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Gente de Opinião

Vinício Carrilho

Por que temos uma Ditadura Inconstitucional?


 

            É quase impossível fazer um passo a passo da inconstitucionalidade que desonera a República da democracia, bem como sacramenta ações macro e micro de quem defenestrou o poder da soberania popular, em 2016, tantas são suas peripécias.

Em todo caso, vamos a duas de muitas razões: a primeira ou mais atuante é a aceitação do Poder Judiciário (em efeito beneplácito) de que se castrem direitos fundamentais individuais e sociais; em seguida, mas como condicionante daquela, o acatamento da vontade do poder imposto que assaltou o poder legítimo.

O referendo dado ao pior crime cometido contra a República, impeachment sem objeto legal, fez do STF (Supremo Tribunal Federal) o pior cenário para quem procura por direitos e justiça. Tanto é assim é que dias depois o Legislativo legalizou as “pedaladas fiscais”, porque o tomador do poder iria com certeza se utilizar delas.

Quando o senador Cristóvão Buarque admite que o motivo do Golpe de Estado legalizado foi, antecipadamente, a aprovação incondicional da PEC 241, comete e declara ter cometido crime[1]. Se os três poderes não estivessem alinhados na legalização dos diversos atos dos abusadores do direito, contra a República, responderia sob a Lei de Segurança Nacional que ainda está em vigor.

A conivência da Suprema Corte com o justiciamento político-partidário – salvo poucas exceções internas – faz com que pensemos que, “são seletivas tanto a amizade quanto a injustiça”. Neste caso, todas as instâncias do Judiciário estão alinhadas, empenhadas, na remoção do “entulho democrático”: o direito de protesto está abolido[2].

            Quando o próprio Supremo exonera direitos fundamentais, resguardados em cláusulas pétreas, colabora ativamente na desconstrução da Constituição Federal de 1988. Agir ou permitir que se aja contra a Constituição, quando se deveria ser o bastião de sua defesa, mais do que comprova que se trata de Ditadura e que este processo político-jurídico é, insuportavelmente e desmoralizantemente, inconstitucional:

Nesta última de outubro [de 2016], a aposentadoria e o direito de greve de servidores públicos – estes mesmos, na base da pirâmide, esquecidos pelos burocratas que usufruem de todos os privilégios lá do alto – foram as mais recentes vítimas. A decisão vem após o anúncio de apoio à PEC 241 pela Presidente da Corte Min. Cármen Lúcia, a pior à frente do cargo que me lembro. Vem depois da intragável sessão que eliminou a presunção de inocência, inesquecível para quem cultiva o mínimo do mínimo de compromisso com a Constituição Federal[3].

            A regra de ouro transmitida por séculos pelo Direito Ocidental é que “não se faz justiça com menos direitos”. Mas, essa conta, que não fechará enquanto estivermos sob a mordacidade da Ditadura Inconstitucional, só será paga historicamente. Isto é, quando seus perpetradores não mais estiverem entre nós.

O legado inconstitucional, portanto, será pago pelo povo e recairá sobre os ombros de seus descendentes. Hoje, há total conivência com o assalto ao poder e com a desconstrução do Princípio Democrático na base da pirâmide legal.

Enfim, ainda se pode dizer que, sem democracia há ditadura e que esta é absurdamente inconstitucional quando viola frontalmente os postulados constitucionais essenciais. Mutações constitucionais desse porte só seriam legítimas em Assembleia Nacional Constituinte, como tivemos em 1985, mas aí seria outra Constituição.

Do contrário, independentemente de rito qualificado (votação em maioria absoluta no Congresso Nacional), simplesmente ou exatamente, apenas desqualifica a CF/88. Torna-se mero ritual tipológico de um “novo” Estado de Exceção.

Este já é nosso legado jurídico para a remoção do poder legítimo no mundo ocidental. Sem recorrer às armas, valemo-nos da “força de lei” interposta contra a legitimidade construída sob os escombros da ditadura civil/militar de 1964.

Na tríade dos poderes antirrepublicanos, mas como retaguarda da Ditadura Inconstitucional, o Judiciário se porta como um tipo específico de abusador do direito. Sem que haja necessidade de intervenção militar (militarismo), e mesmo que haja militarização institucional e policial, ainda não vivemos sob o Bonapartismo (Marx, 1978): quarteladas, manu militari, Estado de Sítio.

A diferenciação entre fascismo e bonapartismo deve ser pautada, mas em momento oportuno. Também vale lembrar que Caio Júlio César (1999) foi nomeado ditador da República romana, um instituto temporário definido em lei. A prorrogação do instituto por Cesar, concentrando poderes em torno de seus interesses, possivelmente deu dado origem à expressão “cesarista”. E este foi o motivo do seu assassinato: dificultar a volta do poder ao Senado.

Na ilegalidade dos abusadores do direito, talvez estejamos nas entrelinhas de um cesarismo institucional, e não sob o controle de um condottiere. Uma modalidade de cesarismo regressivo e repressivo (Gramsci, 2000), capaz de articular os três poderes contra a República.

            Com isto também se metamorfoseia (assustadoramente) a necessária “judicialização da política” em Politização do Judiciário. Por fim, pode-se indicar liminarmente que a Politização do Judiciário perfila a natureza jurídica da Ditadura Inconstitucional.

            Vinício Carrilho Martinez

Professor Adjunto IV da Universidade Federal de São Carlos – UFSCar/CECH

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Referências

CÉSAR, Caio Júlio. Bellvm Civile: a guerra civil. São Paulo : Estação Liberdade, 1999.

GRAMSCI, Antonio. Cadernos do Cárcere. (Org. Carlos Nelson Coutinho). Rio de Janeiro : Civilização Brasileira, 2000.

MARX, Karl. O 18 Brumário e cartas a Kugelmann. 4ª ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1978.

* O conteúdo opinativo acima é de inteira responsabilidade do colaborador e titular desta coluna. O Portal Gente de Opinião não tem responsabilidade legal pela "OPINIÃO", que é exclusiva do autor.

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