos criar a ideia de um roteiro de cura: ave palavra!

O livro do médico Viriato Moura, Ritual de Catarse – Poesia como Terapia, está repleto de preciosidades verbais capazes, sim, de provocar catarse e ajudar no tratamento de muitas enfermidades. Basta que o paciente/leitor se disponha a ler, ouvir, pensar e sentir os versos já é um primeiro e decisivo passo na superação do fardo conflitante.


Que razão haveria / para mais viver / se todos / os espelho / estão quebrados?...

***
Não podendo esculpir em nós mesmos / a imagem que gostaríamos de ter, / devemos apresentá-la / em sua melhor embalagem possível / para dá-la como presente de gratidão à vida. / Ela merece!

***
Acorda dessa tua esperançosa quimera / que te subjuga / à condição de tolo, / que faz de ti / apenas um veículo / de seus torpes interesses. / Assume a tua condição / de ser racional, / ou serás um asno / a conduzir no lombo / o peso que não te pertence.

***
Porque o amor / não se faz na intenção declarada /− a maioria cheia de outras intenções.
O amor nasce e vive/na verdade dos sentimentos/de quem expressa sua melhor doação.
***
Se sua poesia não for entendida, / ainda assim o poeta vive em você. / Mas, se sua poesia não for sentida, / o poeta está morto.

 

Os poetas, terapêuticos ou não, continuam a sua missão de segurar os dias com mãos mais firmes, de buscar chão para as questões polêmicas, num mundo complexo, cheio de diferenças sociais preocupantes, problemas econômicos de toda ordem, política viciada pela corrupção, com graves reflexos no dia a dia cultural, comprometedores até mesmo da criatividade.

Ao poeta, como garimpeiro astuto, / cabe separar preciosidades / da ganga impura / para fazer um colar de versos, / que poderá encantar ou desencantar. / Porém se essa joia for mesmo / um poema de verdade, há de trazer luz / à cabeça do pescoço / que ornará.

Os verdadeiros poetas não perdem, nunca perderam a capacidade de superar crises, surpreendendo a si mesmo e ao outro, no mundo das inquietações pessoais ou coletivas, com a expressão verbal emotiva, a purificação da alma pela emoção, a libertação de um conflito interior pela poética.

Pela qualidade estética do trabalho, pelo nobre fim a que se propõe e pela possibilidade de se conhecer uma nova faceta cultural do acadêmico Viriato Moura, recomendamos a leitura da obra em epígrafe.

Sonhou, / sonhou tanto, / que só sonhou... / Nunca quis / acordar ao amanhecer / da sua amarga / realidade. / Porque o sonho/ era a sua única chance / de felicidade.

Porto Velho, setembro de 2017.

William Haverly Martins
Escritor membro efetivo da ARL

Nota do Autor O livro Ritual de Catarse – Poesia como Terapia, 221p., Fontenele Publicações, está à venda na Livraria Exclusiva, na Av. Carlos Gomes, 2340.

 

* O conteúdo opinativo acima é de inteira responsabilidade do colaborador e titular desta coluna. O Portal Gente de Opinião não tem responsabilidade legal pela "OPINIÃO", que é exclusiva do autor.

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