Sábado, 3 de outubro de 2015 - 06h03
Por Humberto Pinho da Silva
Minha trisavó Florinda viu partir para o Brasil todos os filhos, excepto o primogénito. A maioria ficou por lá, outros regressaram. Entre eles, meu bisavô.
Abalou menino e veio homem feito.
Escrevia à mãe que havia de a visitar quando tivesse vinte e um anos. Assim aconteceu…
Uma manhã, sem ela contar, bateu-lhe à porta. Quase morria de alegria…
Abraçaram-se e choraram durante muito tempo. Por fim disse-lhe a mãe:
- José: não precisas de voltar ao Brasil. Sou de idade e preciso de quem cuide de mim e dos negócios. Tenho mercearia afreguesada e açougue de carnes verdes. Ficas com o negócio. Possuo economias que bastam e loja de retalhos, fitas e miudezas, para entreter e comprar alfinetes…
Meu bisavô ficou e expandiu o negócio.
Ajoelhada defronte do velho santuário de pau-preto, com o terço pendente das mãos encarquilhadas, a trisavó Florinda, todos os dias orava pelos ausentes. Via-os meninos. Para ela os filhos não cresceram…
Fui forçado, durante anos, a viver no interior. Conheci cachopinha terna, de ingenuidade amorosa, que amenizou longas e sombrias horas de solidão. Regressei, saudoso, à minha cidade. Nunca mais a vi.
Soube que se tornou mulher. Casou. Teve filhos…envelheceu.
Quando do armário da memória, ressuscitam velhas e gratas recordações, vejo-a menininha, muito trigueira, doirada pelo sol, brincando e conversando com toscos bonecos de celuloide, na varanda de sua casa.
O delírio embriagante que nos retira da realidade, só se esbate ao confrontar fotografias de diferentes épocas.
Com amargura verificamos que vivíamos dentro de um sonho. Sonho encantado que é saudade. Sonho que não queríamos nem queremos que se desvaneça no despertar…
O tempo passa, mas a melancolia do que passou, do que foi, e já não é, revive e reveste a alma de soledade.
A vida passa, transforma-se, e no rodopio do tempo só envelhece quem está longe do coração…
Só suas excelências não veem o caos
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